terça-feira, 16 de junho de 2009

Boal e Niemeyer

No mês de dezembro de 2007 passei a ter coragem de afirmar meu desejo de viver cem anos.
Nunca imaginei viver tanto e muito menos ousava expressar esse desejo. Mas a partir de 18 de dezembro daquele ano passei a dizer sem inibição que gostaria de viver cem anos. Quem desencadeou essa coragem foi Oscar Niemeyer. Ao chegarmos ao Rio para as festas de fim de ano, fomos jantar, meu marido e eu, num restaurante italiano de Ipanema, na praça General Osório, convidados por Cecilia e Augusto Boal. Ao chegarmos, vimos que a mesa redonda, à direita da porta de entrada estava ocupada pelo arquiteto, sua mulher e uns quatro amigos. Ele fumava uma cigarrilha e tinha um copo de vinho na mão.
Acontece que três dias antes, Niemeyer festejara 100 anos. Três dias depois desse acontecimento extraordinário, estava num restaurante, bebendo, conversando e festejando a vida com amigos.
Sentados à mesa, Cecilia me provocou: “Vai falar com ele. Fala da entrevista”. Eu tinha feito uma entrevista com Niemeyer por e-mail para o jornal comunista L’Humanité, publicada pouco antes. Boal também foi provocado a ir cumprimentar o centenário ilustre que, como ele próprio, sempre foi engajado na defesa do Brasil e dos oprimidos. Nem Augusto Boal nem eu tivemos coragem de interromper Niemeyer para cumprimentá-lo por seu aniversário.
Mas a partir desse dia passei a dizer sem problemas que se é possível chegar lá com saúde e com lucidez, eu também quero viver 100 anos.

Estado Palestino by Netanyahu

Robert Solé é um jornalista do Le Monde, ex-ombudsman, que assina uma pequena e deliciosa crônica diária na última página. Vale a pena reproduzir a de hoje. Num texto conciso, ele resume a questão palestina atual, depois do discurso do primeiro ministro israelense. Solé imagina uma carta aos palestinos assinada por Netanyahu: “Caros amigos palestinos, Eu, Benjamin Netanyahu, primeiro-ministro de Israel, reconheço solenemente que vocês têm direito a um Estado. Mas isso supõe um certo número de condições. 1. Esse Estado não terá um Exército. Não se preocupem: nós cuidaremos da defesa desse Estado com toda a atenção que vocês imaginam. 2. Esse Estado deve procurar um território. Isso é problema de vocês, nós não devemos nos envolver nisso. Em todo caso, não contem com a Cisjordânia: nossas colônias continuarão a se desenvolver lá, graças a um crescimento natural de população. 3. Vocês devem escolher a capital do Estado. Saibam simplesmente que Jerusalém nos pertence e que ela é indivisível. Eis o que tenho a dizer. Fiz um grande passo que deve acalmar Obama e vai me dar um Nobel da paz. A bola agora está no campo de vocês. Benjamin Netanyahu P.S. Se o futuro Estado puder evitar ter uma Constituição, um Parlamento, uma polícia, uma justiça, uma diplomacia e serviços públicos, isso facilitaria muito as coisas".

Monsieur le Président de la République

Recebi hoje um comunicado do « Collectif Interuniversitaire pour la coopération avec les universités palestiniennes ». No seu e-mail, o presidente do Coletivo convida pessoas interessadas a assinarem a carta que ele enviou ao presidente Sarkozy, datada de 16 de junho, na qual o coletivo protesta contra a visita do primeiro ministro de Israel, chefe de um « governo abertamente colonialista, aliado ao partido de extrema direita racista de A. Lieberman”.
A carta pergunta a Sarkozy: “Seria preciso lembrar os sessenta anos de ocupação da Palestina, sessenta anos de injustiças para com os palestinos, os entraves à livre circulação, a negação de seus direitos fundamentais e suas aspirações legítimas? Seria preciso lembrar o bloqueio intolerável a que estão submetidos os cidadãos da Faixa de Gaza, as sucessivas agressões feitas pelo exército israelense, a destruição das infra-estruturas, em particular o bombardeio das universidades?
Chegou o tempo de sancionar as violações do direito internacional e do direito humanitário por Israel. Peço-lhe que anule esse encontro enquanto o governo israelense não tiver dado provas de uma atitude para com os palestinos respeitosa do direito internacional e do direito humanitário”.
Não preciso dizer que pus meu nome abaixo da assinatura do presidente do Coletivo, Roland Lombard, e enviei o envelope com a carta assinada ao Palácio do Eliseu.
Agora que tenho todos os direitos dos cidadãos franceses, ouso protestar de todas as formas, assinando petições entre outras, sem temer que a polícia de Sarkozy me “reconduza à fonteira”, como dizem eufemisticamente os responsáveis pela expulsão de estrangeiros.

Parlamento europeu vira à direita

No domingo, 7 de junho, fui cumprir meu dever de cidadã : votei para o Parlamento europeu na lista do Front de Gauche, que reunia o Partido Comunista e o recém-criado partido de Jean-Luc Mélenchon, um ex-socialista. Ajudei com meu voto a eleger um único deputado dessa coalizão para o Parlamento europeu: Patrick Le Hyaric, atual diretor do jornal comunista L’Humanité, minha leitura obrigatória de todos os dias, além do Libération e do Le Monde.
O parlamento europeu segue a tendência européia de virada à direita. Em todos os países da União Européia as listas da direita tiveram mais votos, seja na França, na Itália ou na Inglaterra. Na França, os socialistas tiveram um resultado abaixo do medíocre, aprofundando a crise no Partido, que já vai mal desde a derrota (a terceira para a direita) de Ségolène Royal e do congresso de Reims. Os trabalhistas britânicos realizaram o pior resultado desde 1918, enfraquecendo ainda mais Gordon Brown.
Na França, a grande surpresa foi a enorme votação dos ecologistas que conseguiram eleger o mesmo número de deputados europeus que os socialistas: 14 deputados, entre eles Daniel Cohn-Bendit, ele mesmo, Dany le rouge de maio de 68, e José Bové.
A lista dos ecologistas tirou votos de eleitores tradicionais do PS e dos centristas do Modem, de François Bayrou, eterno presidenciável que sofreu uma séria derrota.
Cohn-Bendit foi capa do Libération por três dias seguidos. Ele desmente a especulação de que possa ser presidenciável em 2012. Ele responde: “Presidente? Isso não é vida”.
Quem viver verá.

quinta-feira, 4 de junho de 2009

Arte em Veneza


O bilionário francês François Pinault , proprietário, entre outras empresas, da Christie’s, uma das maiores casas de leilão do mundo, inaugura dia 6 de junho na Punta della Dogana, conjunto arquitetural do século XV, bem na entrada do Grande Canal, que os venezianos chamam de Canalazzo, mais um museu de arte contemporânea com obras de sua coleção particular.
Pinault, que já adquirira o Palazzo Grassi em Veneza, antiga propriedade da família Agnelli, possui agora os dois mais importantes espaços de arte contemporânea da cidade dos doges. Ambos já valeriam a visita até vazios. Com a coleção Pinault, o visitante tem um “tour d’horizon” da arte contemporânea do mundo inteiro.
Mais um bom pretexto para voltar a Veneza.
Na foto, o prédio do museu Punta della Dogana num dia de névoa do mês de abril deste ano, visto de um quarto do hotel Monaco et Grand Canal

Okinawa, um modelo de longevidade

O Japão, recordista mundial de longevidade, tem mais de 36 mil centenários. Hoje, há 1500 japoneses com mais de 105 anos e 33 com mais de 110. O número de pessoas com cem anos dobrou nos últimos 5 anos no país. Proporcionalmente à população, o arquipélago de Okinawa, que faz parte do Japão, tem duas vezes mais centenários que o resto do país. A França, o segundo colocado no mundo, tem "apenas" 20 mil centenários.
O professor Makoto Suzuki, fundador do Estudo dos centenários de Okinawa, veio a Paris falar de suas pesquisas sobre o envelhecimento da população desse arquipélago. Há 38 anos ele dirige o estudo que acompanhou 2073 casos de centenários. Hoje existem 900 centenários em Okinawa, dos quais apenas 15% são independentes.
O doutor Suzuki falou aos jornalistas acompanhado do epidemiologista Jean-Marie Robine, presidente do Comité Internacional Longévité et Santé e do médico nutriterapeuta Jean-Paul Curtay. Segundo o Dr. Suzuki, o Estudo dos Centenários de Okinawa revelou um modelo alimentar e um modo de vida que permitem a maior longevidade saudável do mundo. Okinawa é um arquipélado de 44 ilhas habitadas e tem um recorde mundial de longevidade com 87 anos em média para as mulheres e sete anos menos para os homens. Em Okinawa vivem 61 centenários para cada 100 mil habitantes, duas vezes mais que a média do Japão e três vezes mais que a França.
Para envelhecer com saúde o médico explicou que vários fatores precisam estar reunidos : a dieta, a manutenção de uma atividade física, uma vida sem excessos e a existência de um tecido social em torno da pessoa que envelhece. No caso dos alimentos, a maneira de prepará-los parece ser tão importante quanto o próprio alimento. Pelo que contam os médicos, os velhinhos de Okinawa comem coisas muito estranhas à nossa dieta para que o regime deles possa ser seguido à risca. Depois de ver os livros, spas e medicamentos que prometem combater o envelhecimento seguindo o modelo de Okinawa fiquei com a impressão que ele é, antes de mais nada, um bom filão mercadológico. O que não nega o fenômeno dos centenários da ilha mas garante uma fonte de renda a muitas indústrias que vivem do marketing em torno de Okinawa.
Mamãe, aqui não é a praia, né ?
Fazer cooper no Jardin du Luxembourg é um dos prazeres dessa primavera parisiense. Percorro a pé três vezes, num passo rápido, o perímetro do parque mas não tenho noção de quantos quilômetros tem a pista de corrida dos atletas. Ao fim da última volta, me sento numa das cadeiras verdes para pegar sol e ler por uma hora. São momentos de pura felicidade em que o corpo recebe uma boa dose de atenção.
Nesta segunda, um dia feriado, estava sentada no meu momento de leitura. Tirei a blusa, passei um creme e fiquei me bronzeando de maiô, calça comprida e tênis. Um menininho de uns três anos, de óculos escuros, como a maioria das crianças francesas em dias de sol, passou perto com o pai e a mãe. Ele repetiu duas vezes a pergunta sem que eu tenha ouvido a resposta: “Maman, ce n’est pas la plage, là?” Ele não via nem água nem areia mas via um maiô da cintura para cima, sentado numa espreguiçadeira do parque.
Formais (ou conformistas?) até a raiz dos cabelos, as francesas que fazem cooper no parque não costumam ter a idéia de pôr um maiô por baixo da blusa para, uma vez sentadas, retirá-la uns minutos ao se expor ao sol. Também nunca vi um homem sem camisa, bronzeando-se ao sol no parque. Cada momento, cada lugar tem seu código vestimentário. Roupa de praia não é roupa de parque.
Para exposição ao sol de biquíni ou sunga, o prefeito Bertrand Delanoë criou “Paris Plage”, que dura um mês e atrai os mais descontraídos que, de frente para o Sena, fingem que estão na Côte d’Azur. Lá é que é lugar de pegar sol de maiô. Em agosto, no auge do verão europeu, "Paris Plage" é uma mistura de parisienses desinibidos, suburbanos ociosos e turistas curiosos.