Em matéria de frases do ano, vai ser difícil superar o ministro do interior francês, Brice Hortefeux e a ex-ministra da Justiça e atual prefeita do VII arrondissement de Paris, Rachida Dati.
Ao ser entrevistada por uma jornalista num programa de entrevistas na televisão, Rachida Dati respondeu : « Je vois certains qui demandent des taux de rentabilité à 20-25%, avec une fellation quasi nulle… ». Ela quis dizer inflação…
A imagem e sobretudo o som deste lapso foram repetidos em diversos programas jornalísticos à exaustão. Os humoristas fizeram todas as piadas possíveis. Alexandre Appaix, de 39 anos, foi até julgado e condenado por um tribunal por ter escrito a Rachida Dati um e-mail pedindo uma gentileza : uma sessão de inflação. A pena foi 100 euros de multa por "ofensa a pessoa depositária de autoridade pública". Ele escapou de uma pena de 7500 euros e seis meses de prisão. Em uma das mensagens Appaix dizia que se imaginava pedindo a Rachida Dati uma "felação na prefeitura do 7° arrondissement de Paris, enquanto Carla Bruni Sarkozy olha (esperando sua vez) ".
Quanto a Brice Hortefeux, um dos mais próximos amigos de Sarkozy, que como ministro do interior aplica a dura política de expulsão dos « sans-papiers", ele criou uma nova categoria de impressões. Existem as digitais, as genéticas e agora as genitais (empreintes génitales). Ele esclarecia os jornalistas sobre os diversos tipos de contrôle e de fichamento de que dispõe a polícia francesa :
« En réalité, les fichiers il y en a deux qui sont des fichiers majeurs, le fichier des empreintes génitales et le fichier des empreintes génétiques ».
Os lapsos, segundo Freud, são uma manifestação do inconsciente que, aliás, nos prega constantemente armadilhas.
Dati e Hortefeux não podem nem negar os dois lapsos. Eles estão gravados em som e imagem para a posteridade.
Na França, Dilma Rousseff disputa votos com Lady Gaga
Julian Assange, o criador do site WikiLeaks, foi eleito o homem do ano pela redação do jornal “Le Monde”. Desconhecido há três anos, o jovem e controvertido australiano de 39 anos se tornou uma celebridade planetária. Assange é a segunda personalidade escolhida pelo jornal, que fez um perfil completo dele na revista “Le Monde Magazine”, como havia feito de Lula no fim de 2009, o primeiro « Homem do Ano » escolhido pelos jornalistas do Le Monde, inaugurando uma nova tradição do jornal.
Julian Assange foi eleito pela redação do jornal mas a maioria dos internautas que leem o site do Le Monde também elegeram o australianos como a personalidade do ano.
Na lista de personalidades que o jornal propôs a seus leitores, Julian Assange teve 56% dos votos, mais que o prêmio Nobel da paz e militante dos direitos humanos Liu Xiaobo que teve 22% dos votos dos leitores.
Entre as oito mulheres de uma lista que o Le Monde propôs a seus leitores, Aung San Suu Kyi, também prêmio Nobel da paz, teve 42% dos votos.
O segundo lugar foi praticamente um empate : a cantora Lady Gaga ficou com 16% dos votos e Dilma Rousseff, com 15,8% dos votos.
Ciao Maestro
Era o título da matéria de duas páginas do jornal La Repubblica no dia seguinte à morte de grande cineasta Mario Monicelli, que se defenestrou em Roma, aos 95 anos, para escapar à condenação do sofrimento de um câncer terminal.
« Admiro esse ato de coragem », disse sua irmã Giovanna Monicelli, quando lhe telefonei para dar os pêsames. Conheci-a na Itália em 2002, quando fui pela primeira vez com meu marido, que faz parte de um grupo de amigos de Giovanna, que se reúnia todos os anos na Toscana de onde a família é originária e onde ela habita.
Giovanna Monicelli trabalhou com seu irmão no cinema por muitos anos e conheceu todos os grandes diretores e atores dos anos áureos do cinema italiano : Visconti, Fellini, Antonioni, Rossellini, De Sica, Risi e tantos outros. A musa de Antonioni, a bela Monica Vitti, está com Alzheimer, segundo soube. Ninguém escolhe a velhice que vai ter.
Uma época se encerrou com a morte do último representante dessa geração dos grandes cineastas que construíram uma cultura cinematográfica única no mundo. Hoje o cinema italiano tenta renascer das cinzas.
Quantos filmes italianos vemos por ano no Brasil e no mundo ? Quais os grandes cineastas italianos vivos além de Nanni Moretti e Ettore Scola?
Hôtel Lutétia : 100 anos de história
O Hôtel Lutétia em Paris, na Rive Gauche, é um lugar de História e de muitas histórias.
Foi là que em 1921, o general Charles de Gaulle e sua esposa passaram a noite de núpcias. Depois da guerra, o Lutétia foi o centro de triagem de pessoas libertadas dos campos de concentração, em 1945. Foi lá que muitos reencontravam seus parentes ou se informavam sobre os desaparecidos nos campos de concentração.
O Lutétia, um endereço chique da Rive Gauche, acaba de ser comprado por um grupo israelense, que pretende manter o tradicional charme do lugar.
O hotel foi frequentado por André Gide, James Joyce, Ernest Hemingway, entre outros intelectuais. Hoje, ele é uma espécie de sala de visitas da cantora e atriz Juliette Gréco. Foi lá que ela me deu uma entrevista, publicada em parte na Folha de São Paulo. Na conversa, Gréco me contou que foi ao Brasil se apresentar e no Rio foi pedida em casamento por um brasileiro. Por pouco não ficou no Rio.
Durante a entrevista no Lutétia em outubro de 2009, a musa dos existencialistas de Saint-Germain-des-Prés cantarolou até músicas em português.
Abaixo a íntegra da entrevista.
Entrevista com Juliette Gréco, a eterna musa de Saint-Germain
“Amo o Brasil, gosto da música, gosto das pessoas, gosto da loucura”
Leneide Duarte-Plon, de Paris
A musa dos intelectuais de Saint-Germain-des-Prés por pouco não virou brasileira. Ela contou sua aventura no Rio com um sorriso e um brilho maroto nos olhos.
Juliette Gréco começou a carreira como atriz de pequenos papéis no teatro. Em junho de 1949, para a reinauguração do cabaré “Le boeuf sur le toit”, estreou como cantora cantando três canções compostas por Joseph Kosma com letras de Jean-Paul Sartre. Desde então, sua voz rouca canta o amor com sensualidade e elegância.
Para comemorar os 60 anos de carreira, Juliette Gréco, a mais cerebral das cantoras francesas, lançou em 2009 o CD “Je me souviens de tout” e fez espetáculos no verão parisiense. A musa dos existencialistas, símbolo de liberdade e rebeldia das mulheres de sua geração, recebeu a Folha de São Paulo elegantíssima, num vestido preto, sua marca registrada, para uma entrevista exclusiva no bar do Hôtel Lutétia, em Paris. Aos 82 anos, Gréco, a delicadeza em pessoa, guarda no olhar o brilho da juventude e prova que o título de seu disco não mente. Ela se lembra de tudo.
Na conversa, revela que quase se casou com um rico brasileiro durante a temporada carioca de seu show “April in Paris”, que deveria durar 15 dias na boate Vogue, no Rio, em 1952. A cantora acabou ficando três meses. « É um país que eu amo. Gosto da música, gosto das pessoas, gosto da loucura”. No início, ela não queria revelar o nome do apaixonado, depois acaba contando. No fim da entrevista, ficamos sabendo que o namorado colocou uma Mercedes à sua disposição e a presenteava com diamantes.
Em 1993, Juliette se aproximou da música brasileira ao gravar músicas de Caetano Veloso e de João Bosco no álbum “Juliette Gréco”. “Caetano Veloso c’est magnifique, Bosco c’est magnifique », repete a cantora. Mas a grande surpresa é ouvi-la cantar durante a conversa um trecho de “Juazeiro”, (de Luiz Gonzaga) e de “Sapato de pobre”, (de Luiz Antônio e Jota Junior). Ela canta “sapato de pobre é tamanco, almoço de pobre é café é café” com um ligeiro sotaque francês. Gréco aprendeu as duas músicas na temporada carioca de 1952.
A trepidante vida de musa levou-a a fazer cinema com Jean Cocteau, a namorar o músico Miles Davis, que conheceu em Paris, a viajar na década de 50 a Hollywood, onde filmou com John Huston e com Orson Welles e viveu com o produtor Darryl Zanuck. De volta à França, ela descobriu novos talentos da música. Mais tarde, casou-se com o ator Michel Piccoli, com quem assinou este ano uma carta aberta defendendo a lei Hadopi, que o governo adotou para defender os direitos autorais dos artistas punindo os internautas que fazem download ilegal de músicas e filmes. A cantora é casada com o pianista e músico Gérard Jouannest desde 1989.
Juliette Gréco nunca foi uma cantora popular como Edith Piaf. Ela era e é cult, tem fãs no mundo inteiro que se identificam com sua elegância e seu repertório sofisticado. No início de carreira cantava canções com letras de poetas e escritores de renome como Raymond Queneau, François Mauriac, Robert Devos e Sartre. Sua turma eram os existencialistas e os intelectuais de Saint-Germain. Depois, Gréco gravou Georges Brassens, Jacques Brel, Léo Ferré e Serge Gainsbourg. Foi ela quem abriu as portas do show business ao jovem Gainsbourg ao gravar « La Javanaise ». Agora, a dama da canção francesa se apropria da poesia de uma nova geração como Miossec, Abd Al Malik, Olivia Ruiz e do consagrado Maxime Le Forrestier.
Com a elegância de sempre.
LDP : “Je me souviens de tout” (Lembro de tudo) seria uma outra maneira de dizer “Non, je ne regrette rien” (Não me arrependo de nada)?
Juliette Gréco : Me lembro do que eu quero. O resto eu mato. Não, eu não me arrependo de nada, nem preciso dizer. Mas dizer “me lembro de tudo” é ao mesmo tempo mas terno e mais violento.
LDP : E entre as boas lembranças, quais as melhores ?
Juliette Gréco : Não sei, muitas vezes são as coisas pequenas, os encontros, alguém que nos ama e vem nos ver e nos diz coisas que nos dão vontade de continuar.
LDP : E essa vontade de continuar a cantar nunca se esgotou ?
Juliette Gréco : Não, mesmo nos lugares mais distantes culturalmente como o Japão, onde as mulheres não falam muito, elas vêm me ver e me dizem: “Você tem 82 anos, como você faz, me diga, me ajude”. Outras me dizem, “obrigada por me ajudar”. Recebo muitas cartas da França e do mundo todo e as mulheres me dizem “obrigada”.
LDP : Você é considerada um mito no mundo inteiro…
Juliette Gréco : Mas eu não me vejo assim. É estranho. Para mim, não sou nada, sou apenas uma mulher que vive com todos os problemas de todas as outras mulheres e para mim é um presente ter podido fazer o que eu gostava por 60 anos. Isso é fantástico.
LDP : Você começou sua carreira como atriz. Um dia, Jean-Paul Sartre lhe deu a canção “Dans la rue des Blancs-Manteaux” que ele tinha escrito para a peça “Huis Clos”. Conte-nos este início.
Juliette Gréco : As pessoas decidiram que eu tinha de cantar, inclusive Sartre. “Le boeuf sur le toit” que era nos anos 30 o cabaré de todos os surrealistas tinha um grande quadro com todas as assinaturas dos surrealistas, dos pintores e escritores. Nesse cabaré cantava Marianne Oswald e ele era frequentado por Jean Cocteau, André Breton e todos os grandes surrealistas da época. Quando o dono morreu, nós éramos jovens. Havia uma poetisa chamada Anne-Marie Cazalis e eu, uma jovem selvagem e rebelde. Nós fazíamos uma peça surrealista de Roger Vitrac que se chamava “Victor ou as crianças no poder” que ficou muito famosa. A irmã do dono veio nos ver e disse: “ Meu irmão morreu, o cabaré está fechado, façam a programação que quiserem”.
LDP : Foi assim que começou sua carreira de cantora...
Juliette Gréco : Antes eu era atriz. E comecei a cantar por causa de Sartre.
LDP : Você cantou canções de poetas como Jacques Prévert e Boris Vian. Serge Gainsbourg lhe deve o início de sua carreira quando a senhora gravou « La javanaise ». A senhora gosta de descobrir novos talentos?
Juliette Gréco : Foi assim desde o início. Participei da descoberta de Jacques Brel, de Gainsbourg. “Jolie môme”, de Léo Ferré se tornou muito conhecida por minha causa e fico muito feliz. Foram encontros importantes, nós éramos jovens. Eu era um pouco mais conhecida que eles por diversas razões, por exemplo o Brasil... Eu era muito conhecida, por nada, por nenhuma razão especial somente porque eu era existencialista.
LDP : Conte essa viagem ao Brasil. Em 1952, você fez um grande sucesso no Brasil...
Juliette Gréco : Enorme sucesso. Me lembro muito bem. Não tinha um tostão. A estilista Elsa Schiaparelli me fez um guarda-roupa sublime. Eu não tinha nada a não ser uma calça comprida, um casaco e um par de sandálias. Ela me vestiu para a turnê. Cheguei ao Brasil e tinha, entre outros, um vestido preto sublime com uma manga comprida que caía com pingentes. Quando cheguei ao Rio, pendurei o vestido e abri as janelas. Havia uma umidade incrível. Quando me acordei no dia seguinte, o vestido tinha esticado 10 centímetros!
LDP : Onde você se apresentou ?
Juliette Gréco : Cantei numa boite chamada Vogue, dirigida pelo barão Stuckart que devia ser um antigo nazista refugiado no Brasil e que gostava muito de mim. Provavelmente era um ex-nazista. Não sei o que contaram sobre mim mas as pessoas pensavam que eu cantava totalmente nua. Havia centenas de pessoas para entrar. Eles viram uma mulher vestida de preto. Em vez de ficar 15 dias, fiquei no Rio três meses. Estar vestida foi uma boa coisa.
LDP : Três meses no Rio e em São Paulo? Onde você se apresentou em São Paulo?
Juliette Gréco : Não, passsei três meses cantando no Rio de depois fui cantar em São Paulo, numa boate cujo nome não lembro.
LDP : Você conheceu no Brasil músicos importantes?
Juliette Gréco : Conheci muitos intelectuais, muitos poetas. Foi fantástico. Eles falavam francês, era um grande presente para mim encontrar aquelas pessoas. Magnifique.
LDP : Você fez amizades no Brasil ?
Juliette Gréco : Não, fui-me embora começar uma turnê mundial. Lamento não ter mantido contato. Mas quase casei com um rapaz que me pediu em casamento.
LDP : Um rapaz de onde?
Juliette Gréco : Um brasileiro.
LDP : Um brasileiro ? Qual o nome dele ?
Juliette Gréco : Ele era um dos que estavam construindo o caminho para Brasília. Chamava-se Henrique Tam. Acho que era de origem sueca. Ele era apaixonado, apaixonado.
LDP : Você teve apaixonados no mundo todo. Um outro, Miles Davis, está sendo homenageado com uma grande exposição na Cité de la Musique. Como vocês se encontraram e que contribuição ele lhe trouxe?
Juliette Gréco : Nós nos apaixonamos. Você sabe o que é paixão? Isso existe. A gente se olhou e se descobriu. Éramos muito jovens.
LDP : Você chegou a cantar com ele ?
Juliette Gréco : Eu ainda não cantava quando o conheci.
LDP : Quanto tempo durou esse amor ?
Juliette Gréco : A vida toda. Dura até hoje.
LDP : Você foi tentada a gravar bossa nova, que descende diretamente do jazz ?
Juliette Gréco : Adoro a bossa nova, acho uma música magnífica.
LDP : Mas você nunca cantou bossa nova ?
Juliette Gréco : Sim, um pouquinho, mas canto mal. Aprendi a música brasileira mais folclórica. “Juazeiro, Juazeiro, me responda por favor”. Tem também outra: “Sapato de pobre é tamanco, almoço de pobre é café é café...”
LDP : Se você for ao Brasil e cantar isso em português, os brasileiros vão adorar...
Juliette Gréco : Eu adorava os brasileiros.
LDP : Qual foi a sua última viagem ao Brasil ?
Juliette Gréco : Não sei, faz muito tempo.
LDP : No Brasil, você tem muitos fãs que a veem como a musa dos existencialistas.
Juliette Gréco : É um país que eu amo, gosto da música, gosto das pessoas, gosto da loucura.
LDP : Na semana que vem você viaja para uma turnê ao Japão e em dezembro faz um espetáculo na Ópera Real de Versailles. O que significa cantar no Japão, nos Estados Unidos, no Brasil, culturas tão diferentes?
Juliette Gréco : Estou muito orgulhosa de cantar na Ópera de Versailles. Me sinto como uma garotinha cheia de orgulho de cantar lá. As diferenças de cultura, isso não tem importância. O que há são seres humanos, apenas humanos. Para mim, não há barreira, o humano é humano. Não vejo as cores, isso não me interessa. Gosto da beleza e da inteligência e isso não tem cor. A música e a poesia não têm cor. As pessoas vão me ver e isso é um presente, um deslumbramento. Fico maravilhada. Tenho muita sorte porque fiquei intacta. Continuo tendo minhas alegrias de criança, não sou muito adulta, muito séria. Não sou risonha, é verdade. Mas não sou séria. Os aplausos são algo magnífico. Eu me dou, me dou, me dou e no final recupero algo, claro.
LDP: Esse é seu segredo de juventude ?
Juliette Gréco : É, aos 82 anos.
LDP : Que tipo de música você ouve em casa ?
Juliette Gréco : Clássica. Bach, Mozart, Mahler. Schönberg também. Se estou triste, infeliz, ouço Mozart e me sinto menos infeliz. É uma questão de educação, ouvi isso na minha infância. A música clássica me acalma, me traz felicidade e muitas vezes a alegria.
LDP : Você diz que é preciso cantar as canções dos novos compositores com o mesmo apetite que para Jacques Prévert ou Gainsbourg. É muito difícil encontrar novas letras inteligentes para cantar?
Juliette Gréco : Não, recebo muita coisa mas recuso muito também. Mas sempre há boas coisas para colher.
LDP : Você assinou com Michel Piccoli uma carta aberta para defender a lei contra pirataria na internet, chamada Hadopi. Essa lei é eficaz para proteger os direitos dos autores?
Juliette Gréco : Não, ela é inaplicável. Mas era preciso fazer qualquer coisa. Espero que de uma certa forma ela seja inaplicável porque as punições não são normais. Sou contra as punições previstas mas sou favorável a uma regulamentação, uma proteção dos autores. Fui insultada, foi horrível. Como tenho a reputação de rebelde, as pessoas disseram: “Ela aderiu a Sarkozy”. Nada disso. Isso tem a ver com amor e respeito que tenho pelos criadores. Quero que os que nos dão tanta felicidade sejam protegidos. Eles têm mulheres, filhos, família. Têm o direito de viver. Por que devemos ir pilhar os artistas? Por que? Não se roubam os padeiros, nem os açougueiros. Por que vamos roubar os criadores ? Isso não está certo.
LDP : E quanto à aplicação da lei ?
Juliette Gréco : Ela é inaplicável.
LDP : Seria então apenas um gesto simbólico ?
Juliette Gréco : Para mim, ela serve para alertar as consciências. A gente precisa explicar aos jovens que Polnareff e Abd Al Malik e Olivia Ruiz têm filhos, precisam viver. Eles precisam ganhar dinheiro com o que produzem. A arte que eles criam não é um presente abstrato, é algo concreto e que tem um preço.
LDP : Por que há pessoas contra a lei ?
Juliette Gréco : Não sei. Talvez porque ela é inaplicável, de fato. Não se pode fazer um processo contra todo mundo, é muito complicado. A internet é uma coisa abstrata, acho que as pessoas pensam que podem roubar impunemente. Os jovens querem tudo grátis. Precisamos dizer que quem escreve música e letra vive de seu trabalho. Eles pensam que os artistas ganham dinheiro demais. Mas existe também um problema social : o pai e a mãe não dão limites, eles vivem num mundo virtual. É preciso dar parâmetros, explicações aos jovens. A vida está na troca, na pesquisa, na curiosidade do outro, no dom de si mesmo, no que recebemos do outro. A vida está no amor não na publicidade.
LDP : Quando você está no palco há uma doação ao público. É isso que a alimenta até hoje, 60 anos depois ?
Juliette Gréco : É, quando a gente ama, a gente se alimenta dos outros.
LDP : E o público lhe devolve essa doação de sua arte.
Juliette Gréco : Faz 60 anos. Eles me deram a mão e continuamos de mãos dadas. Só tenho que agradecer.
A desolação de Gaza
Por pouco a exposição de fotos do premiado fotógrafo alemão Kai Widenhöfer não foi destruída por um comando de uns vinte homens da « Ligue de Défense Juive » que invadiram o Musée d’Art Moderne de la Ville de Paris, em novembro.
Eles acusavam a exposição de ser obra de antissemitas e estavam decididos a destruir as fotos de Gaza que mostram pessoas mutiladas com suas histórias contadas em texto anexo à foto. Foram contidos pela segurança do museu ao invadirem o prédio na véspera da inauguração.
Na exposição, viam-se pessoas feridas, mutiladas mas também casas, escolas e hospitais destruídos pelos israelenses na guerra de dezembro 2008 a janeiro de 2009.
Não há palavras para descrever a estupidez da guerra. As imagens de Widenhöfer, eloquentes e incontestáveis, mostram a barbárie de que o ser humano é capaz.
As imagens são tão duras que um anúncio na porta da entrada das salas de exposição alertava as pessoas sensíveis quanto ao caráter chocante das fotos.