terça-feira, 24 de novembro de 2009

Fellini e seu double



O outono parisiense trouxe Fellini ao Jeu de Paume. Era domingo e o chão estava coberto de folhas amarelas no dia em que fui vê-lo.
Parei um longo momento diante do título “Fellini et son double”. Na tela se sucediam fotos de Marcello Mastroianni e do diretor que foi mais que um amigo e companheiro de trabalho : Fellini foi o autor de alguns dos melhores filmes do ator. Uma moça parada atrás de mim e do meu marido, falava ao ouvido de seu filho. O menino devia ter uns 11 anos, ela uns 40. Reconheci Chiara Mastroianni, a filha do grande ator com Catherine Deneuve. Ela estava completamente anônima, no meio da multidão que visitava o Musée du Jeu de Paume para ver Fellini, la Grande Parade, uma das imperdíveis exposições do outono parisiense.
Ao descobrir aquela moça e seu filho a comentar discretamente fotos do avô do menino, eu estava num raro estado de plenitude, daqueles momentos de prazer estético em que o mundo parece ter parado no tempo. A Itália de Fellini ficou para trás, hoje Berlusconi é uma triste realidade. Mas a exposição consegue nos transportar para uma Itália mais inteligente, o mundo do cineasta e de seus sonhos, que ele desenhava com incrível talento (ele foi desenhista de jornal, antes de se tornar cineasta) em cadernos expostos ao lado de fotos, cartazes, trechos de filmes e de entrevistas. A exposição mostra como foram criadas algumas das cenas mais famosas do cinema italiano. Roma, Anita Ekberg, Marcelo Mastroianni, Giulietta Masina, Federico estão todos no Jeu de Paume nos esperando.

Chaplin no museu


Charles Chaplin passou os últimos anos de vida em Vevey, na Suíça, às margens do Lago Léman. Esta semana seu filho Michael Chaplin anunciou que a casa vai se transformar em museu dedicado à obra do pai, com abertura prevista para 2011. A vista do lago e dos Alpes que Chaplin descortinava de sua casa é de tirar o fôlego.
O museu será um bom motivo para voltar a Vevey, onde passamos alguns dias no verão de 2008 e onde existe uma estátua de Carlitos em frente ao lago. Não preciso dizer que quase todo mundo que a vê faz uma pose ao lado do vagabundo. Mas como Vevey não tem torre Eiffel nem Louvre, o turismo por lá é soft e passa a anos-luz da agitação da capital mais visitada do mundo. Há até pequenas praias em torno do Léman mas no verão a maioria dos europeus prefere a agitação das “verdadeiras” praias de mar. A Suíça só se agita no verão durante o Festival de Jazz de Montreux, a poucos quilômetros de Vevey, outra jóia do Léman.
Fotos de Leneide Duarte-Plon

Harry Connick Jr. e Carla B.

Harry Connick Jr lançou seu novo disco “Your Songs” em Paris. O cantor convidou Carla Bruni para gravar em dueto a música dos Beatles “And I love her”. Ouvido pela revista Le Monde Magazine, o cantor justificou: “A indústria do disco está num estado tal que tudo o que pode criar um evento é bom. E minha mulher, que tinha desfilado como manequim e conhecia Carla, me deu força. Realmente, ela tem uma voz de pouca extensão mas cantar com ela foi excitante, como se fosse a versão feminina de mim mesmo”.
Boa idéia de presente de Natal. Por Harry Connick Jr., evidentemente.


Libération e a mão santa de Thierry Henry


Os jornalistas de Libération fizeram na semana passada uma edição histórica num genial exercício do que os franceses chamam de “autodérision” (auto-zombaria).

terça-feira, 10 de novembro de 2009

A bossa nova, Henri Salvador e a grande lorota

Na exposição extraordinária que a Cité de la Musique consagra ao genial jazzman Miles Davis, descobri um pequeno livro chamado “Jazz Quiz”, de Jean-Marie Villemot e Yannis Perrin. O subtítulo diz: “300 questões para (re)descobrir o jazz divertindo-se”.
Ao abrir o capítulo 14 chamado Un air de bossa encontro a pergunta 158: “Uma música de filme composta por um músico francês contribuiu decisivamente ao nascimento da bossa nova. Quem é o autor? Michel Legrand, Joseph Kosma, Henri Salvador. Nas respostas vemos que a “certa” é a C, Henri Salvador. E o comentário diz: “Essa doce e sensual música brasileira (a bossa nova) deve muito a Salvador. Sua canção “Dans mon île” foi descoberta pelos músicos brasileiros em 1958 num filme italiano “Noites da Europa”. Nessa ocasião, Antonio Carlos Jobim exclama: “É isso que se deve fazer, diminuir o tempo do samba e colocar belas melodias”. A bossa foi popularizada em 1958 pelo disco “Chega de Saudade” composta por Antônio Carlos Jobim e Vinícius de Moraes e interpretada por João Gilberto".
Isso poderia parecer desinformação dos autores do livro se não representasse uma “informação” repetida exaustivamente na televisão e nos jornais franceses. A cada vez que apresentavam Henri Salvador (morto no ano passado) na TV repetia-se a "informação" de que ele inventou a bossa nova. Quando os jornais franceses falam da Bossa Nova vem a "informação" (muitas vezes no condicional) de que Salvador teria inventado a bossa nova com a canção "Dans mon île".... Inúmeras vezes ouvi Henri Salvador ser apresentado como o verdadeiro pai da bossa nova. Num programa especial sobre a Canção Francesa, ele chegou a cantar em francês “Eu sei que vou te amar”, que não é propriamente uma canção da bossa nova, sem informar o nome dos compositores. Nem ele nem os apresentadores do programa disseram de quem era a canção que foi ouvida como mais uma canção francesa. Nesse dia, decidi entrevistar o compositor. A Folha de São Paulo publicou minha entrevista com Salvador em que o grande mitômano, gentil e simpático como um bom malandro, disse que não gostava que lhe atribuíssem a invenção da bossa nova. Como se ele não tivesse nada a ver com isso. Mas para ele chegar a esse ponto, tive que provocá-lo com perguntas que o levaram a dizer o que disse.
A seguir a íntegra da entrevista da Folha para quem gosta de bossa nova e para quem aprecia a verdade dos fatos:
http://www1.folha.uol.com.br/folha/ilustrada/ult90u69379.shtml

Lula, secretário-geral da ONU?

A ideia é do presidente Sarkozy.
Quem garante é um jornalista francês que acrescenta que como a França vai presidir o G20 em 2011, Sarkozy gostaria de ver Lula como secretário-geral da ONU, um aliado para a construção do mundo novo que deve emergir dessa crise. Sarkozy acha a ideia formidável. Principalmente porque é dele.
Seria por amor a Lula e às ideias ele representa ou não passa de cálculo para vender seu lote de Rafale ao Brasil?


Literatura na TV

Outro dia, alguém contava num documentàrio a história do início da televisão na França e comentava: ao criar a primeira grade de programação da ORTF (Office de Radio et Télévision Française) os responsáveis pensaram logicamente em criar um telejornal, um programa de divertimento, um programa político de entrevistas e ... um programa literário.
Os livros, a literatura, os intelectuais não poderiam estar ausentes da programação da televisão francesa. Não poderia ser diferente uma vez que a França é um país da cultura, dos livros, das ideias e do debate político, encarnado no século XX por Sartre, intelectual que foi ícone da geração de franceses do pós-guerra.
Infelizmente, a televisão francesa também se globalizou, na pior direção, aderiu ao programas do tipo big brother (Loft e outros) e os programas de cultura são cada vez menos numerosos. Bernard Pivot, que fez durante anos o melhor programa literário da TV francesa (Apostrophes e Bouillon de culture) parou. Os cineclubes para cinéfilos na televisão são coisa do passado e apenas alguns programas perdidos no meio da geleia geral garantem momentos de inteligência e informação. Felizmente, o canal franco-alemão Arte é ainda uma ilha de inteligência e bom gosto na programação audiovisual.