Na
terça-feira, entre os dois turnos da eleição legislativa, para eleger deputados
do Parlamento francês, Valérie Trierweiler, que não quer ser chamada de primeira-dama, criou a polêmica que ninguém
podia esperar, além de um enorme embaraço para o presidente François Hollande.
Este declarou apoio a Ségolène Royal, sua ex-companheira e mãe de seus quatro
filhos, candidata do Partido Socialista a deputada pela circunscrição da cidade
de La Rochelle. No segundo turno, dia 17 de junho, Ségolène vai enfrentar um
dissidente do PS, Olivier Falorni, que, contrariamente à regra ditada pelo
partido, não quis desistir da disputa do segundo turno, o que daria automaticamente
a vitória à primeira colocada, Ségolène Royal.
Valérie
Trierweiler enviou na terça-feira um tweet a Falorni que dizia :
« Desejo coragem a Olivier Falorni que tem mérito e luta ao lado dos
habitantes de La Rochelle há muitos anos, num engajamento
desinteressado ». O que explica o inesperado e surpreendente apoio da
atual companheira de Hollande ao oponente de Ségolène Royal, ex-companheira do
presidente ?
« Pensei
que íamos ter problemas políticos pela frente e não problemas conjugais »,
ironizou em off um conselheiro do Eliseu. E não se falou mais de outra coisa em
todas as mídias. A gaffe, intencional ou não, ocupou o noticiário de todas as
mídias e foi a principal manchete dos jornais franceses com alusões a
Pompadour, a vaudeville no Eliseu. A mistura de vida íntima do presidente com a
política nacional envergonha os socialistas mas deleita a direita. Libération
intitulou na primeira página desta quarta-feira : « La première gaffe
de France » com uma foto da « primeira-dama ».
A
era Hollande promete ser acompanhada como uma telenovela ou uma série americana
estilo « Dallas ».
Quanto à expressão « primeira dama » Valérie Trierweiler havia dito que não quer ser chamada assim, quer encontrar outra expressão mais moderna. Mas antes de achar a palavra apropriada para designar sua função, a compagne do presidente Hollande, continua a escrever sobre livros e cultura para a revista Paris Match, onde era jornalista política antes da candidatura a presidente do seu companheiro. Pela primeira vez uma casal não casado ocupa o Eliseu e pela primeira vez a primeira dama contesta essa expressão por julgá-la inadequada.
Veneza ameaçada
Como você se sentiria se morasse
numa cidade tranquila e silenciosa, de 60 mil habitantes, de onde os carros são
banidos, onde se circula basicamente a pé ou por barcos e tivesse de suportar a
invasão anual de 20 milhões de turistas ?
Á
beira de um ataque de nervos ? Pois é assim mesmo que se sentem os
venezianos. Em um mês de maio ensolarado, a cidade está cheia, como durante o
ano inteiro. São 60 mil visitantes por dia ! Nos meses das férias de verão europeu (julho e
agosto) e durante o carnaval, a cidade é literalmente tomada pelos turistas,
suas ruas e pontes ficam engarrafas com pessoas do mundo inteiro percorrendo as
pontes e ruelas com olhar deslumbrado. O turismo de massa, fenômeno típico do
século XX, democratizou as férias e as viagens e está matando Veneza.
Ao
voltar a Paris, vimos um documentário excelente na TV francesa que mostrava o
desespero dos habitantes da cidade diante da invasão, sobretudo pelos grandes
navios, que vai acabar por colocar em perigo a segurança das fundações dos
palácios e habitações que repousam dentro d’água. Na passagem dos imensos
navios de cruzeiro perto da Punta de la Dogana, grupos de venezianos seguram
faixas que dizem « Vão embora, Veneza não precisa de vocês ».
Ao
passarem ao largo, binóculos e máquinas de fotografia em punho, os turistas
podem fotografar os venezianos dando um dedo, naquele gesto universal, a quem
invade as frágeis águas da lagoa.
O
prefeito de Veneza vai acabar cedendo aos ambientalistas que insistem que ele
deve renunciar à entrada de milhões de euros que representam os monstros
marinhos, que ameaçam a fauna e a flora da lagoa, além de pôr em risco as
fundações da cidade.
Silêncio, Pompeia desaparece.
E a Camorra espreita
Com
esse título, o caderno Cultura e Ideias do Le
Monde fez uma longa matéria de capa contando como a extraordinária cidade
destruída pelo Vesúvio no ano 79 depois de Cristo está completamente abandonada
por um governo italiano que vê seu patrimônio histórico desmoronar, sem
recursos para restaurar e conservar. Segundo o arquiteto responsável pela ONG
« Observatório do Patrimônio Cultural », Antonio Irlando, « para
cada desabamento que sai nos jornais do mundo todo, outros nove acontecem em
Pompeia, sem que ninguém noticie ».
Um
dos maiores sítios arqueológicos do mundo, Patrimônio da Humanidade da Unesco
desde 1997, Pompeia se degrada e se decompõe a cada ano que passa. Em março
deste ano, a União Europeia desbloqueou 105 milhões de euros para salvar o
sítio de 44 hectares. Mas ela quer garantias de que o dinheiro vai ser bem
utilizado, porque a Camorra costuma desviar os orçamentos destinados à
restauração.
Restaurar
uma coluna dá menos lucro ao crime organizado do que ganhar a concorrência para
construir um novo vestiário para os guardas que trabalham em Pompeia. Os
brasileiros sabem o que significa o longo braço de mafiosos ávidos do dinheiro
de obras públicas.
Para
prevenir-se contra os riscos de desvios e uso inadequado de recursos, o
historiador de arte francês Philippe Daverio sugere que como a Itália não tem
mais condições financeiras nem humanas de preservar seu patrimônio, « o
mais inteligente seria confiar a gestão de Pompeia a quatro ou cinco grandes
universidades mundiais sob a autoridade de um curador ».
Aposentadoria dourada
A
revista econômica Challenges detalhou
para seus leitores o que ganhará Sarkozy de agora em diante : 6 mil euros
de aposentadoria como ex-presidente, viagens gratuitas, um apartamento. Como
membro do Conselho Constitucional (um direito de todo ex-presidente) ele
receberá mais 11 mil euros líquidos por mês. A essas vantagens, ele soma o
apartamento funcional, dois policiais para sua segurança permanente, um carro
com dois motoristas, além de sete assessores. Tudo pago pelo contribuinte. Além
disso, Sarkozy vai poder viajar gratuitamente e sem limites pela Air France em
classe executiva e na SNCF (empresa nacional de trens) em primeira classe.
Citando
o livro do deputado René Dosière « O dinheiro do Estado », a revista
informa que cada ex-presidente custa 1,5 milhão de euros por ano ao cidadão
francês. Por enquanto são três : Giscard d’Estaing, Jacques Chirac e
Sarkozy.
Au secours : le silence tue !
Esse grito de socorro diz uma verdade : o silêncio mata. O
silêncio diz respeito ao jogador de futebol Mahmoud Sarsak, um palestino de 25
anos, preso por Israel quando vinha de Gaza para participar de um jogo de
futebol na Cisjordânia. Ele está preso sem culpa formal, sem processo e está
completando esta semana 85 dias de greve de fome, que pode matá-lo. Sarsak foi
preso dia 22 de julho de 2009 no check point de Erez quando ia para Naplouse na
Cisjordânia para o jogo da equipe nacional da Palestina.
No momento em que o campionato europeu de futebol está acontecendo na
Ucrânia e na Polônia, o comitê de luta pela liberdade de Sarsak e de outros 300
prisioneiros organizou uma manifestação na Federação Francesa de Futebol para
pedir a libertação imediata do jogador, que corre risco de vida. O relator
especial da ONU sobre os direitos humanos para os Territórios palestinos
ocupados, Richard Falk, disse que « Israel deve cessar o tratamento
injusto dado aos prisioneiros palestinos e a comunidade internacional deve dizer
a Israel que esse tipo de detenção administrativa é inaceitável ». Ele
pediu a libertação imediata de diversos prisioneiros em greve de fome por se
encontrarem sob « detenção administrativa ».
Israel
usa e abusa da « detenção administrativa » que permite que a prisão
sem nenhuma acusação concreta seja feita por períodos de seis meses, renováveis
indefinidamente. Os prisioneiros em greve de fome não podem ser vistos por
médicos independentes. As associações de defesa dos direitos humanos palestinas
(Addameer e Al Haq), israelense (Physicians for Human rights) e a Anistia
Internacional pedem a libertação imediata de todos os presos em detenção
administrativa, considerada uma aberração jurídica.
Pegar
um avião em Paris para aterrisar em Florença pode ser uma aventura de muitas
horas apesar de o vôo durar pouco mais de uma hora.
No aeroporto
de Orly, o vôo Vueling (companhia espanhola) de 19h teve a partida atrasada por
motives não explicados. Partimos com mais de duas horas e meia de atraso. No meio do vôo, o comandante nos anuncia que
vamos descer no aeroporto de Bolonha ! Ao chegarmos, já passava das onze
da noite. Aparentemente, o aeroporto de Bolonha, totalmente vazio, só esperava
nosso vôo para fechar as portas. No local das bagagens ouvimos um anúncio de
que os ônibus que nos levariam a Florença não estavam disponíveis na saída do
aeroporto.
« Aconselhamos
aos passageiros tomarem táxis para Florença. A Vueling reembolsará o valor
pago ». Quem disse que quase meia
noite os taxistas de Bolonha estão dispostos a ir até Florença, a uma hora de
viagem pela auto-estrada cheia de obras ? Um a um eles passavam, e cada
passageiro do grupo de mais de cem pessoas em fila explicava o destino. Alguns negociavam
um preço, outros diziam que não interessava ir a Florença. Finalmente, ao
chegar nossa vez, encontramos um simpático italiano que nos levou até o
aeroporto de Florença pois não tem permissão de entrar na cidade vindo de outro
município. Dividimos o carro com um
americano e com uma italiana. De là, ele chamou um taxi de Florença para nos levar
ao centro.
Chegamos ao hotel quase às duas da manhã. Ao
voltar de Florença, tratamos do reembolso preenchendo um formulário no
aeroporto. Resposta da Vueling por e-mail : normas europeias para vôos que atrasam até
duas horas ou mais de duas horas prevêem troca do bilhete, reembolso etc etc. Nenhuma palavra sobre o reembolso do taxi. Nem para negar nem para pagar. Fomos todos
enganados.
Nossa viagem
durou uma eternidade, foi cansativa, estressante e custou mais caro. E a
Vueling ignorou sua responsabilidade e promessa de reembolso.
Maria Bonomi fecha um ciclo
em Paris*
*Matéria
publicada dia 31 de maio na Folha de São Paulo
Leneide
Duarte-Plon, de Paris
A
primeira exposição individual de Maria Bonomi em Paris é grandiosa e magnífica.
Logo na entrada do imponente « hôtel particulier » pertencente à
Maison de l’Amérique Latine - antes
residência do célebre Dr. Charcot que atraiu à capital francesa o jovem doutor
Sigmund Freud - uma sala toda pintada de vermelho expõe a mais recente obra da
artista : quatro esculturas suspensas, em formato côncavo. No chão, um
globo em alumínio chamado “Super Quadrante Amor inscrito” dialoga com as obras
aéreas. O chão é coberto de pedaços de tecido vermelho que os visitantes pisam
enquanto percorrem a sala.
Para
apresentar a grande artista brasileira ao público francês e preencher a lacuna
existente na cultura local em relação à obra de Bonomi, o curador Jorge Coli
escolheu 40 obras representativas de todas as fases da gravadora, que utiliza
não somente a madeira mas também o alumínio e o concreto para « impregnar
o sulco, o protagonista de toda sua obra », como ela explica. Para a
artista, essa exposição fecha o ciclo começado em 1967, quando recebeu o prêmio especial de gravura na Bienal de Paris.
Na
tarde chuvosa de segunda-feira, Maria Bonomi conduz um grupo pelas salas da
exposição, inaugurada dia 15 de maio pelo embaixador José Maurício Bustani.
Admirar as obras de um artista guiado pelo próprio autor é um privilégio que
não escapa a nenhuma delas.
Ao
passar por cada uma das obras, Maria explica a técnica e a contextualiza no
tempo. « Balada do terror » foi feita para homenagear Dulce Maia e
todos os torturados pela ditadura militar. É difícil ficar indiferente a essa
obra e a outras do mesmo período, chamadas « Calabouço », sombrias
como a ditadura militar, que prendeu a artista juntamente com outros
intelectuais por assumirem posição contra a censura e denunciarem a tortura.
« A
exposição é importante porque Paris não conhece sua obra. São excepcionais criações
que provêm de uma artista cuja qualidade de produção é reconhecida. E
expor em Paris significa maior afirmação internacional para uma artista já
consagrada no Brasil », diz o curador. « O público francês vai poder
descobrir o rigor compositivo associado à leveza luminosa, as transições
entre gravação, escultura e arquitetura ».
A
retrospectiva da obra de Bonomi parte de seu núcleo genético mais forte, a
xilogravura. Algumas matrizes em madeira, verdadeiras esculturas que a artista
convida o visitante a admirar com os olhos e com o tato, vieram também, assim
como esculturas em metal como « Favela », espécie de grande arcada
esculpida em alumínio.
Maria Bonomi
gosta que as pessoas acariciem a superfície de suas matrizes. Por isso, sugeriu
que fossem colocadas em algumas obras a etiqueta com a inscrição "Prière
de toucher" (Toque, por favor), o oposto da advertência que se pode ler
nos museus: "Défense de toucher" (Proibido tocar).
Pela
rebelião sustentável – Edgar Morin :
O filósofo francês critica Israel e a hegemonia do
lucro
Leneide
Duarte-Plon, de Paris* (Essa é a íntegra
da entrevista publicada na Carta Capital de 16 de maio de 2012)
Vestido
com elegância, lenço de pescoço combinando com a camisa e o casaco, Edgar Morin,
de 90 anos, recebe Carta Capital em
seu apartamento de Paris, a poucos metros do Jardin du Luxembourg. Enquanto dá
a entrevista, o sociólogo e filósofo prepara seu almoço. De vez em quando se
levanta ao ouvir o sinal para controlar o forno. Ao abrir a porta falando ao
telefone com alguém que quer lançar sua candidatura à Academia Francesa, Morin,
autor de uma obra considerável na área das ciências sociais, respondeu a seu
interlocutor que a Academia « não faz parte de suas fantasias ».
O
ex-membro da Resistência Francesa, de origem judaica, não se chamava Edgar
Morin. Seu nome foi trocado durante a guerra para se proteger das leis raciais
do governo de Vichy. Sua
defesa do Estado Palestino lhe valeu críticas e mesmo um processo por
antissemitismo. Ele explica: “Qualquer crítica à política israelense é rotulada de antissemitismo,
mesmo quando vem de um judeu. Netaniahu
tenta abafar o problema palestino e se vier a lançar um ataque contra o Irã
embarca numa aventura da qual não se pode medir as consequências ».
O
ex-militante comunista mantém o socialismo como horizonte e se tornou cada vez
mais um defensor do desenvolvimento sustentável e deixa isso claro nos dois
últimos livros que lançou : « La voie » (O caminho) e « Le
chemin de l’espérance ». Ele assina este com o ex-embaixador Stéphane
Hessel, de 94 anos, autor do best-seller planetário « Indignez-vous »
(mais de 4 milhões de exemplares vendidos no mundo). « Le chemin de
l’espérance » já ultrapassou os cem mil exemplares.
Numa
idade em que a maioria das pessoas estão aposentadas, Morin viaja o tempo todo
através do mundo para conferências, escreve artigos nos jornais franceses e
pode ser visto na TV em programas de debates políticos.
Na
entrevista exclusiva ele declara que « a
grande questão atualmente é saber como abolir a especulação do capital
financeiro que aterroriza os Estados e esmaga os povos como na Grécia ».
CC : O
senhor, como Stéphane Hessel, tem uma autoridade moral reconhecida. Depois do
grande sucesso do livro « Indignez-vous », de Hessel, ele assina com
o senhor « Le chemin de l’espérance » (O caminho da esperança). O que
os motivou ?
Edgar
Morin : Depois de « Indignez-vous », diziam a
Hessel, não basta indignar-se. Ele dizia : « Mas o livro de Edgar
Morin, « La voie » (O caminho) já aponta o caminho. Como ele pensava
que tínhamos as mesmas ideias, decidimos fazer um pequeno livro, num contexto
mais francês para defender uma política possível mesmo num país que se encontra
numa situação de interdependência com a globalização, a Europa etc. A ideia era
de dizer num momento de campanha para as eleições presidenciais que uma outra
política é possível, um outro caminho.
CC : No livro « La voie » o senhor
cita o livro « Globalisation : le pire est à venir »
(« Globalização, o pior está por vir ») de Patrick Artus e Marie-Paule Virard, escrito antes da crise de
setembro de 2008. Cita também Alan Greenspan, ex-presidente do Banco Central
Americano (Federal Reserve-FED) que reconhece em seu livro “Le temps des
turbulences”(O tempo das turbulências) que « a finança mundial tornou-se
um barco sem rumo, desconectado das realidades produtivas ». Que caminho o
senhor propõe ?
Edgar
Morin : Nesse livro, reconheço que depois da morte dos
totalitarismos do século XX, quando pensamos que ia surgir uma nova época de
liberdades, novos monstros surgiram como inimigos da humanidade : por um
lado esse capitalismo financeiro desconectado de qualquer produção e por outro
lado as múltiplas formas de fanatismos que podem ser nacionalistas, étnicas, religiosas.
Esta é a ideia mestra. Isso vai ser cada vez mais enfatizado e espero que não
seja tarde demais.
CC : No
livro, vocês escrevem : « Queremos contribuir para a formação de um
poderoso movimento de cidadãos, para uma insurreição das consciências que possa
dar origem a uma política à altura das exigências de liberdade, de socialismo,
de comunismo e de ecologia ». O senhor pensa que esse movimento de
cidadãos começou, de certa forma, com o Front de Gauche, formado pelo partido
de Jean-Luc Mélenchon com o Partido Comunista ?
Edgar
Morin : Em parte. O Front de Gauche faz uma crítica
justa da situação atual mas não nos aponta uma nova via satisfatória. Mélenchon
diz que é preciso fazer os ricos pagarem, dar um salário mais decente aos que
são explorados, uma série de coisas que são justas mas não vejo a ideia de
mudar de caminho, a ideia desse tipo de política que propomos de desenvolver a
economia social e solidária, na qual a agricultura e a criação de animais
industriais serão substituídas pela agricultura familiar e orgânica, enfim, uma
série de medidas que propomos que representam ums nova via. Talvez eles ainda estejam presos a uma lógica antiga
herdada do antigo comunismo. Há um início de transformação mas… Mesmo
reconhecendo a força de Mélenchon, seu punch intelectual, creio que ele não
evoluiu o bastante pois pensa que Fidel Castro não foi um ditador, que a China
atual é um Estado normal. Penso que ele continua prisioneiro de
ideias que não são pertinentes.
CC : Na
política francesa há quem encarne essas suas ideias ?
Edgar Morin : Não, mas veja Montebourg e a desmundialização. Eu
digo que é preciso conjugar mundialização e desmundialização. Esse gênero de
idéias que defendemos não foi ainda encarnado por políticos. O movimento
existe, há muitos cidadãos dispersos, há adesões de pequenos grupos. Existimos,
mas ainda não somos uma força concentrada.
CC : No
« Caminho da esperança » lê-se : « Ao pretender suceder às
ideologias revela-se como uma ideologia falida. O laisser-faire provocou mais
empobrecimentos que enriquecimentos”. Vocês propõem uma economia social e
solidária. Como seria ela ?
Edgar
Morin : Se desenvolvermos a agricultura familiar e
orgânica produziremos alimentos de qualidade para todos. Mas seria preciso
desenvolver cooperativas, associações. Na França, existem as Amaps onde os
produtores agrícolas trazem diretamente seus produtos para cidades como Paris
eliminando intermediários predadores. Isso é o comércio equitável como funciona
atualmente para os pequenos produtores de cacao, de café da América Latina.
Essa prática deveria ser generalizada. Mesmo no ambiente da empresa capitalista
existe o que se chama de « empresa cidadã » na qual o empresário não
quer apenas ter lucro mas tenta também ter um papel útil à sociedade. Há toda uma
convergência de correntes que hoje deveriam nos dar uma bandeira de uma
economia plural na qual progressivamente a hegemonia do lucro seria reduzida
porque desenvolveríamos cada vez mais outras formas de produção e de consumo.
CC : Mas sem abolir o capitalismo…
Edgar Morin : Como aboli-lo ? Não se pode abolir o capitalismo
por decreto. Na Rússia, eles liquidaram o capitalismo e produziram um
capitalismo ainda mais vigoroso, mais voraz. A questão é saber
como abolir a especulação do capital financeiro que aterroriza os Estados e
esmaga os povos como na Grécia. Contra essa especulação pode-se lutar, um pouco
no âmbito de uma nação mas seria interessante se pudéssemos fazê-lo no plano
internacional mas o capitalismo é algo que se metamorfoseou, transformou-se e
pode ainda se transformar, mas queremos reduzir as regras do lucro.
CC : No
seu livro « Ma gauche », uma antologia de artigos já publicados, o
senhor faz uma síntese da ecologia e do socialismo que poderia tornar-se um bom
programa de um candidato à presidência. O senhor é favorável ao abandono da energia nuclear,
depois do acidente de Fukushima ?
Edgar Morin: Claro, sou pelo abandono progressivo da energia
nuclear. Até a Alemanha decidiu fazer esse abandono progressivo. A
França pode fazer um pouco mais devagar, é mais difícil porque ela é uma
potência industrial e nuclear, então existem resistências. Penso que é preciso
ter como perspectiva o abandono da energia nuclear que pode ser complementar
com o desenvolvimento das energias renováveis, solar, eólica, geotérmica etc.
Há uma nova economia verde que deve se desenvolver e é por isso que digo que é
preciso que haja crescimento dessa economia verde com o
« descrescimento » da outra economia que é poluente e que é uma
economia de desperdício e frivolidade.
CC :
Entre as citações que abrem seu livro « La voie », há a frase de
Kenneth Boulding : « Quem acredita
que um crescimento exponencial pode durar para sempre num mundo finito é
um louco, ou um economista ». Qual o futuro do homem no planeta
Terra ?
Edgar
Morin : No futuro haverá uma possibilidade de metamorfose
sociológico-cultural que responde à realidade da interdependência planetária
atual. No meu livro digo que
tudo deve ser reformado, a justica, a economia, a burocracia, o consumo, o modo
de vida, o amor.
CC : O homem está destruindo o planeta ?
Edgar Morin : Incontestavelmente. Não o destruimos
totalmente porque o planeta pode subsistir quando o homem não existir mais. E
mesmo após uma guerra atômica em que nos destruirmos as formigas e outros
animais podem sobreviver. O que está sendo destruído é a
biodiversidade vegetal e animal, complementares na nossa biosfera. Nós destruímos o planeta com nosso desenvolvimento
técnico-industrial. A bomba pode acelerar um pouco as coisas.
CC : O
senhor acha possível um ataque preventive de Israel contra alvos iranianos? Num
artigo do jornal « Le Monde » este mês, três especialistas dizem que
seria um erro e que as consequências seriam dramáticas. Segundo eles, esse
ataque partiria de um país não-signatário do TNP (Tratado de Não-Proliferação
de Armas Nucleares), Israel, contra um país signatário, o Irã. Isso provocaria
uma implosão do TNP que é até agora o único muro de proteção contra a
proliferação nuclear. O que o senhor pensa dessa análise ?
Edgar
Morin : Duas coisas são evidentes : Israel, o
Paquistão e a India fabricaram suas bombas atômicas sem autorização. Se o Irã
faz a sua ele está seguindo o mesmo exemplo. O Irã é uma ditadura
político-religiosa extremamente criticável mas ele ainda não fez sua bomba
enquanto que Israel deve ter entre 100 e 200 ogivas nucleares. Penso que o perigo do Irã na situação mundial que é
real não é o da energia nuclear. Acho que é o perigo da degradação dos
conflitos múltiplos do mundo muçulmano do Oriente Médio, entre chiitas e
sunitas. Essa situaçéao é instável e o papel do Irã é muito negativo para um
futuro acordo no conflito Israel-Palestina. A intenção de Netanyahu de
bombardear o Irã é uma forma de desviar a atenção da questão palestina, da
colonização que continua. Ele tenta abafar o problema palestino e ao mesmo
tempo se ele desencadeia um ataque ao Irã ele se lança numa aventura da qual
não se pode medir as consequências. Ele age como aprendiz de feiticeiro e isso
é extremamente perigoso.
CC : No
jornal « Le Monde » de 8 de fevereiro, o senhor escreveu um artigo no
qual diz que cada nação deveria procurar « a simbiose do melhor de todas
as culturas ». O senhor cita Montaigne que denunciou a barbárie da
conquista das Américas e diz que a cultura europeia produziu uma barbárie
europeia evidente no colonialismo e nos totalitarismos fascista, nazista e
comunista. No mundo, tudo parece conspirar contra esse universalismo humanista
que o senhor prega. O que o senhor pensa ?
Edgar Morin :
Retomei teses de dois livros que escrevi : « Culture et barbarie
européenne » (Cultura e barbárie europeia) e « Penser l’Europe »
(Pensar a Europa). Parto do paradoxo europeu. Isso é válido para a Europa
ocidental mas também para a Rússia que colonizou a Ásia e a Sibéria. Mas
sobretudo foi a Europa ocidental quem produziu um poderoso domínio sobre o
mundo a partir do século XV até meados do século XX, com tudo o que isso
comporta, a escravidão, a dominação colonial, a dominação dos povos. O paradoxo
é que apesar de a Europa ser o berço de uma das dominações mais terríveis sobre
parte do mundo, ela foi o berço de ideias de emancipação. E em especial a
França. Houve Montaigne, que como Bartolomeu de las Casas, era de origem
marrane. Ambos sabiam o que seus ancestrais, que eram judeus, tinham sofrido
como perseguição e por isso podiam compreender melhor que ninguém as
perseguições que sofriam os indígenas das Américas. E é por isso que Montaigne,
que cito bastante (ele dizia « chamamos bárbaros os povos de outras
civilizações ») mostrava que os indígenas que comiam seus inimigos mortos
não lhes faziam mal já que estavam mortos. Mas os conquistadores torturavam os
seus inimigos. E essa tradição de Montaigne sempre foi minoritária. Mas ela
continua em Montesquieu que disse : « Se algo é útil a minha pátria e
nocivo para a humanidade, não farei essa coisa. E, ao contrário, se uma coisa é
útil à humanidade e nociva à minha pátria, eu o farei ». E temos ainda
Rousseau, Diderot, Voltaire e todos os princípios da Revolução Francesa. Mas
esses belos princípios não foram aplicados. A Revolução aboliu a escravidão mas
ela foi restabelecida no Haiti alguns anos depois.
CC : Por Bonaparte…
Edgar Morin : Sim, por Bonaparte. Foi
preciso esperar 1848 para que a escravidão fosse oficialmente abolida pela
França, no Brasil foi um pouco mais tarde. Há um paradoxo : havia
princípios universais que não eram aplicados aos outros povos. Diziam que eles
não eram ainda civilizados, que eram infantis demais. Mas quando os oprimidos
começaram a querer se libertar eles o fizeram « em nome do princípio dos
direitos dos povos, em nome do princípio dos direitos humanos ». Esse é o
paradoxo da cultura ocidental e sobretudo francesa : eram essas idéias que
permitiam aos povos de se emanciparem e o outro lado é que a gente não usou
essas ideias quando quis continuar a dominação. E, por outro lado, a ideia de
que o Ocidente tem o monopólio da verdade e da racionalidade é uma idéia que
continua hoje e é por isso que se pensa que somos uma civilização
superior. Para mim, não é a civilização
que é superior, são alguns princípios qui foram pouco reconhecidos no mundo
como os direitos humanos, do homem e da mulher, a crítica da autoridade
incondicional dos patriarcas e dos chefes, a laicidade. Por isso digo que é
preciso fazer a simbiose, as ideias positivas que vêm do Ocidente devem ser
introduzidas nos países não-Ocidentais. Mas essas culturas têm valores
importantes de solidariedade que nós desintegramos assim que se introduz o
individualismo egoísta. Corrompemos as civilizações tradicionais. Introduzimos
valores de liberdade mas, ao mesmo tempo, os vícios do mundo ocidental. O
paradoxo é que queremos impor nossa civilização como solução, enquanto nossa
civilização já está em crise porque seus aspectos negativos se desenvolvem mais
rapidamente que os positivos. O verdadeiro universalismo reconhece a unidade na
diversidade e a diversidade na unidade. Somos todos seres humanos que têm as
mesmas virtudes, os mesmos direitos mas as culturas são diferentes. Precisamos
reconhecer essa diversidade mas como estamos numa época planetária, precisamos
proteger o que há de bom em outras culturas : valores de solidariedade, de
comunidade, de relações com a natureza (que agora tentamos reencontrar com a
consciência ecológica), o respeito para com os mais velhos (enquanto na nossa
civilização enviamos os velhos para asilos geriátricos para nos livrarmos
deles). Em muitas civilizações, há também saberes que perdemos porque vivemos
num mundo precipitado, ativista e cronometrado em que só vemos o cálculo. É
preciso ter autocrítica sem ser masoquista. Precisamos reconhecer as virtudes
dos outros sem pensar que não temos virtudes. Eis o nível de complexidade do
universalismo.
CC: Mas
quando se pensa em aceitar outras culturas, como aceitar a charia que oprime as
mulheres ?
Edgar Morin : Os valores
importantes são os direitos dos homens e os direitos da mulher. Em relação ao
Islã, veja o que se passou com o cristianismo e o catolicismo. Ele produziu a
Inquisição na Espanha, a eliminação dos judeus e dos muçulmanos, o terror sobre
os espíritos laicos. Precisamos lembrar que um pouco antes da Revolução, o
Chevalier de la Barre foi executado porque se recusou a tirar o chapeu diante
de uma procissão religiosa. Nós ganhamos graças aos progressos da laicidade e
das ideias democráticas e a religião católica diminuiu sua influência na vida
privada. Penso que o Islã tem três séculos de atraso em relação a essa
evolução. Aliás, conheço muitos muçulmanos aqui e em países do Norte da África
que são totalmente leigos, ainda que tenham conservado a fé religiosa.
CC : O
senhor escreveu no Le Monde um texto
intitulado « Israel-Palestina : o câncer » há alguns anos e foi
processado por « antissemitismo ». Esse artigo de uma página lhe
valeu um processo por « antissemitismo » sendo inocentado. Na França
não se pode criticar Israel ?
Edgar
Morin : Como sabemos, essa é a estratégia não somente
das autoridades políticas israelenses mas também dos representantes das
instituições ditas comunitárias judaicas na França como o CRIF (Conselho
Representativo das Instituições Judaicas da França). O CRIF é uma empresa que
tem por finalidade justificar tudo o que Israel faz. É uma máquina de
justificar. Antigamente os Partidos Comunistas justificavam tudo o que a União
Soviética fazia. Agora é o CRIF para Israel. A única maneira de justificar é
dizer « não existe colonização » ; « não, Israel é uma
democracia ». E qualquer crítica à política israelense é rotulada de
antissemitismo mesmo quando vem de um judeu. Isso é uma forma de delírio e de
histeria política que dá certo. Por que ? Primeiramente, porque há uma
grande parte de judeus que têm uma espécie de cordão umbilical com Israel, que
para eles é muitas vezes a primeira pátria, outras vezes é a segunda e esses
gostariam que Israel seja puro e sem mácula e não querem que se aponte as
manchas que existem. Por quê ? Por que no mundo europeu e sobretudo na
Alemanha houve um complexo de culpa ocasionado pela política de exterminação de
Hitler. Na França, o governo de Vichy colaborou com a deportação dos judeus. E
esse complexo de culpa, que é lembrado o tempo todo, é algo que paraliza toda
crítica a Israel. Mas isso não impede de se fazer crítica. Ninguém é
assassinado por criticar Israel. Mesmo os processos que alguns advogados a
serviço incondicional de Israel fazem não são sempre vitoriosos. Ainda se pode
criticar mas quando se critica, podemos ser imediatamente acusados de
antissemitismo.
CC :
O
que o senhor pensa do « Tribunal para a Palestina », criado para
julgar os crimes de guerra de Israel em Gaza e do qual fazem parte Desmond Tutu
(prêmio Nobel da Paz), Stéphane Hessel, Noam Chomsky entre muitos outras
personalidades do mundo inteiro, inclusive rabinos ?
Edgar
Morin : Acho que tudo o que pode ser feito para
mostrar os excessos feitos pelas repressões israelenses é bom. Logo, o Tribunal
nesse sentido é uma boa iniciativa pois ele tenta trazer à luz coisas que o
governo israelense gostaria de ocultar.
CC : E
por que o senhor não faz parte dele ?
Edgar
Morin : Por que não fui convidado.
CC :
Como o senhor viveu a primavera árabe ? O que pode surgir das revoluções
tunisiana, egípcia e líbia ?
Edgar
Morin : Vi essas revoluções com muita alegria. Elas
mostram que as mesmas aspirações que temos existiam nessas juventudes árabes e
mesmo numa grande parte da população muçulmana. Mas vai acontecer o que
aconteceu com a Revolução Francesa, isto é, 1789 era um raio de sol e depois
houve fenômenos de regressão, confiscos, o Terror, Bonaparte. A primavera árabe
é o início de uma nova aventura histórica no mundo árabe. Haverá consequências
negativas e muitas consequências positivas, tenho certeza.
CC : O caso sírio parece muito complexo. Na sua opinião, os Estados Unidos
estão por trás da insurreição na Síria com o objetivo de desestabilizar o Irão
ou o que se passa na Síria é uma revolta real da população que se confronta a
um ditador forte, apoiado pela Rússia e pela China?
Edgar Morin : Evidentemente que a China e a Rússia são um apoio
importante para Bashar Assad e é evidente que ele é um ditador. Mas
é também de admirar que a oposição esteja tão dividida. Acontece o mesmo que no
mundo árabe depois da primavera, não há uma saída política, não há uma nova
via, isso é trágico. Talvez a insurreição consiga derrubar Bashar Assad mas e
depois ? Veja a Líbia, um tirano abominável foi derrubado mas e
agora ? Esse problema é muito difícil. Eu conversava há alguns meses com o
embaixador do Iraque em Paris, um homem culto. Perguntei-lhe : « O
senhor pensa que os aspectos positivos da guerra americana são mais importantes
que os aspectos negativos ou é o contrário ? Nós conhecemos os aspectos
positivos que foi evidentemente a eliminação de Saddam Hussein, conhecemos os
aspectos negativos, entre outros, o esfacelamento de um país prestes a se
desmembrar em pequenos pedaços, vítima de uma série de crises não apenas
econômicas mas políticas e étnicas ». Ele me respondeu : « Ainda
é cedo para lhe dar a resposta ». Então para a Síria, vivi todos os
sofrimentos por que passaram os rebeldes mas não sei o que virá dessa rebelião.