Graças
as correspondente do Le Monde no
Brasil, Nicolas Bourcier, fiquei sabendo do documentário de Jesco von Puttkamer
(1918-1994), exibido na TV Folha, em reportagem
da jornalista Laura Capriglione.
Jesko
era um homem discreto, descendente de nobreza alemã e segundo Apoena Meirelles,
um dos mais importantes indigenistas brasileiros, assassinado em 2004, sempre
primou pela discrição, preferindo o anonimato. Com seu trabalho, Von Puttkamer
pôde denunciar muitos erros da política indigenista brasileira.
Em
fevereiro de 1970, Von Puttkamer filmou cenas de um horror surrealista : na
cerimônia de formatura, um grupo de índios da Guarda Rural Indígena desfila
diante de autoridades em Belo Horizonte. Estão lá, o ex-vice-presidente da
República José Maria Alkmin, o governador de Minas, Israel Pinheiro e o
ministro José Costa Cavalcanti.
Ninguém parece chocado quando
dois índios passam no desfile com um prisioneiro pendurado no pau-de-arara. Os
índios de diversas etnias haviam sido treinados a torturar, como um bom
policial sob a ditadura. Que país era esse ?
Segundo
a Folha, o pau-de-arara é « a
autêntica contribuição brasileira ao arsenal mundial de técnicas de tortura,
usado desde os tempos da colônia para punir "negros fujões", como se
dizia ». Por lembrar as longas varas usadas para levar aves aos mercados,
atadas pelos pés, o suplício ganhou esse nome.
. O vídeo pode ser visto no link :
Nossa
ditadura está longe no tempo, acabaram as torturas de presos políticos mas a
tortura de presos comuns continua sendo uma prática conhecida e, muitas vezes,
aceita por grande parte da opinião pública. Que país é esse ?
Na
França, o Centro Primo-Levi publicou no ano passado o Livre blanc de la torture-Livro
branco da tortura, que estima em 100 mil o número de vítimas da tortura
vivendo na França. Essas pessoas vêm de todas as partes do mundo e, desde 1995,
podem ser tratadas por psicólogos, psiquiatras e psicanalistas graças à criação
do Centro Primo Levi.
Tito
de Alencar Lima, o dominicano brasileiro que se suicidou em 1974 na França, não
pôde continuar vivendo depois de ter sido torturado. Preferiu a morte a
conviver com a tortura, que não se apagava da memória.
Vivre
après la torture é justamente o slogan do Centro Primo Levi, que organiza
colóquios em torno do tema e defende uma política de saúde pública eficaz para
tratar os milhares de « demandeurs d’asile » que conseguiram escapar de dezenas de países que torturam e matam os
opositores políticos. O Centro Primo-Levi trabalha com juristas e uma equipe
pluridisciplinar para garantir o acesso a tratamentos médicos e psicológicos dessas
pessoas.
« Infelizmente
não se pode curar as sequelas da tortura », diz a diretora do Centro,
Eléonore Morel. E quando essas pessoas estão em condições de precariedade
total, tudo fica mais difícil. Como tratar das insônias de uma pessoa que
não sabe onde vai dormir à noite ? É o caso de muitos dos que chegam
ao Centro.
O
filósofo Jean Améry, amigo de Primo Levi, dizia que quem foi submetido à
tortura fica incapaz de sentir-se em casa neste mundo. O ultraje do
aniquilamento é indelével. A confiança no mundo, que a tortura apaga, é
irrecuperável.
Amour
Esse
magnífico filme de Michael Haneke, Palma de Ouro em Cannes em 2012, revelou
mais uma vez o grande ator que é Jean-Louis Trintignant e a grande atriz que é
Emmanuelle Riva.
Ao
ser interrogado por um jornal qual seu projeto para o futuro, Trintignant
respondeu : morrer. Mas garantiu que não vai se suicidar imediatamente,
mesmo se às vezes se pergunte por que esperar. Talvez porque além de gostar de fazer
leituras de poesia no teatro, ele adora também a calma de sua casa, na pequena
cidade de Uzès, onde pode passar um dia inteiro observando um lagargo. Ele
garante que é muito mais interessante que ver televisão. Quem duvida ?
Aliás,
Trintignant numa cena que vi na televisão deixou Costa Gavras sem graça. O
diretor estava no auditório quando o ator disse diante de toda a assistência,
no meio de uma entrevista descontraída : « Costa eu sabia que você
era amante da minha mulher. Você ficou vermelho ? Não sabia que eu sabia ? »
Depois do que, Trintignant voltou a falar com a maior descontração sobre a carreira,
filmes etc.
Barjot no palácio
Barjot
foi ao Palácio do Eliseu, na semana passada, onde Hollande a esperava para uma
audiência.
Não,
não é um erro de ortografia. Não se trata da famosa atriz, aposentada e
escondida no seu refúgio de Saint-Tropez. A senhora que usa o pseudônimo de
Frigide Barjot (Frigide é frígida ; Barjot é maluco, louco, pirado, em gíria) se
apresenta como militante católica e se passou a liderar a oposição à lei do
casamento para pessoas do mesmo sexo, que os socialistas vão defender no
Congresso a partir desta terça-feira, 29 de fevereiro.
O
pseudônimo já diz um pouco da personagem. Mas por que Hollande recebe essa « pirada »
no Eliseu ? Porque ela criou uma ONG que organizou juntamente com todos os
« anti-mariage pour tous » a mega-passeata que, segundo os
organizadores reuniu mais de 900 mil pessoas dia 13 de janeiro, em Paris.
Segundo a polícia foram 350 mil. No cortejo, pais e mães com seus rebentos, a
igreja católica com padres e arcebispos, a nata da França que não gosta de
mudanças. Eram franceses que vieram de todas as cidades da França para a passeata. Não dava para não pensar em Vichy ou no Front National.
Apesar
de seu look moderno e jovem, Frigide Barjot não é tão jovem (tem 50 anos) e nem
tão moderna. Defende « o direito das crianças de terem um pai e uma mãe ».
Um discurso que a oposição de direita apoia. O « mariage pour
tous » chamado de « mariage gay » pela oposição deve abrir as
portas para a adoção por casais do mesmo sexo e à procriação assistida
(procréation médicalement assistée).
Fim
de uma civilização, abertura para o incesto e a poligamia, bradam os opositores
da lei. A direita vem usando de todos os argumentos para tentar convencer os
deputados e a opinião pública de que a lei vai ser o fim da família e a
abertura para todas as perversões. O que não parece abalar os socialistas na
determinação de fazer uma lei que siga a tendência de outros países europeus
como a Espanha, Portugal e a Bélgica, que já aprovaram o casamento de pessoas
do mesmo sexo.
Domingo, dia 27, os defensores da
lei sairam às ruas. ‘A frente do cortejo, o
prefeito de Paris, Bertrand Delanoë, assumidamente gay, e dezenas de politicos heterossexuais,
como Jack Lang. Foram 400 mil pessoas, segundo os organizadores, e 125 mil segundo a polícia.
Em breve, os gays franceses vão poder se
casar. Apesar de terem mobilizado menos pessoas para a batalha das ruas, os socialistas têm a maioria no Congresso. A lei vai ser debatida por 15 dias numa batalha que vai lembrar a lei que instituiu, em 1974, a IVG (interruption volontaire de grossesse-interrupção voluntaria de gravidez).
Chirac votou Sarkozy. Mas não sabe
Enquanto
o marido fica trancado diariamente no escritório da Rue de Lille ou em casa,
protegido dos jornalistas a quem diria tudo o que ela não quer que ele diga,
Madame Chirac sai, frequenta o mundo, discursa na Fundação Jacques Chirac,
passeia o cachorrinho na Rue Bonaparte, perto do apartamento do Quai Voltaire,
com vista para o Sena. O ex-presidente, que acaba de completar 80 anos, está
com Alzheimer e perdeu quase totalmente a memória e um bocado da censura que o
super-ego exerce sobre todos nós. Diz tudo o que quer, com ou sem Bernadette
Chirac ao lado.
Quando,
em 2011 o então candidato Hollande
encontrou o ex-presidente numa pequena cidade do interior da Corrèze onde ambos
têm origem política, Chirac disse que ia « votar Hollande » para
presidente. Escândalo : François Hollande é socialista e Chirac de
direita. Mas este detesta e sempre detestou Sarkozy.
Então,
munida de uma procuração do marido, madame Chirac foi votar dia 22 de abril de
2012. Votou no seu candidato, Sarkozy, por ela e por seu marido, como sua
« bastante procuradora ». Ela sabe muito bem que se ele fosse votar,
teria traído seu grupo político e dado seu voto a Hollande. Além de atrair a
imprensa e dizer aos jornalistas tudo o que pensa. Para ela, verdadeiros
disparates.
Um
grande perfil dos Chirac publicado recentemente na excelente revista semanal do
Le Monde mostra toda a perfídia de
Madame Chirac. A matéria termina com a declaração dela, que deu apoio público à
campanha de Nicolas Sarkozy :
« Imaginem que na minha família (a filha
Claude e o genro) todos votaram em Hollande. Menos Jacques. Mas ele não
sabe ».
No
comments.
Domésticas : quanto
mais desenvolvidos, menos
O
emprego doméstico diminui à medida que se avança para o norte da Europa. Segundo a OIT-Organização
Internacional do Trabalho, é na América Latina que os trabalhadores domésticos
são mais numerosos : 7,6% do total de empregos. Nos países desenvolvidos,
somente 0,8% dos empregos (em média) são de empregados domésticos. Na Europa, é
na Espanha que os empregados domésticos representam maior proporção : 4%,
enquanto nos países nórdicos eles representam apenas 0,1% dos empregos.
Quem
quiser tirar conclusões, que tire.
DSK : compulsão sexual
O
Journal du Dimanche garante que Dominique
Strauss-Kahn teria pago 1,5 milhão de dólares como indenização à camareira do
Sofitel de Nova York, Nafissatou Dialo, pela agressão sexual, da qual o
ex-diretor do FMI era acusado. Os
advogados das duas partes chegaram a um acordo em dezembro, em Nova York mas
não divulgaram o valor da indenização.
Com
mais de um milhão de dólares em sua conta, depois de pagar a seus advogados, a
camareira tem um razoável pé de meia para recomeçar a vida.
Como vai a vida ?
A
julgar pelo resultado de uma pesquisa francesa, a França é um lugar agradável
de viver. A média que os franceses dão
para o « bem-estar » que sentem é 6,8 sobre 10, segundo uma pesquisa
do Instituto Nacional de Estatística (Insee).
Essa
noção subjetiva de bem-estar é uma recomendação do economista e prêmio Nobel
americano Joseph Stiglitz. Ele defende novos critérios de performances
econômicas e sociais, já que o velho PIB mede apenas uma riqueza quantificada e
não a percepção do bem-estar dos cidadãos.
Um
pouco mais de 50% dos franceses avaliam entre
7 e 8 (sobre 10) sua satisfação. No pólo oposto, os mais insatisfeitos, 7%,
deram entre 0 e 4 à sua satisfação. Em geral, são pessoas com laços familiares e
sociais rompidos.
Israelenses e palestinos :
o exemplo franco-alemão
O
historiador israelense Shlomo Sand mais uma vez navega contra a corrente. Em seu
novo livro Comment la terre d’Israel fut
inventée (Como a terra de Israel foi
inventada), ele lembra que até a ascensão de Hitler, o judaísmo oficial
recusava um Estado judaico. Temiam que a terra acabasse substituindo Deus. « Eles temiam que o Estado judaico fosse
se transformar num Estado militarista, que utiliza a força ».
Em
longa entrevista ao jornal L’Humanité
Sand diz que a Europa cuspiu os judeus sobre o outro, o habitante do Oriente
Médio. Ele pretende desmistificar, desde seu primeiro livro « Comment le
peuple juif fut inventé » a ideia de um povo-raça que partiu e depois
voltou. E também quer desmistificar a ideia de que existe um direito histórico
porque essa terra pertence aos judeus. « Não creio que os muçulmanos
tenham um direito histórico sobre a Espanha ainda que tenham sido expulsos de
lá. Não creio que os índios tenham o direito de expulsar os brancos e os negros
de Manhattan e do Harlem para construir um estado índio, mesmo sabendo que
foram expulsos daquela terra. Digo isso porque a fantasia que existe de reconstituir
o mundo como ele era há 2 mil anos pode transformar o mundo num asilo de loucos ».
Segundo
Sand, é preciso forçar Israel – por todos os meios menos o terror e o
assassinato – a retornar às fronteiras de 1967 e reconhecer uma República
palestina. « Porque não sou racista e nem defendo uma comunidade.
Precisamos construir uma federação que vai reforçar os laços entre as duas
repúblicas. O sonho, a utopia, é uma confederação israelo-palestina ».
Uma imagem simbólica: em Paris, a embaixadora da Palestina na União Europeia, Leila Shahid, e o filho de rabino e escritor engajado pela paz Israel-Palestina, Michel Warschawski, de mãos dadas
Pourquoi
pas ? Este ano, quando a Alemanha e a França comemoram os 50 anos do
tratado do Elyseu, assinado por Adenauer e De Gaulle, pode-se dizer que tudo é
possível. Inimigos históricos, alemães e franceses deixaram para trás muitos
séculos de guerras e ódio, ocupação alemã da França. Hoje são parceiros inseparáveis na construção e no
aperfeiçoamento da Europa, como realidade política e econômica..