Quando um « affaire
Dreyfus » em Israel?
Recebo da ACAT uma carta para ser enviada ao
primeiro-ministro israelense. A Action
des Chrétiens pour l’Abolition de la Torture propõe aos simpatizantes que encaminhem a Benjamin Netanyahu uma carta denunciando a tortura de menores palestinos. Segundo
a ACAT, todo ano, entre 500 e 700 crianças da Cisjordânia, acusadas de jogar
pedras e coqueteis Molotov são presas e sujeitas a torturas pelas forças de
segurança israelenses. Depois são condenadas em julgamentos sem equidade.
Quem quiser, pode assinar o texto da carta por e-mail, no site internet www.acatfrance.fr na rubrica "Agir avec l'ACAT"
Quem quiser, pode assinar o texto da carta por e-mail, no site internet www.acatfrance.fr na rubrica "Agir avec l'ACAT"
A propósito, vale citar a socióloga israelense Eva Illouz,
que fez seus estudos na França e nos Estados Unidos antes de fazer carreira na
Universidade hebraica de Jerusalém. Num artigo de página inteira do Le Monde de 4 e 5 de novembro,
intitulado « Justiça ou tribalismo » (Justice ou tribalisme), Eva
Illouz discorre longamente sobre o « affaire Dreyfus » rememorando o
caso do capitão francês, judeu, acusado de espionagem injustamente por antissemitas em 1894.
O julgamento dividiu o país e Dreyfus acabou sendo reabilitado depois de 12
anos de batalha judicial e midiática. A França se dividiu em « dreyfusards »
e « anti-dreyfusards » (pró e contra Dreyfus). Emile Zola escreveu o famoso artigo « J’accuse » em defesa do
capitão.
Eva Illouz argumenta : « a
defesa de um inocente pertencente a uma minoria e acusado injustamente seria
impensável hoje em Israel”. E explica : « a Justiça em Israel é o que é
bom para a tribo. Aos olhos da maior parte de nossos políticos e de nossos militares, a ideia de
que é preciso defender a causa da verdade e da justiça, longe de ser um
imperativo evidente, passa por uma incrível prova de ingenuidade ».
Segundo ela, a França de fins do século XIX era
dominada pela aliança nefasta de religião, de nacionalismo e de militarismo
securitário. « Deixo ao leitor o cuidado de decidirr se conhece um outro
país capaz de desenvolver essa mistura de religião, de nacionalismo, de
obsessão securitária e medo do inimigo interno », diz a socióloga.
Ela conta que durante a primeira guerra, Dreyfus, já
aposentado, apresentou-se como voluntário. Por quê ? Eva Illouz responde :
« Porque amava seu país. Porque defendendo um pequeno capitão judeu a
França tinha defendido a Justiça para todos, preservando assim sua autoridade
moral. Hoje, nossa mensagem a Herzl
poderia ser a seguinte : o sionismo terá concluído sua tarefa no dia em
que Israel tiver seu caso Dreyfus ».
Casamento
para todos?
A lei que permite o casamento gay deverá ser votada até
junho de 2013 pelo Parlamento francês. Mas o debate já está há alguns meses na mídia.
Do lado dos que combatem a lei, colocam-se a igreja
católica e a maior parte do eleitorado e de politicos de direita. Até o grande
rabino da França deu entrevista ao Le
Monde para condenar o « casamento para todos ». O nome da lei é
uma forma de evitar o termo popularizado pela imprensa, « casamento gay ».
Nesse campo
contra o “casamento para todos” (“mariage pour tous”) se engajou o proprietário
do jornal Le Figaro, Serge Dassault,
fabricante e exportador de armas, que tenta há vários anos vender seus aviões « Rafale »
ao Brasil.
Do alto de seus 87 anos, o velho reacionário, senador
pelo partido de direita UMP, declarou que uma das causas da decadência da
Grécia “naquela época” (sic) foi o homossexualismo. “Isso representa a decadência total, o fim da família, o fim do
desenvolvimento sadio das crianças, o fim da educação. Aprovar o casamento para
pessoas do mesmo sexo seria um perigo enorme para toda a nação”.
Em matéria de argumentos
contra, convenhamos que não é dos mais brilhantes. Nem original. Se Dassault, a
quinta fortuna da França, não tivesse herdado de seu pai a indústria de
armamentos, provavelmente estaria desempregado, a depender unicamente de sua
erudição. Ou senador, afinal há sempre eleitores de direita que votam nesses reacionários,
que não escondem o que pensam da classe operária e das leis que a protegem dos
patrões escravagistas que acham, como ele, que os empregados deveriam dormir no local de trabalo para pegarem mais cedo no batente. As entrevistas
dele são o exemplo do pensamento mais reacionário da direita francesa.
Entre os católicos, nem todos são contra. O jornal Libération fez um perfil do
vice-presidente da associação homossexual David
et Jonathan, o jurista católico Patrick
Sanguinetti. Homossexual assumido - como o prefeito de Paris, Bertrand Delanoë
e o ex-ministro Frédéric Mitterrand - Sanguinetti diz discordar das posições da
igreja católica. Ele acha, no entanto, que a Igreja não pode ser acusada de homofobia pois conhece
muitos padres que não o são.
Segundo o jurista, Jesus nunca rejeitou ninguém por
sua orientação sexual. Ele provoca : « A Igreja católica defende a
família clássica. Mas na Bíblia encontramos diversos tipos de família. Jacó
teve filho de duas mulheres. Ruth se ligou afetuosamente a Noêmia. E a Sagrada
Família ? Jesus, Maria, José e o Espírito Santo não formam exatamente uma
família clássica, não ? Maria ficou grávida antes do casamento com José
que foi, portanto, o pai adotivo de Jesus. E além disso, há Davi e Jonatan.
Davi disse que o amor de Jonatan era mais maravilhoso que o amor das mulheres ».
No Le Monde
do primeiro fim de semana de novembro, havia uma matéria de página inteira em torno do tema : « Homos et cathos, comment ils vivent le paradoxe »
(Homossexuais e católicos, como eles vivem o paradoxo). Os entrevistados diziam
que a igreja tem dificuldades de aceitar a homossexualidade deles.
Políticos, mais trabalho e menos regalias !
A democracia francesa está
longe, bem longe da perfeição. Os deputados, por exemplo, recebem uma verba mensal de
6.412 euros da qual não precisam prestar contas. Uma proposta de prestação de
contas transparente foi recentemente rejeitada pelos senhores deputados. Uma
petição que circulou pela internet propôs o controle dessa verba para tornar a
Assembleia Legislativa (o Congresso francês) mais transparente.
Por outro lado, o ex-primeiro-ministro Lionel Jospin
entregou na semana passada ao presidente François Hollande o relatório da
comissão que presidiu para reformar a vida política francesa. Entre as
dezenas de medidas preconizadas pelo relatório Jospin, as principais são a
proibição do exercício de funções ministeriais com qualquer mandato local, a
proibição de exercício de mandato parlamentar com um mandato eletivo local
(prefeito) e a mudança do estatudo jurídico do presidente da República e dos
ministros, que hoje estão acima da lei com a imunidade de que
desfrutam.
Hoje, um ministro pode acumular a função com um
mandato eletivo, um prefeito pode se eleger deputado sem ter que escolher entre
uma das duas funções. A grande maioria dos deputados acumula o mandato com a
função de prefeito. São os famosos député-maire. Quase todos se dividem entre a
prefeitura de suas cidades, algumas horas por semana, e o Parlamento, outras horas semanais, acumulando funções e
salários.
Agora só falta vontade política para votar essas mudanças. O que não vai ser nada fácil pois a maioria do políticos
quer manter o status quo, sobretudo o direito de acumular mandatos.
Celular :
perigo
A Justiça italiana acaba de reconhecer uma relação de
causa e efeito entre os celulares e o tumor cerebral. Dois médicos italianos,
um neuro-cirurgião e um oncologista, deram parecer relacionando o uso intensivo
do celular à doença de Innocente Marcolini, um tumor benigno num gânglio
situado no interior do crânio. Outros quatro casos similares estão em
andamento na Itália. O paciente foi declarado inválido, vítima de doença professional.
Ele utlizou o cellular de cinco a seis horas por dia durante doze anos.
No ano passado, o Centro Internacional de Pesquisa
sobre o Câncer, ligado à Organização Mundial da Saúde já havia classificado
como possivelmente cancerígenos os campos eletromagnéticos de radiofrequência,
entre os quais os de telefone celular.
Hollande acerta o passo com a História
Em 17 de outubro de 1961, 30 mil argelinos de Paris e
dos subúrbios desfilaram na capital
francesa para protestar contra o toque de recolher. A guerra da Argélia estava
chegando ao fim mas a polícia francesa reprimiu a passeata dos argelinos com uma
brutalidade digna das piores ditaduras. Naquela noite, entre 50 a 250 pessoas morreram
vítimas da violência policial. A imprensa não noticiou o fato e nunca a França reconheceu
oficialmente o que se passou naquela noite.
Este ano, no aniversário do massacre um comunicado do
presidente Hollande dizia que « a
República reconhece com lucidez a repressão sangrenta da manifestação dos
argelinos em Paris. Cinquenta e um anos depois dessa tragédia, homenageio as
vítimas ».
Dessa forma, Hollande se junta a Jacques Chirac na
lista dos presidentes que não têm medo de enfrentar a história quando ela
desonra a República. Jacques Chirac nos anos 90 reconheceu a responsabilidade
da República francesa na prisão em massa de judeus em Paris, enviados para
campos de concentração nazista, em 1942. O episódio ficou conhecido como « la
rafle du Vel’d’Hiv » e faz parte da história do filme de Joseph Losey, « Monsieur
Klein ».
A Comissão da Verdade também está reconciliando os
brasileiros com sua história. Esperemos que consiga trazer à luz o que aconteceu
com os desaparecidos da ditadura civil-militar de 1964-1985. E que o país possa
conhecer os nomes dos que torturaram e mataram nos porões da ditadura,
protegidos pela lei de Segurança Nacional.
Dois ministros de Hollande já foram desautorizados ao
se manifestarem pela descriminalização da maconha. Eles defenderam a descriminalização e não a legalização ! Hoje quem fuma comete um delito diante da lei.
Primeiramente, a jovem ministra da Habitação, Cécile
Duflot se declarou pela descriminalização. Depois, o ministro da educação, Vincent
Peillon falou en passant da descriminalização. Ambos levaram pitos pois a posição oficial do governo é manter a atual lei. Apesar de ser um dos países
europeus onde o uso de maconha é mais disseminado, a França tem a lei mais
severa do continente europeu. O consumo de drogas, inclusive a da maconha, é um
delito penal passível de pena de um ano de prisão e de 3.750 euros de multa.
Isso não impede que 39% dos jovens entre 15 e 17 anos
declarem já ter fumado. Provavelmente ignoram os estudos científicos publicados recentemente na
imprensa francesa que provam que ela provoca uma diminuição do desenvolvimento
intelectual, acentua os riscos de ansiedade, de depressão e de distúrbios
psíquicos.