segunda-feira, 21 de setembro de 2009

Fête de l’Huma







No fim de semana de 11 a 13 de setembro o jornal L’Humanité realizou mais uma tradicional e imperdível reunião da esquerda francesa, a Fête de L’Huma, que dura três dias. Organizada pelo jornal do Partido Comunista Francês (que já não tem mais a foice e o martelo nem é “órgão oficial do PCF”, como antes, mas continua sua luta pelos ideais comunistas), a festa é uma mistura de Feira da Providência com Bienal do Livro multiplicadas por dez.


A Fête de l'Huma é conhecida e frequentada por um número enorme de franceses. O espaço é um grande parque de La Courneuve, uma cidade dos arredores de Paris, e este ano mais de 600 mil pessoas, entre proletários e intelectuais que acreditam que um outro mundo é possível, foram ver o que a esquerda tem a propor para mudar o status quo. Mas quem vai à Fête de l’Huma não vai só tratar de política. Ponto de encontro da gauche francesa, muitos jovens vão também para comer, beber, se encontrar e ouvir música. Tudo com muitas faixas e cartazes engajados, claro. Mas o principal objetivo é angariar fundos para o jornal e reunir simpatizantes e militantes do PCF, além dos principais políticos de esquerda que vão defender a eterna união da esquerda, uma das metas mais difíceis da gauche do mundo inteiro.


Este ano houve, como de hábito, mega-shows de artistas como Manu Chao, que dispensa apresentação, e Julien Clerc, um compositor e cantor conhecidíssmo na França e que, entre outras qualidades, faz músicas para letras de Carla Bruni.
Fui no sábado e no domingo. No sábado pude ver quando o ministro da Cultura, Frédéric Mitterrand, cercado por um enxame de cinegrafistas e jornalistas, entrava no Village du Livre. Os militantes mais exaltados gritavam: "Mitterrand dehors" (fora Mitterrand), "Mitterrand traître" (Mitterrand traidor) e outras “gentilezas”.
Quem convidou Mitterrand para a festa deve ter ficado sem saber o que fazer para conter os jovens que seguiam o grande grupo de jornalistas gritando o que pensam do fato de um sobrinho do ex-presidente socialista ter entrado para o governo Sarkozy.
*Fotos de Leneide Duarte-Plon

Niemeyer em Paris



Os franceses criaram há alguns anos dois dias chamados "Les journées du patrimoine". Nesse fim de semana de setembro, todos são convidados a visitar os prédios tombados, castelos ou símbolos do poder, normalmente fechados à visitação pública.
Aproveitei o domingo para levar minha filha para conhecer a sede do Partido Comunista Francês, na Place du Colonel Fabien, prédio tombado de Oscar Niemeyer. Fizemos a visita depois da palestra de Gérard Fournier, num dia de sol do verão que se despedia de Paris. Foi um prazer redobrado percorrer a obra de Niemeyer com todas as informações sobre as circunstâncias de sua concepção e construção.
A criação dos "dias do patrimônio" é polêmica. Valéry Giscard d'Estaing, que recebeu no fim de semana pessoalmente os interessados em visitar seu castelo d’Estaing, disse aos jornalistas que foi ele quem instituiu em 1980 a data. Já Sarkozy, ao receber a multidão que foi conhecer o Palácio do Eliseu disse achar ótima “a ideia de Jacques Lang de criar esses dias do patrimônio”.
O próprio ministério da Cultura comunicou oficialmente que essa era a 26 edição das jornadas do patrimônio, estabelecendo a criação em 1983, sob a presidência de Mitterrand.
Pobre Giscard. Até a direita atribui a Mitterrand uma ideia genial que ele diz ser sua.

Leite derramado


As fotos nos jornais são impressionantes. Mais impressionantes são as imagens nos telejornais. Os produtores de leite franceses, belgas e do Luxemburgo encheram dezenas de caminhões-cisternas em ações-relâmpago e despejaram nos campos em torno do Mont Saint-Michel o líquido branco produzido pelo trabalho de centenas de homens e mulheres. As vacas contribuíram com o principal, claro.
Na semana passada, o protesto em diversos locais diferentes serviu para chamar a atenção para as perdas que os produtores de leite sofrem com o fim da política europeia de cotas e com os preços irrisórios pagos pelos industriais.
Outros produtores menos radicais preferiram distribuir gratuitamente o leite nas fazendas a vendê-lo por um preço vil.
Segundo a FAO, organismo da ONU que cuida da agricultura no mundo, três quartos do bilhão de seres humanos subalimentados do planeta são agricultores.

France Telecom: 23 suicídios em 18 meses

Os franceses são os maiores consumidores de antidepressivos do mundo.
Agora, deram para se suicidar. Nos últimos 18 meses, 23 empregados da empresa France Telecom – que era estatal e foi privatizada parcialmente no governo Chirac - se suicidaram. A maioria no próprio local de trabalho. Saldo lamentável do capitalismo e das privatizações.
Alguns deixaram cartas alegando pressões insuportáveis, depois da privatização “à la française” (isto é, por etapas) dessa antiga companhia estatal. Há dois anos, houve outra onde de suicídios de empregados dos fabricantes de automóveis Renault e Peugeot.
Christophe Desjours, autor de Souffrance en France (A banalização da injustiça social – FGV) e Suicide et travail, que faire ? (PUF, 2009) explica que existe uma solidão e um sentimento de abandono por parte do trabalhador com os novos métodos de trabalho, configurando-se “um deserto no sentido arendtiano do termo : a solidão total”.
Segundo o psicanalista, os gestores que só olham o resultado em números não querem saber como eles são obtidos. Seria como se os assalariados estivessem loucos por não conseguirem atingir os objetivos. “Mas os objetivos que impõem são incompatíveis com o tempo de que o empregado dispõe”.
Christophe Dejours acrescenta: “As empresas constroem slogans para dar a impressão de que o que elas fazem é gerenciar recursos humanos mas na realidade trata-se de uma gestão “lenço de papel”: pegam as pessoas, espremem e as jogam fora. O ser humano no fundo é uma variável de reajuste, o que conta é o dinheiro, a gestão, os acionistas, o conselho de administração”.

sábado, 12 de setembro de 2009

A vingança de Gaia ou o fim da civilização

“Na Inglaterra ele é um dos darlings da mídia. Célebre na Alemanha, popular no Japão, traduzido na Espanha. A França seria estreita e cartesiana demais ou simplesmente provinciana?” Quem pergunta é um jornalista do Le Monde no perfil de James Lovelock, publicado no lançamento de seu livro The revenge of Gaia, em 2006. O provincianismo da França é uma alusão ao desconhecimento da obra de Lovelock no país.
Sir Lovelock, de 89 anos, construiu a hipótese científica que afirma que a Terra constitui um ser vivo que se autorregula. No início era apenas uma hipótese. Hoje, ela constitui uma teoria, aceita internacionalmente. Ele explica que “o sistema Terra se comporta como um sistema unitário autorregulado, formado por componentes físicos, químicos, biológicos e humanos”.
Quem se interessa por meio ambiente já ouviu falar dessa teoria na qual o meio ambiente e o ser humano são compreendidos como parte de um todo e o planeta como um ser em permanente busca do equilíbrio. Segundo Lovelock, a Terra é uma interação entre o vivo e o não-vivo.
O aquecimento global, consequência da ação humana, segundo o cientista, vai ser responsável por uma catástrofe, pois o processo irreversível já começou. Quando a temperatura na Terra aumentar 8° centígrados (lá pelo ano 2050) a maior parte da superfície do planeta terá se transformado em deserto e os sobreviventes irão viver em torno do polo Ártico.
“Mas não haverá lugar para todos, haverá guerras e populações desesperadas disputando espaço vital. Não é a Terra que está ameaçada mas a civilização”, diz o cientista, membro da Royal Society e cujos títulos incluem o de doutor em química e cientista da Nasa, onde trabalhou para pesquisas em Marte.
Ele não crê no desenvolvimento sustentável como solução para as ameaças que pesam sobre o planeta e prega a diminuição drástica do consumo de bens materiais. Mas para isso, será preciso, segundo Lovelock, que as sociedades industriais saiam da inércia atual.



Prisão com dignidade

A Justiça do país dos direitos humanos reconhece as deficiências do seu sistema penitenciário.
Este ano, o Estado foi condenado a pagar a três ex-detentos da prisão de Nantes por “condições de detenção que não respeitam a dignidade da pessoa humana”. Isso foi em julho e a République vai pagar 6 mil euros a um dos três ex-detentos e 5 mil aos dois outros. Já tinha havido um julgamento similar no ano passado, em Rouen.
Periodicamente lemos nos jornais denúncias de condições degradantes de algumas prisões francesas. A de Nantes, por exemplo, tem 419 presos para uma capacidade de 291 lugares. Suicídios de presos são também frequentes nas prisões do país de Voltaire.
Se a justiça brasileira obrigasse a União ou os Estados a pagarem por “condições de detenção que não respeitam a dignidade da pessoa humana”, imagino que iriam à falência.