quarta-feira, 27 de outubro de 2010

Manifesto dos verdes europeus censurado pela patética mídia nativa


Hoje, os bilhetes estão a serviço de uma causa. A da democracia e do pluralismo da informação. "Nossa patética mídia nativa" (copyright Mino Carta), que pensa que os leitores acreditam no mito da objetividade e da neutralidade que ela tenta veicular, só tem espaço para boatos e sensacionalismo anti-PT na campanha sórdida de defesa dos interesses dos mesmos predadores que dominaram o país por 500 anos e foram desalojados do poder pelo voto democrático que elegeu o presidente Lula em 2002.

Assim, não houve espaço na imprensa brasileira para o manifesto dos verdes europeus à candidatura de Dilma Rousseff.

Yann Moulier escreveu com a ajuda de alguns brasileiros um texto de apoio dos principais líderes do Partido Verde francês à candidata Dilma Rousseff. A imprensa brasileira, « neutra e objetiva », não quis publicar o texto explicando que « os signatários não eram conhecidos e o texto não era interessante ».

Daniel Cohn-Bendit não é conhecido. José Bové não é conhecido. Deputados e senadores franceses e europeus são pessoas sem interesse para nossa imprensa.

Ah, essa nossa patética mídia nativa ! (copyright Mino Carta).

Leiam e julguem. E vejam no fim do texto os desconhecidos que o assinam.

Paris 18 de outubro de 2010

No quadro das atuais circunstâncias do Brasil, a ancoragem na esquerda é a única possibilidade real de fazer avançar a causa ecológica

« É impossível acreditar que a esperança suscitada pelos dois mandatos presidenciais de Lula acabe terminando no segundo turno com a eleição do candidato da direita »

A candidatura de Marina Silva trouxe para o eleitorado de Dilma, a pupila de Lula, a grande surpresa do primeiro turno.

É preciso saudar a novidade que representa a candidatura de Marina Silva que já lutava, desde o período de sete anos em que foi ministra do governo Lula, para fazer entrar verdadeiramente as questões ecológicas na pauta de preocupações do governo brasileiro de esquerda. Com sua presença no escrutínio, a diversidade de lutas sociais, de todas as minorias (sexuais, religiosas) encontrou uma voz.

O placar de 19% do total de votos para uma candidata independente, sem apoio de partidos poderosos, representa a segunda grande surpresa. Ele prova que o Brasil se transforma muito mais profundamente do que apenas no plano do crescimento econômico. Para a democracia e a cultura, este já é um passo considerável.

Na América Latina, da Colômbia ao Chile, e agora também no Brasil, para além dos diferentes contextos, as questões ecológicas entram definitivamente na pauta das eleições presidenciais, o que não é mais o caso na Europa. O Brasil é a sétima potência mundial. Nenhum europeu em sã consciência pode se desinteressar pelo que está em jogo para os destinos ecológicos e sociais do planeta.

Esta é a razão pela qual desejamos, através deste manifesto, expressar nossa inquietação. A batalha do segundo turno se anuncia bastante cerrada e, algo impensável até ontem, uma vitória da direita não está mais excluída. Na configuração de hoje, o partido verde está longe de ter a dimensão popular de Marina Silva. Algumas personalidades como Gilberto Gil, ele mesmo afiliado a este partido, conclamam a que se vote em Dilma sem ambiguidade. E nós compartilhamos desta posição.

Prestemos bastante atenção ao seguinte: José Serra não é um social democrata de centro. Por trás dele, a direita brasileira vem mobilizando tudo o que há de pior em nossas sociedades: preconceitos sexistas, machistas e homofóbicos, junto com interesses econômicos os mais escusos e míopes. A direita sai do porão.

- Contra as mulheres, as facções mais reacionárias das igrejas cristãs – incluindo aquela da mulher do candidato da direita que declarou publicamente que Dilma quer assassinar criancinhas – acusam a candidata de ser favorável ao aborto, mesmo que esta questão não faça parte de seu programa de governo, tampouco do programa do Partido dos Trabalhadores.

- Contra os homossexuais: o vice de Serra sustenta um discurso abertamente sexista e homofóbico.

- Contra os pobres: acusados de votar na esquerda por ignorância.

A esta panóplia, bem conhecida em toda parte, vem se juntar uma criminilização particularmente ignóbil por parte da direita das lutas de resistência contra a ditadura. Dilma tem sido alvo de campanhas anônimas na internet que acusam de terrorismo e de bandidagem por ter participado na luta contra o regime militar, ela que foi por este motivo presa e barbaramente torturada.

A mobilização da direita está completamente ligada aos interesses do agro-negócio, um vínculo sobre o qual o governo Lula tem sido ambíguo em alguns momentos. No entanto, uma vitória da direita representaria o triunfo do complexo agro-industrial e dos céticos em matéria de aquecimento global. Seria uma guinada à direita em direção à revisão do estatuto da floresta que começou a limitar a devastação na Amazônia e no Mato Grosso, e no asseguramento dos direitos indígenas sobre suas reservas, que no ano passado obtiveram uma importante vitória (Raposa Serra do Sol) referendada pela Corte Suprema do país, que reconheceu esses direitos. Vinte e duas reservas indígenas podem seguir este caminho de enfrentamento com o agro negócio da soja e do arroz transgênico.

Não permitamos que o voto libertário em Marina Silva paradoxalmente se transforme em uma catástrofe para as mulheres, para os direitos humanos e para os direitos da natureza!

No plano internacional, os aspectos mais inovadores da política Sul-Sul de Lula (certamente pelo fato de seu apoio a Ahamdinejad), seriam condenados ao ostracismo com um realinhamento com os Estados Unidos. Além de representar uma alternativa à fixação estéril em uma política de confronto entre Estados Unidos e China, esta política Sul-Sul se opõe às estratégias dos países do Norte de multiplicar as medidas de defesa dos direitos da propriedade intelectual em detrimento do acesso aos saberes, à internet (especialmente no âmbito da ACTA[1]).

Marina Silva recusou-se a manifestar apoio ao voto em Dilma. Pode-se compreender que seja um pouco difícil para ela se alinhar imediatamente com Dilma, com quem ela entrou em conflito enquanto no governo, e neste momento ela luta para evitar o alinhamento do partido verde com a direita, apesar da campanha virulenta contra ela por parte do PT.

Com efeito, os ecologistas estão travando, não só na Europa, como em vários países do mundo, um sério debate com os socialistas sobre a questão nuclear, sobre a OMC e o produtivismo agrícola e industrial, bem como o problema do aquecimento climático. No Brasil, agrega-se a todas essas questões uma dimensão – amplificada por sua urgência crucial – da luta contra as desigualdades. Pode-se compreender, portanto, a reserva de alguns ambientalistas em se alinharem com a candidata da esquerda.

Mas nossa experiência como força política e de oposição e governo na Europa nos permite afirmar a nossos companheiros brasileiros que, nas atuais circunstâncias do Brasil, a ancoragem na esquerda é a única possibilidade real de fazer avançar a causa ecológica: já vimos no que se tornou a « Grenelle » – Ministério do Meio Ambiente, Desenvolvimento Sustentável, Energia e Transportes – na França com a direita.

Quanto às mulheres, às minorias étnicas, religiosas, sexuais, elas sabem aonde têm que se bater. A xenofobia, o racismo, a mobilização reacionária da religião são os perigosos instrumentos que a direita populista utiliza alegremente na Europa.

É impossível acreditar que a esperança suscitada pelos dois mandatos presidenciais de Lula acabe terminando no segundo turno com a eleição do candidato da direita.

Daniel Cohn-Bendit (Alemanha) co-président du groupe parlementaire des

députés Verts au Parlement Européen

Monica Frassoni (Itália) co-présidente du Parti des Verts Européens

Philippe Lamberts (Bélgica) co-président du Parti des Verts Européens

Dominique Voynet (França) Senadora, Prefeita da Cidade de Montreuil , ex-

Ministra do Meio Ambiente (gov. Jospin)

Yves Cochet – ( França) Deputado Nacional, ex-MInistro do Meio Ambiente

(Gov. Jospin)

Noël Mamère (França) – Deputado Nacional e Prefeito de Bègles (Bordeaux)

José Bové (França) - Deputado europeu

Alain Lipietz (França) - dirigente dos Verdes, ex-deputado europeu

Jérôme Gleizes (França) – Dirigente da comissão internacional dos Verdes

Yann Moulier Boutang (França) Co-diretor da Revista Multitudes (Paris)


Mais uma daquela revista

Pedro Abramovay não é meu amigo. Não o conhecia nem mesmo de nome. Mas recebi de amigos sua nota, na qual esclarece mais uma leviandade da revista “Veja”, na qual trabalhei alguns anos, quando ela ainda não tinha se tornado a revista fascista que é hoje.

NOTA DE PEDRO ABRAMOVAY

Nego peremptoriamente ter recebido, de qualquer autoridade da República, em qualquer circunstância, pedido para confeccionar, elaborar ou auxiliar na confecção de supostos dossiês partidários. Não participei de supostos grupos de inteligência em nenhuma campanha eleitoral. Nunca, em minha vida, tive que me esconder.

A revista Veja, na edição número 2188 de 2010, afirma ter obtido o áudio de uma gravação clandestina entre mim e um ex-colega de trabalho. Infelizmente a revista se recusou a fornecer o conteúdo da suposta conversa ou mesmo a íntegra de sua transcrição.

Dediquei os últimos oito de meus 30 anos a contribuir para a construção de um Brasil mais livre, justo e solidário, e tenho muito orgulho de tudo o que faço e de tudo o que fiz. Trabalhei no Ministério da Justiça como Assessor Especial, Secretário de Assuntos Legislativos e Secretário Nacional de Justiça, conseguindo de meus pares respeito decorrente de meu trabalho.

Apesar de ver meu nome exposto desta forma, não foi abalada minha fé na capacidade de transformação de nosso país e tampouco na crença da importância fundamental de uma imprensa livre para o fortalecimento de nossa democracia.

Pedro Vieira Abramovay
Secretário Nacional de Justiça

segunda-feira, 18 de outubro de 2010

O câncer de Mitterrand

Soube que a saúde da candidata do PT, dada como curada de um câncer, tem sido um argumento "politico" de campanha no Brasil. Nesse momento de vale tudo, vale a pena relembrar a história de outro câncer, o do presidente François Mitterrand, que governou a França de 1981 a 1995, dois mandatos de sete anos.

Eleito em maio de 1981, François Mitterrand foi o primeiro socialista a ganhar uma eleição presidencial sob a Quinta República, inaugurada pelo general De Gaulle.

O presidente Georges Pompidou morrera em abril de 74 de um câncer linfático no exercício da presidência. No mesmo ano, Giscard d’Estaing, do partido de centro-direita foi eleito presidente, vencendo Mitterrand, o candidato do Partido Socialista. Ao vencer Giscard em maio de 1981, Mitterrand se compromete a divulgar um boletim de saúde semestral. Seu médico, Claude Gubler, passa a divulgar o boletim do presidente de seis em seis meses. Acontece que em setembro de 1981, o médico descobriu que o presidente tinha um câncer da próstata. E ninguém ficou sabendo.

Falsos boletins foram divulgados pelo Palácio do Eliseu durante muitos anos. Em 1992, os franceses descobrem que o presidente vai ser operado de um câncer que viria a matá-lo em 1996, um ano depois de terminar o segundo mandato. Dez dias depois da morte do presidente, o médico lança o livro « Le grand secret », contando a mentira de Estado da qual foi cúmplice, pois teve de falsificar boletins médicos. O livro se tornou logo um best-seller, foi proibido e, depois de um processo contra o médico por desrespeito ao segredo profissional, foi relançado.

Apesar da doença, Mitterrand realizou um governo que mudou o país : graças à sua promessa de campanha, o Parlamento votou a abolição da pena de morte. O governo Mitterrand promoveu, ainda, o aumento do salário mínimo, nacionalizou empresas, aboliu o monopólio estatal sobre o audiovisual francês e instituiu o ISF, imposto sobre a fortuna. E seu primeiro-ministro Pierre Mauroy instituiu um grande avanço social, a aposentadoria aos 60 anos, que Sarkozy está alterando agora com uma lei polêmica.

A reforma das aposentadorias

A França está em greve. A maioria dos serviços estão perturbados por greves em diversos setores da economia contra a reforma da previdência. Nesta terça-feira, dia 19, os franceses vão sair em passeatas por mais de 200 cidades. Será a terceira manifestação em uma semana com milhões de pessoas nas ruas (a soma de todas as passeatas do país ).

Na terça-feira, dia 12 de outubro (que aqui não é feriado), os franceses desceram mais uma vez às ruas para protestar contra a reforma das aposentadorias, vista como um retrocesso. Até hoje, a idade legal era de 60 anos e agora passa a 62 anos. Mas para se aposentar com o teto máximo (que na França não é o salário integral) a idade minima passa de 65 a 67 anos. A lei foi votada pela Assembléia Nacional (deputados) e confirmada pelo Senado esta semana.

Contra a reforma da aposentadoria, mais de três milhões de pessoas foram às ruas dia 12 em todo o país, uma greve geral foi iniciada e neste sábado, dia 16, novas passeatas foram realizadas em toda a França. Como milhares de pessoas, a diretora do Théâtre du Solei, Ariane Mnouchkine, saiu com sua troupe na passeata parisiense. Mnouchkine se posiciona totalmente contra essa reforma vista pelos franceses como uma regressão : « Eles sabem que daqui a dez anos ela será ultrapassada. É preciso fazer uma reforma, todo mundo está de acordo. Mas não se deve sacrificar sempre os mesmos. Chega de injustiças e de arrogância ».

O geógrafo e antropólogo Emmanuel Todd é mais contundente. Todd, autor de « Après la démocratie », diz : « Um economista vindo de Marte não compreenderia porque na França se defende o aumento da duração de trabalho para as pessoas já idosas, uma vez que não se consegue criar empregos para os jovens. Em termos de economia, a reforma não tem nenhum sentido. O governo quer dar a impressão de que enfrenta a realidade, mas foge dela. O que me choca é o espaço que se dá às novas gerações. É preciso lembrar que o futuro de uma sociedade são os jovens e não os velhos ».

Mulheres no poder

As mulheres estão chegando ao poder. O Brasil é o oitavo colocado em porcentagem de mulheres nos comitês executivos de empresas, à frente da Espanha, Alemanha e Índia. O universo estudado inclui empresas que estão nas principais bolsas de valores do mundo e a fonte é uma reportagem do Le Monde sobre as mulheres.

Em 2010, a Suécia tem 17% de mulheres nesses comitês executivos, os Estados Unidos, 14%, a Inglaterra 14%, a Noruega 12%, a Rússia 11%, a China 8%, a França 7% e o Brasil 6%.

Além de estar em 8° lugar nesse ranking, o Brasil pode, em 31 de outubro, vir se juntar à Alemanha e a outros países dirigidos por mulheres.

PV também quer aborto legalizado

Já que os fariseus (os franceses diriam Tartufos) trouxeram a discussão sobre o aborto para a campanha do segundo turno, é muito bom saber que o PV tem esse artigo no seu programa. As mulheres brasileiras das classes mais desfavorecidas poderiam, caso o programa fosse implantado, ser preservadas de uma morte por aborto praticado em condições precárias.

Programa do PV, capítulo 7, letra g

Programa: 7 - Reprodução Humana e Cidadania Feminina

1. Uma política de reprodução humana deve levar em conta a necessidade de estabelecer um sistema efetivo e democrático de acesso às práticas e técnicas de planejamento familiar livre e informado, que se baseie na contínua educação de homens e mulheres para a contracepção e o combate às DST's/AIDS. Constituem elementos para essa política:

g) legalização da interrupção voluntária da gravidez com um esforço permanente para redução cada vez maior da sua prática através de uma campanha educativa de mulheres e homens para evitar a gravidez indesejada.

O aborto mal praticado é responsável por grande número de mortes no Brasil. Vale lembrar o editorial do Le Monde que dizia : “O Brasil, primeiro país católico do mundo, tem seus arcaísmos e seus tabus, que se pode, segundo o ponto de vista de cada um, aceitar ou criticar. É pena que esse grave problema, em vez de suscitar um verdadeiro debate, seja utilizado como uma máquina de guerra eleitoral ».

É preciso que o Brasil consiga fazer a real separação da Igreja do Estado e legalize o aborto para que todas as mulheres, inclusive as que morrem nas mãos de curiosas, possam ter a opção de abortar dentro da legalidade e com segurança.

É lamentável que o Brasil seja dominado por esses vendedores de ilusão, párocos, pastores, bispos, que Jesus chamaria de « sepulcros caiados », como chamou os fariseus de seu tempo. Esses que proliferam no Brasil exploram a ignorância e o obscurantismo.


Israel expulsa Nobel da Paz


A irlandesa Mairead Maguire, prêmio Nobel da Paz de 1976 por sua ação na Irlanda do Norte, ficou presa no aeroporto de Tel-Aviv de onde foi expulsa no início de outubro. Diante da Suprema Corte que julgou seu caso, Mairead Maguire acusou Israel de ser um Estado « que impõe o apartheid e a limpeza étnica » ao povo palestino.

O jornalista israelense Gideon Lévy escreveu no jornal Haaretz : « Uma detentora do prêmio Nobel da paz está numa prisão israelense e ninguém parece dar atenção. Não temos vergonha, não dizemos nada. É uma situação que só pode acontecer em Israel, na Coréia do Norte, na Birmânia e no Irã ».

Homens e deuses

O filme "Des hommes et des dieux" foi escolhido para concorrer ao Oscar, depois de receber o Grand Prix em Cannes este ano. O magnífico filme de Xavier Beauvois conta a historia história verídica do assassinato de seis monges franceses na Argélia, em 1996, trata de violência e fanatismo, (sem cenas explícitas), e da recusa dos monges de Tibéhirine de ceder ao medo e à violência daquele momento em que o exército argelino enfrentava os grupos de fanáticos islâmicos que fizeram milhares de mortos.

O filme está fazendo uma carreira extraordinária e inesperada na França, levando-se em conta a seriedade do tema, a sobriedade da direção e ausência de qualquer apelo grande público. Des hommes et des dieux é de uma rara beleza e já foi visto por quase dois milhões de espectadores. As críticas são unânimes em elogios à direção, ao roteiro e ao desempenho dos atores, sobretudo de Michael Lonsdale e Lambert Wilson.

Em tempos de padres pedófilos, o diretor Xavier Beauvois, que não é católico, fez o filme de que a igreja precisava para reabilitar certos valores do cristianismo como a solidariedade, a tolerância e a convivência com outras religiões. O filme é o quinto de Beauvois.

A imprensa francesa deu grande espaço para a análise do sucesso de grande público de um filme sem efeitos especiais, sem sexo, sem imagens espetaculares, totalmente fora dos padrões das grandes bilheterias.

Um reencontro com o grande cinema francês, em meio a tanta mediocridade produzida na terra de Truffault e Godard.

Madame Sarkozy recebe no Elysée*

Leneide Duarte-Plon, de Paris

Quando um canal de TV pública (a França tem diversos e até 1987 todos os canais de televisão eram estatais subordinados à ORTF – Office de radiodiffusion télévision française) faz um documentário sobre a esposa do presidente em exercício para mostrá-la sob ângulos desconhecidos mas sempre favoráveis, como não reagir com críticas ou com ironia ?

Pois não foi outra a reação da imprensa francesa ao documentário La voie de Carla (O caminho de Carla), título que faz um trocadilho com voix, voz. O autor do perfil da primeira-dama, Marc Berdugo, deve ter-se achado genial pela « trouvaille ». Desde o início, tem-se a impressão de que se trata de obra de encomenda. Mas nada disso. No Eliseu, ninguém nunca encomendou nada. Que perfídia. O autor diz que o filme foi uma idéia totalmente sua pois conheceu Carla há vinte anos quando ela era manequim e ele estudante de jornalismo. Ah, bom.

No texto em que comenta o documentário sobre Madame Sarkozy, o jornal Libération adotou o tom irreverente que o caracteriza. A começar pelo título, Madame est servie, frase que as empregadas ou os mordomos dizem para avisar à patroa que a mesa está posta. Mas a frase tem um duplo sentido. Alguém está a serviço dos interesses de madame.

O documentário mostra uma primeira-dama elegante e discreta em seus deslocamentos no estrangeiro ou recebendo em jantares de gala no Eliseu. Poliglota, ela conversa com a rainha da Inglaterra em inglês e se dirige aos italianos da cidade de Áquila num italiano perfeito de quem nasceu em Turim. Além do mais, ela é capaz de encantar um público americano no Radio City Music Hall ao cantar ao lado de Dave Stewart num espetáculo em homenagem aos 91 anos de Nelson Mandela, em julho deste ano. A fina flor da música americana como Aretha Franlin, Steve Wonder e Cyndi Lauper subiu ao palco naquela noite.

Quando aparece no camarim e quando a escuta na platéia, o marido presidente é um fã discreto mas subjugado pelo charme de madame. Eles trocam palavras carinhosas, carícias e atenções o tempo todo em que ele aparece.

E aparece pouco pois o filme foi feito como hagiografia de madame. Que, aliás, pode ser vista em uma saída noturna do Samu Social, grupo de trabalhadores sociais que recolhem pessoas sem-teto das ruas de Paris para levá-las para abrigos aquecidos. Carla se veste de uniforme de trabalho, põe um boné e fica ao lado dos profissionais, agachada, discreta, tentando passar despercebida, enquanto eles tentam convencer um sem-abrigo a passar a noite num local fechado e protegido. Para Madre Teresa de Calcutá é um passo.

Em recente artigo sobre a mídia brasileira, o jornalista Mino Carta escreveu : « Resta ver se o Brasil estaria maduro para uma tevê estatal, nascida do entendimento de que esta há de ser uma instituição permanente a servir à nação em lugar do governo do momento. -Sinceramente, não aposto nesta maturidade ». Leia a íntegra do artigo de Mino Carta aqui: http://www.observatoriodaimprensa.com.br/artigos.asp?cod=611IMQ003

Pois se nem mesmo a França, uma democracia mais que calejada, berço da revolução chamada francesa que nos deu a declaração dos direitos humanos, está madura, como estaria o Brasil ? Se o diretor-geral de France Télévision, a holding que engloba todos os canais públicos, é escolhido pelo próprio Sarkozy, que independência tem ele para fazer uma televisão totalmente desvinculada do poder ?

* Publicado no Observatório da Imprensa em 13-10-10

sexta-feira, 8 de outubro de 2010

Eleições 2010 : a sempre renovada luta de classes


Amigos franceses desconsolados ao ver Sarkozy destruindo o Estado (hospitais, escolas, universidades e pesquisa) em nome de uma falaciosa “modernização” me dizem que invejam a minha sorte de ter um presidente como o nosso, admirado no mundo inteiro por seu engajamento no combate à fome e por seu projeto desenvolvimentista com inclusão social.

Como piada, eles me propõem uma troca. Eu recuso, claro.

Agora, com meu voto quero eleger alguém que participou ativamente da luta contra a ditadura militar. Além disso, elegerei a primeira mulher presidente do Brasil, do qual voltei a me orgulhar, graças ao presidente Lula. Dilma Rousseff promete continuar a obra do presidente Lula e por isso terá meu voto de novo no segundo turno.

Reconhecido e aclamado no exterior, o ex-operário tornou-se o presidente mais popular da história do Brasil, deu visibilidade ao antigo “gigante adormecido”, que como potência emergente soube impor respeito e admiração ao mundo inteiro. No mês de setembro, quatro importantes revistas francesas fizeram números especiais para analisar o legado de Lula, mais que positivo, e alguns grandes jornais editaram cadernos especiais sobre as importantes mudanças realizadas no Brasil.

Josette Sheeram, do Programa de Alimentos da ONU, na entrega do título de "Campeão Mundial na Luta Contra a Fome" ao Presidente Lula, em maio de 2010 resumiu a motivação do prêmio : "Lula, você deu o que há de mais importante ao povo: esperança. O Brasil alcançou todos os objetivos do Milênio (Metas do Milênio de redução da fome e da pobreza) ...; demonstrou ao mundo que lutar contra a fome tem um significado econômico. O Fome Zero custa menos de 2% do orçamento nacional. Programas de combate à fome são um bom negócio, criam empregos e crescimento"

Há que continuar a obra do presidente Lula, aclamado e premiado internacionalmente. Veja lista de alguns prêmios abaixo. ***

“Elite” precisa de mão-de-obra servil

Revi há menos de um mês o excelente filme Allende, de Patricio Guzmán. Se o presidente Lula tivesse feito as opções radicais (perfeitas e justas ) de Allende, não teria terminado nem o primeiro mandato. O Brasil é uma terra de grandes desigualdades sociais que a minoria privilegiada tenta manter a todo custo. Os grandes latifundiários não teriam permitido a reforma agrária sem reagir. Infelizmente a reforma agrária, que Allende fez, é a grande ausente do balanço positivo dos dois mandatos do PT.

Nosso país é dominado por uma "elite" (econômica, não cultural, que se julga uma elite porque tem apartamentos em Miami ou Paris, não porque cursou universidades que acumulam prêmios Nobel de medicina, química ou física). Ora, essa « elite » não quer ouvir falar de justiça social, distribuição de renda, metas de educação de qualidade, gratuita e universal, hospitais públicos de qualidade para todos os cidadãos. Essa « elite » precisa de estoques de mão-de-obra barata e servil. Os membros dessa « elite » acham que a palavra "cidadão" é arcaica, preferem "consumidores". Luta de classes? Uma obscenidade.

O balanço de Lula não é perfeito, longe disso. O Brasil não é o paraíso, longe disso. Mas é um país mais justo do que era. E, pelo que li, Dilma Rousseff quer aprofundar as reformas e os projetos sociais. Quem tem a biografia que ela tem e não renega o passado, merece um voto de confiança. Queremos o aprofundamento dos programas sociais ou o retrocesso ?

As revistas, os jornais franceses e mundiais louvam o legado de Lula. Admiro seu gênio político, como Hélio Pellegrino e Apolônio de Carvalho admiravam. Muitos outros brasileiros ilustres como Leonardo Boff continuam a admirar o metalúrgico que colocou o Brasil no caminho do resgate da nossa monumental dívida social.

O presidente Lula não tinha opção para governar. As alianças com os sarneys do nosso Congresso foram necessárias, uma vez que o PT não tinha maioria no parlamento.

Prefiro olhar a política externa desses oito anos, moderna, inteligente. Que o novo presidente, que espero seja Dilma Rousseff, continue na mesma linha independente e soberana, sem alinhamento automático aos EUA, a que nos impelia o nosso « complexo de vira-latas » de que fomos curados pelo presidente Lula, segundo análise de um jornalista francês.

Se os votos de Marina Silva fossem transferidos todos para José Serra ele seria eleito e voltariam as privatizações, o sucateamento de nossas grandes empresas, Petrobras, Banco do Brasil, tudo o que o tucano-mor não teve tempo de privatizar. Voltaria a “privataria”, como chamam alguns jornalistas. Vou votar em Dilma Rousseff no segundo turno com convicção. Ela garantiu que em seu governo não haverá privatizações.

O Brasil precisa dividir de forma mais equitável a renda do crescimento. E inserir cidadãos numa sociedade mais democrática e igualitária, diminuindo a concentração de renda. O Brasil precisa deixar de ser o país mais injusto do mundo na distribuição das riquezas. Queremos justiça social, muito mais do que já foi feito.

Precisamos votar em quem está preocupado com ela.

***Em abril deste ano, a Time, revista semanal de maior circulação no mundo, elegeu Lula um dos 25 líderes mais influentes do planeta. E no perfil publicado, escrito pelo cineasta Michael Moore, é destacado o programa Fome Zero (praticamente substituído pelo Bolsa Família), citado como uma das conquistas para levar o Brasil ao "primeiro mundo". A história de vida de Lula também é ressaltada por Moore, que chama o presidente brasileiro de "verdadeiro filho da classe trabalhadora da América Latina".

Em 2007, o presidente Lula recebeu o Prêmio Nehru. Em 2008 recebeu em Paris o Prêmio Félix Houphouët, oferecido pela Unesco. Um terço dos vencedores desse prêmio ganhou depois o Prêmio Nobel da Paz. No mesmo ano foi à Espanha receber o 1º. Prêmio Internacional Dom Quixote de La Mancha.

Em 2009 o presidente Lula recebeu em Paris o 1º World Telecommunication and Information Society Award; em Londres, depois de participar de encontro com a rainha Elizabeth II, no Palácio de Buckingham, recebeu o Prêmio Chatham House 2009 por sua atuação na América Latina; e em Nova York foi agraciado com o Prêmio Woodrow Wilson for Public Service. Na mesma cidade, em solenidade na sede da Organização das Nações Unidas, recebeu de Federico Mayor Zaragoza o Prêmio Sucesso Internacional (ISP, na sigla em inglês).

No fim de 2009, a revista Le Monde Magazine instituiu o título de Homem do ano e escolheu o presidente Lula para ser o primeiro homenageado.

Em Roma, durante a Cúpula Mundial da Alimentação das Nações Unidas recebeu o Prêmio Contra a Fome, da ActionAid, e um par de luvas de boxe pelo sucesso na luta contra a fome no Brasil. Este ano recebeu um prêmio inédito no Fórum Econômico Mundial de Davos, na Suíça: Estadista Global. Lula foi eleito para o prêmio por ser um líder político que usou o mandato para melhorar o mundo, justificou o Fórum de Davos. Foi a primeira vez que o Fórum concedeu um prêmio, em 40 anos de existência.

Le Monde : « No Brasil, duvidosa campanha dos evangélicos »

No Le Monde desta sexta-feira, 8 de outubro, o editorial de primeira página trata do Brasil com o título acima. Ele analisa o resultado do primeiro turno e dá alguns dados interessantes : segundo uma estatística oficial, 15% das brasileiras entre 18 a 39 anos já abortaram ao menos uma vez. O aborto mal praticado é responsável por grande número de mortes no Brasil.

O editorial termina dizendo : « O Brasil, primeiro país católico do mundo, tem seus arcaísmos e seus tabus, que se pode, segundo o ponto de vista de cada um, aceitar ou criticar. É pena que esse grave problema, em vez de suscitar um verdadeiro debate, seja utilizado como uma máquina de guerra eleitoral ».

O Le Monde pode levar o leitor desavidado a concluir que no maior país católico do mundo a divulgação de « fatwas » fundamentalistas tentando definir uma eleição presidencial vem somente dos evangélicos. Como todos sabemos, a campanha do atraso e da má fé associa católicos e evangélicos.

Vida extraterrestre

Depois da avant-première do filme « Nostalgia da luz » em Paris, esta semana, num cinema de Montparnasse, o cineasta Patricio Guzmán confirmou que todos os astrônomos que trabalham noite e dia na observação das estrelas e galáxias no deserto de Atacama no Chile, um lugar privilegiado para a observação dos astros, têm a plena convicção de que existe vida extraterrestre. Um novo telescópio com 60 antenas susceptíveis de captar ruídos vindos do big-bang está sendo instalado com verba de diversos países.

Por que estaríamos sozinhos nesse espaço infinito ? Que tipo de vida pode existir nos exoplanetas?

Fui ouvir o filósofo Alain Badiou na École Normale Supérieure nesta quinta-feira, 7 de outubro, como faço todos os meses, há três anos. Badiou é atualmente o filósofo francês mais lido e estudado no mundo. Este ano, seu seminário tem como título “Que signifie “changer le monde”? Grande leitor de Marx, Badiou é o maior especialista de Platão, em torno de quem fez seus seminários nos últimos anos. Seu livro « De quoi Sarkozy est-il le nom » foi um sucesso de vendas extraordinário, com tiragens sucessivas e uma repercussão na mídia que Badiou nunca tinha tido.

Na quinta-feira, no meio do curso de duas horas, ouvido com atenção por um auditório de mais de 200 pessoas - jovens, idosas e de meia idade - Badiou soltou a frase : « É provável que no universo existam outros seres que pensem. Isso é provável mas essa probabilidade é sem utilidade ».

Ele falava de hip
óteses levantadas recentemente, mas seu ponto de partida era Platão e sua teoria do mundo, exposta no diálogo de Timeu.

Francês naturalizado não pode matar policiais

Se quisier manter a nacionalidade, um francês naturalizado recentemente não deve matar policiais.
A lei criada recentemente pelo governo Sarkozy prevê a perda de nacionalidade para franceses naturalizados há menos de 10 anos que atentem contra a vida de um gendarme ou de um policial.
Conclusão óbvia : se você quiser matar um policial tem interesse em ser francês há mais de 10 anos. Ou ter nascido franês. Se você é naturalizado há menos de 10 anos e não quer perder a nacionalidade, não mate um policial ou gendarme. Mate a sogra ou o patrão, por exemplo. Ou o presidente.

terça-feira, 5 de outubro de 2010

Minha pátria é a língua portuguesa

É o título do texto que escrevi para a revista francesa Action Poétique e que tinha como única exigência falar de poesia e do Brasil.

Apesar de ser publicado em francês, achei que o título tinha que ser em português para enfatizar que é a língua que nos estrutura. Não é o que diz Lacan, confirmando a intuição do genial Fernando Pessoa ?

O convite me foi feito este ano por Henri Deluy para o número 200 da revista semestral, que saiu no meio do ano, e tem uma entrevista com o filósofo Alain Badiou, além de textos e poemas de seis poetisas da Beat Generation.

Action Poétique é uma revista de poetas, fundada em Marseille, em 1950, por Jean Malrieu e Gérald Neveu e dirigida desde 1958 pelo poeta poliglota Henri Deluy. Os poetas que a criaram e os que a fazem até hoje pensam que o poeta deve ser parte da sociedade e engajar-se nela através da linguagem e da experiência poética.

Escolhi falar da nossa língua, dos nossos poetas e do exílio no contexto de uma discussão que agitava a França sobre identidade nacional. Um debate que já nasceu polêmico. Para um brasileiro, o início do texto pode parecer óbvio, mas não é para o leitor francês, que muitas vezes não sabe sequer que língua é falada no Brasil.
Como decidi fazer a louvação da « última flor do Lácio » juntei ao da língua como identidade o tema do exílio, pois é a partir do meu exílio voluntário que enxergo melhor a língua portuguesa. A seguir, o texto :

« O debate sobre identidade nacional, que os intelectuais franceses rejeitaram por seu caráter xenófobo e indigno do país dos direitos humanos me levou a refletir sobre a identidade brasileira que, aliás, não causa preocupação a ninguém no Brasil.

Fruto da colonização portuguesa, o Brasil é o resultado da mistura de três raças, o branco europeu, o escravo africano e o índio autóctone. Isso mesmo, nos livros de história se falava de « raça » (será que ainda se fala de três « raças » ?) e isso não chocava ninguém ! No Brasil, aprendemos a valorizar os benefícios que a mestiçagem trouxe para a cultura brasileira com o aporte das culturas indígena e africana para a formação do povo brasileiro. A presença das duas culturas não europeias é visível na vida cotidiana, mas sobretudo na língua portuguesa falada no Brasil. Nossa língua incorporou ao seu vocabulário muitas palavras indígenas. Outro grande número de palavras do português do Brasil tem origem nas línguas africanas faladas pelos escravos. O português do Brasil é, pois, europeu mas caracteriza-se por ter sonoridades tropicais, graças aos índios e aos africanos.

Quanto à identidade nacional, se perguntarmos aos brasileiros o que é ser brasileiro, a maior parte dirá que é o fato de falar o português. Ao falar português sem sotaque qualquer pessoa pode ser considerada brasileira. Ninguém vai lhe perguntar, como na França, onde nasceu nem de onde vieram seus pais. Ela é brasileira mesmo tendo nascido em Alexandria, na Itália ou na Bessarábia. Um estrangeiro torna-se brasileiro quando ele « adota » o Brasil e sua língua.

Ser brasileiro é, pois, antes de tudo, falar o português. O único « pecado » de um estrangeiro que se torna brasileiro é o sotaque que pode revelar uma origem longínqua. Ninguem será tratado de « gringo » se fala o português sem sotaque. A partir daí, ele pode ter qualquer religião, gostar de samba ou de música clássica, ser negro, branco, asiático ou mestiço, ele será um brasileiro. As desigualdades são de ordem econômica, uma vez que a sociedade brasileira é tudo menos uma sociedade igualitária.

« Minha pátria é a língua portuguesa ». Como para o poeta português Fernando Pessoa (1888-1935), essa declaração é válida para a maioria dos brasileiros. A língua portuguesa é nossa pátria. O português é o milagre de um país que conseguiu manter sua unidade com uma língua única (que não é o « brasileiro » como escreve muitas vezes a imprensa francesa) e apesar das dimensões de país-continente (é preciso não esquecer que a superfície do Brasil é 17 vezes maior que a da França). « Nossa clara língua majestosa » como escreveu maravilhado Fernando Pessoa em seu texto. Ele conta como o texto de Vieira sobre o Rei Salomão o fizera chorar quando ele era ainda criança. « Não choro por nada que a vida traga ou leve. Há porém páginas de prosa que me têm feito chorar ».

Essa língua, a última filha do Latim, fora louvada antes pelo poeta parnassiano Olvao Bilac (1865-1918) no soneto « Língua Portuguesa » : « Última flor do Lácio, inculta e bela/És, a um tempo, esplendor e sepultura ».

O poeta e compositor Caetano Veloso rendeu homenagem à « última flor do Lácio » com a canção “Língua”: “Gosto de ser e de estar/E quero me dedicar a criar confusões de prosódias/ E uma profusão de paródias/ Que encurtem dores/ E furtem cores como camaleões ».

Carlos Drummond de Andrade (1902-1987), esse outro grande poeta brasileiro do século XX, amava apaixonadamente a língua em se expressava. Mas, se sentia exilado, como escreveu um dia a Mário de Andrade : « Nasci em Minas, quando devera nascer (não veja cabotinismo nesta confissão, peço-lhe!) em Paris. O meio em que vivo me é estranho: sou um exilado».

Quanto a mim, no meu exílio (voluntário) parisiense no qual vivo uma permanente descoberta da língua francesa, chego a pensar que amo cada vez mais « nossa clara língua majestosa », a última flor do Lácio.

E se não choro lendo os poetas românticos que cantaram o exílio, como Gonçalves Dias (1823-1867) no poema “Canção do exílio” (Minha terra tem palmeiras onde canta o sabiá) ou Casimiro de Abreu (1839-1860) no poema « Minha terra » (Todos cantam sua terra/Também vou cantar a minha/ Nas débeis cordas da Lira/Hei de fazê-la rainha), não deixei de ser, como Fernando Pessoa e Caetano Veloso, sensível, cada vez mais, à beleza da língua de Luís de Camões.