Na semana passada comentei a cena em que Sarkozy retirou o
relógio em público, mostrada por Canal Plus. Não era o Rolex que ele usava
naquele dia. Segundo o jornal « Canard Enchaîné », um dos melhores e
mais bem feitos jornais satíricos franceses, ele retirou do pulso e guardou no bolso do
paletó seu Patek Philippe em ouro branco, presente de Carla, que custa 55 mil
euros. O que fez o presidente reagir tão rapidamente ? Ora, na multidão de
pessoas, havia dois jovens que apertaram sua mão. E eles eram … negros.
O presidente
teve apenas um reflexo… racista.
Surpresa na sala de espera
Na sala de
espera de um consultório descubro uma Paris
Match com Carla Bruni-Sarkozy na capa. A revista data de outubro de 2011,
quando ela teve sua filha Giulia, que nunca foi vista pelos franceses para que
o pai não seja acusado de expor sua vida privada para fins eleitorais. O
eleitorado francês não perdoaria.
O que
descubro na revista ? Que o ginecologista-obstetra que fez o parto da
filha de Carla é o meu médico. Paris
Match publica sua foto entrando na clínica de La Muette (perfeito nome para
uma cantora sem voz) e diz que o Dr. Fonty já fizera o parto do outro filho de
Carla, Aurélien.
Ele não pára
de me surpreender. No ano passado, quase não acreditei ao vê-lo numa cena do excelente
filme de Bertrand Bonello « L’ Apollonide, souvenirs de la maison close ».
Ele vivia o papel de um ginecologista. Ao
comentar que o vira na tela, o discreto e reservado Dr. Fonty me disse que é médico
da produtora do filme. Comentamos sua performance e ele confessou que nunca
poderia exercer o métier de ator. Muito tempo esperando para gravar uma cena
que na tela vai durar um ou dois minutos.
Sarkozy em Fukushima ?
O presidente
Sarkozy é flagrado todo dia contando mentiras. Os jornais não hesitam em
apontar as mentiras e em desenhar nele um grande nariz de Pinóquio. Ele disse
em um comício que fora a Fukushima com Nathalie Kociusko-Moriset, sua ministra
do Meio Ambiente. No Petit Journal do Canal Plus feito pelo jornalista Yann
Barthès, em que nenhum político escapa às críticas ácidas e à ironia, as
imagens em que Sarkozy contava essa enorme mentira foram confrontadas a outras
em que sua ministra dizia : « Não pudemos ir ao local da Central
Nuclear de Fukushima. A zona não pode ser visitada. Encontramos as autoridades
japonesas em Tóquio », etc, etc. Ao ser confrontado a essa enormidade,
Sarkozy respondeu : « É uma questão de comunicação, dizer que fomos a
Fukushima tem mais impacto ». Ah, bon ?
Agora, entre
os dois turnos, ele surrupiou todas as teses do Front National de Marine Le
Pen, única reserva de votos que podem salvá-lo da aposentadoria precoce. E
passou a dizer que « Hollande recebeu o apoio de 700 mesquitas francesas ».
Como o eleitorado de Marine tem horror aos árabes e quer vê-los todos de
preferência bem longe, ele sabe que isso seria um argumento anti-Hollande. Os
representantes dos muçulmanos desmentiram. Hollande desmentiu. Não faz mal. A
falsa informação pode cair em terreno fértil junto a quem não ouviu ou leu o
desmentido. E Sarkozy pode ganhar mais um voto do medo e da xenofobia, o ódio ao
estrangeiro e à sua cultura.
Segundo os
institutos de pesquisa, entre 18 e 31% dos eleitores de Marine Le Pen podem votar
em Hollande no segundo turno.
O cartaz do
segundo turno
Para quem
não fala francês: o primeiro trocadilho com o nome de Sarkozy, “Il ne faut pas que ça
recommence” (é preciso evitar que isso recomece) ; o segundo, um
trocadilho com « aux lendemains qui
chantent » (futuros cor-de-rosa, isto é, idealizados).
Uma olhada
na Wikipedia nos leva à origem da expressão « les lendemains qui chantent ». O
deputado comunista Gabriel Péri, fuzilado em 1941 pelos nazistas, escreveu uma
carta de despedida na véspera da execução. No fim da carta ele diz : « Continuo
pensando que meu caro Paul Vaillant-Couturier tinha razão de dizer que o
comunismo é a juventude do mundo e que ele prepara um futuro glorioso (des lendemains qui chantent) ». O
título da autobiografia de Péri, publicada em 1947 é justamente a expressão que
ele utilizou para definir o futuro sob o comunismo : « Les lendemains
qui chantent ».
Marine et Brigitte, o mesmo racismo
Marine Le
Pen agradeceu por twitter a intervenção de Brigitte Bardot para que ela pudesse
ter as 500 assinaturas de prefeitos, condição sine qua non para se candidatar à presidência como prevê a lei.
O atual marido
de Bardot pertence ao partido de extrema-direita francesa, criado pelo pai de
Marine, Jean-Marie Le Pen. E a velha reacionária em que a sex-simbol se
transformou odeia os muçulmanos tanto quanto Marine. Em seu livro autobiográfico, lançado em 2008,
Bardot dizia todo o horror que tem dos imigrantes que são para ela uma ameaça à
« identidade francesa ». Não se deve esquecer que Jean-Marie Le Pen
foi torturador na Argélia, durante a guerra colonial que durou vários anos.
O voto
envergonhado no Front Nacional
O resultado do
primeiro turno da eleição para presidente não confirmou as previsões dos
institutos de pesquisa, sobretudo nos números de Marine Le Pen e de Jean-Luc
Mélenchon. Tanto a candidata do partido de extrema-direita, Front National (Frente
Nacional), como o candidato do Front de Gauche (Frente de Esquerda que reuniu o
Partido Comunista mais Partido de Esquerda) tinham previsões que davam ora um
empate, ora um dos dois ligeiramente à frente, ambos disputando o terceiro
lugar. Jamais Marine Le Pen tão distante de Mélenchon.
O Front de
Gauche obteve apenas 11,11%, enquanto Marine Le Pen chegou em terceiro lugar,
com 17,90% o melhor resultado já obtido pelo Front National em toda sua
história. Melhor que o seu pai em 2002, 16,8%,
quando Jean-Marie Le Pen foi para o segundo turno com Jacques Chirac,
desclassificando o candidato socialista, Lionel Jospin. A catástrofe que nenhum
instituto de pesquisa previu !
Por que esse
novo erro dos institutos de pesquisa ? Convenhamos que não chega a ser o « grande
trauma de 21 de abril de 2002 », quando a França descobriu que o
socialista Lionel Jospin não concorreria com Chirac mas que os franceses teriam
de escolher entre um candidato de direita republicana e um representante da
extrema-direita xenofóbica e anti-europeia. Mas este ano ninguém previu um
percentual tão elevado de Marine Le Pen. O erro se repete.
Os analistas
atribuem esses seis pontos de vantagem de Marine sobre Mélenchon ao voto
envergonhado de muitos eleitores do Front National, estigmatizado como a
ultra-direita neofascista. O processo de
« desdemonização » do partido iniciado por Marine Le Pen não chegou a
termo. Há quem se
diga indeciso, quando na verdade vai votar na Frente Nacional.
Com a
ligeira vantagem de François Hollande no primeiro turno (28,63% contra 27,18%
de Sarkozy), o jornal britânico, The
Guardian chegou a dizer que « somente um milagre pode manter Sarkozy
no poder ». Esperemos, esperemos. Não o milagre, claro, mas a vitória de
Hollande sobre o Pinóquio, que mente mais que Chirac, apelidado pelos Guignols
de l’info, há alguns anos, de « super-menteur ».
Marine Le
Pen, cujos eleitores passaram a ser cortejados descaradamente por Sarkozy, pretende
mudar o nome de seu partido ainda este ano e representar uma nova força de
direita, tão anti-socialista quanto anti-sarkozysta. Segundo o analista
político Alain Duhamel, « ela tem uma liderança carismática, brutal,
violenta, simplista e extremamente perigosa ».
Quanto a
Mélenchon, logo que os resultados foram divulgados ele declarou que a única
forma de vencer Sarkozy agora é votar em Hollande. As pesquisas mostram que praticamente
todos os seus eleitores votarão em Hollande no segundo turno. A candidata dos
ecologistas, Eva Joly, que teve pouco mais de 2% dos votos, também declarou
imediatamente apoio à candidatura do socialista.
Os eleitores
do centrista François Bayrou (que teve em torno de 9% dos votos) e os de Marine
Le Pen são a grande incógnita. São eles que decidirão o segundo turno. Sarkozy começou
imediatamente a cortejar esses eleitores da ultra-direita, exagerando sua
postura claramente anti-imigrantes e securitária. Marine Le Pen que não é boba,
denunciou uma apropriação indébita de seu programa, que ela chamou de « roubo ».
O que farão os eleitores ? Ela vai dar uma orientação clara na festa do
dia do trabalho, que o Front National comemora todo ano diante da estátua
equestre de Joana d’Arc.
** Fotos de Leneide Duarte-Plon
Helmut Newton volta a Paris***
Leneide
Duarte-Plon, de Paris
Helmut
Newton morreu como viveu : cercado do luxo e das celebridades
internacionais do jet set. O fotógrafo que revolucionou o mundo da moda na
segunda metade do século XX teve um ataque cardíaco aos 83 anos, em 2004,
quando dirigia seu Cadillac na saída da garagem do Château-Marmont, o mítico
hotel de Hollywood onde Sophia Coppola filmou « Somewhere ».
No mesmo
ano, sua mulher, June Newton, que fez carreira como fotógrafa com o nome de
Alice Springs, inaugurou oficialmente a Fundação Helmut Newton, em Berlim, onde
o artista nasceu em 1920 e viveu até 1938, quando teve de fugir do
antissemitismo que invadira a Alemanha.
Desde o dia
24 de março (e até 17 de junho), Helmut Newton está de volta a Paris, na
monumental retrospectiva do Grand Palais, organizada por June Newton e Jérôme
Neutres, onde mais de 200 fotos de moda e retratos de personagens do mundo
artístico e político mostram aos visitantes por que Newton foi um grande
artista. Entre os retratados estão Margaret Thatcher, Catherine Deneuve,
Isabelle Huppert, Yves Saint Laurent, Caroline de Monaco, Jean-Marie Le Pen, Leni
Riefenstahl, Elisabeth Taylor e Charlotte Rampling. Salvador Dali aparece
sentado, velho e doente, vestindo um « robe de chambre » em cetim, em
sua última foto.
Foi em Paris
que Newton conheceu a fama e onde trabalhou nas melhores revistas de moda,
sobretudo na Vogue, impondo uma visão
nova e única do corpo feminino contemporâneo. As manequins que ele mostra nuas
ou em smokings são poderosas, sedutoras, dominadoras, perfeitas mulheres
fálicas, muito longe da mulherzinha feminina que habitava as revistas de moda
antes dele.
Nas fotos de
Newton, a revolução sexual passa pela liberdade do corpo exposto a todas as fantasias.
A série Les nus et les vêtus, de
1981, mostra manequins nuas em salto alto, com a mesma atitude e pose de outra
foto em que se vestem com roupas de alta costura. Uma dessas fotos atingiu 241
mil dólares, na Christie’s de Nova York.
Helmut
Newton fazia fotos de moda como quem encena uma história erótica de poder e
luxo. « Uma boa foto de moda deve parecer tudo menos uma foto de moda.
Deve ser como um retrato, uma foto de souvenir, uma foto de paparazzi »,
definiu um dia o artista que criava uma verdadeira mise-en-scène para cada
foto. « Durante a sessão de fotos, a modelo se torna uma criatura minha.
Colocam diante de mim as mais belas mulheres do mundo numa perfeição do
trabalho dos melhores cabeleireiros, maquiadores, o que lhes confere uma qualidade
de obra de arte. Esses excessos pelos quais uma mulher pode se tornar bela me
interessam. Eu bem que tentei o « instante decisivo » mas fracassei. Rejeito
a espontaneidade. »
Nos
retratos, o fotógrafo sabia extrair uma verdade particular de cada pessoa. No
jornal Le Monde de 30 de março,
Jean-Marie Le Pen, Catherine Deneuve e Isabelle Huppert contam como posaram
para Helmut Newton, que tinha o dom de deixar o modelo à vontade apesar de
trabalhar muito rapidamente. Catherine Deneuve diz que posou em casa, com sua
própria roupa, uma combinação preta. Ela tem um cigarro na boca e reconhece que
a foto é totalmente ela, naquela época. Deneuve prefere se abrigar atrás de um
personagem de filme e diz que hoje não abriria sua casa a um fotógrafo, como
fez a Newton.
Jean-Marie
Le Pen parece muito à vontade com seus cães numa atitude que o político vê como
uma pose "viril". Helmut Newton conseguiu fazer o líder da
extrema-direita francesa posar com seus dois doberman, numa foto que foi vista
por muitos como uma citação de uma famosa foto de Adolf Hitler com seu pastor alemão, em 1925. Helmut Newton nunca
confirmou essa hipótese.
A fotógrafa
do III Reich Leni Riefenstahl, que ele fotografou no ano 2000, disse a Helmut
Newton em tom de brincadeira, quando ele fazia seu retrato: “”Helmut, é a velha
nazista que se embeleza para o judeuzinho ». Ele comentou :
« Acho que ela ainda é apaixonada por Adolf ».
Como para se
vingar do nazismo, ele pediu para ser enterrado em sua Berlim natal. Hoje,
Helmut Neustädter, mais conhecido como Helmut Newton, repousa perto do túmulo
de Marlene Dietrich, que ele tanto admirava.
*** Publicado na Folha de São Paulo
*** Publicado na Folha de São Paulo