quarta-feira, 19 de junho de 2013

Contestação

Quando a direita francesa laica organizou mega-manifestações  contra a lei que daria direito ao casamento para pessoas do mesmo sexo (le mariage pour tous), ela se uniu aos homofóbicos e fundamentalistas de todas as confissões : católicos, judeus e muçulmanos. Mas combater o “mariage pour tous”, finalmente aprovado pelo parlamento, era apenas um bom pretexto para a direita descer às ruas e contestar o governo socialista.
Os políticos de direita pensam que quando a esquerda está no poder ela não é legítima. Somente a direita tem legitimidade para governar o país. O espírito de Pétain e Vichy estão presentes numa direita rançosa e reacionária que mantém um ambíguo namoro com a extrema-direita lepenista.
No Rio desde a semana passada, vejo com apreensão as manifestações de rua. Não parecem muito claras as reivindicações dos manifestantes. Que causa defendem? O que combatem? O que reivindicam?  
O “mariage pour tous” foi apenas um pretexto para a direita e a extrema-direita agitarem a bandeira da homofobia e mostrarem que não interiorizaram ainda a vitória dos socialistas. Falam de Hollande como um “presidente ilegítimo”, um ditador que não ouve o povo nas ruas (!).
No Brasil, onde os transportes coletivos são chamados de públicos mas são 100% privados, o governo se retirou totalmente de um serviço fundamental à população. É, pois, legítimo protestar contra aumentos excessivos de transportes caros e desconfortáveis.
Na França, ao contrário, o metrô e os ônibus de todas as cidades são um serviço público, organizado e eficaz, com larga subvenção do governo. Ai do governo que pensar em privatizar a saúde, educação ou os transportes. O dinheiro do contribuinte financia e garante a qualidade e a universalidade desses serviços fundamentais.
Por que no Brasil não se propõe a criação de empresas públicas de transportes, dirigidas pelo poder público? A extinção do transporte privado (que chamamos de público quando na verdade são apenas coletivos) seria um primeiro passo para se fazer o mesmo com a educação e com a saúde.
Por que cidadãos brasileiros não têm direito a educação e saúde gratuitos, universais e de qualidade?

On vous parle du Brésil

Nas décadas de 60 e 70, Paris era o epicentro das denúncias sobre torturas no Brasil. Miguel Arraes, Marcio Moreira Alves e Violeta Arraes criaram o Front Brésilien d’Information- Frente Brasileira de Informação (FBI) e um boletim informava a diáspora brasileira e os franceses engajados na luta pelos direitos humanos. Tudo o que se passava no Brasil, dirigido por generais que instauraram a tortura como arma de guerra, saía do país de forma clandestina.
O cineasta Chris Marker, falecido no ano passado aos 91anos, fez em 1969 dois curta-metragens que comprei antes de embarcar para o Rio este mês: On vous parle du Brésil: tortures e On vous parle du Brésil: Carlos Marighela (sic). Os documentários têm imagens que saíam com clandestinas do país. Um deles mostra os presos políticos trocados pelo embaixador americano dando depoimentos sobre torturas. Outro conta a prisão dos dominicanos e a execução de Marighella.
Imaginei fazer uma sessão pública e gratuita em uma sala de exibição, mesmo pequena, para os interessados. Um dos filmes tem 17 minutos e o outro 20. Em tempo de comunicação expressa, onde os meios se aceleram, um timing perfeito.  Em pouco mais de meia hora, a sessão está terminada.
            

Repare bem

Esse documentário de Maria de Medeiros é uma pérola. Passou no Festival do Cinema Brasileiro de Paris este ano com o título “Les yeux de Bacuri”. Fiz com ela uma entrevista para a Carta Capital que segue abaixo:
Maria de Medeiros :  « Dar acesso à verdade é um ato democrático »
Leneide Duarte-Plon, de Paris
A atriz, cantora e cineasta portuguesa Maria de Medeiros apresentou em Paris na segunda-feira, 22 de abril, seu mais recente filme Repare bem (Les yeux de Bacuri), no 15° Festival do Cinema Brasileiro de Paris. A atriz, que já foi dirigida por Quentin Tarantino em Pulp Fiction e por Philip Kaufman em Henry and June, desta vez está por trás da câmera. Ela assina um documentário inteligente, sutil, emocionante. 
Seu documentário anterior, Capitães de abril, sobre a revolução dos cravos, foi exibido na seleção oficial do Festival de Cannes de 2000 e recebeu diversos prêmios, entre eles, o Grande Prêmio do Festival Internacional de São Paulo, onde ela apresentou no ano passado seu novo filme, sem data para ser lançado no Brasil.
Repare bem começa com cenas de Um dia inesquecível, de Ettore Scola.  Desorientado, o espectador pode se perguntar se o projecionista não se enganou de bobina. Depois de poucos minutos, corte para a Roma de hoje, o mesmo prédio do filme de Scola, de arquitetura tipicamente fascista, com seus habitantes que entram e saem. Num dos apartamentos, a ex-resistente e exilada Denise Crispim conta a história de três mulheres, que tiveram suas vidas devastadas pela ditadura brasileira : ela, sua filha Eduarda e sua mãe Encarnación.
A cineasta falou a Carta Capital, num café parisiense, antes de embarcar para Barcelona :
“No documentário há a História mas, por outro lado, é a história de uma família. É um filme que conta uma história romanesca, digna de um livro, onde há uma grande generosidade humana, a ideia de transmissão de valores », diz.
A avó, Encarnación, foi presa pela ditadura, como Denise, que militava com seu companheiro Eduardo Collen Leite, o Bacuri,. Logo depois, o guerrilheiro também cai nas garras do delegado Sérgio Fleury. Encarnación foi trocada pelo embaixador suíço Giovanni Bücher e embarcou para Santiago, onde Denise se juntou a ela com a filha Eduarda, que não conheceu o pai. Eduardo foi trucidado por seus carrascos, depois de 109 dias de tortura.

Carta Capital : Por que você se interessa pela história recente do Brasil ?
Maria de Medeiros : Sempre me interessei pelo Brasil, pela cultura brasileira, a música, o cinema. Mas também a história. Nós portugueses sempre tivemos muito contato com a história brasileira. Eu tinha feito um filme sobre a revolução dos cravos, « Capitães de abril » e essa foi a época em que meus pais voltaram da Áustria para Portugal e tive a sorte de viver esse período revolucionário. Coincidiu com a minha descoberta da música e da cultura brasileira. E coincidiu com o contacto com brasileiros no exílio. Há tempo vinha pesquisando, com vontade de fazer alguma coisa no cinema sobre esses resistentes que sempre me despertaram muita admiração.
CC : Como você conheceu a história do Bacuri, Eduardo Collen Leite ?
MM: Ana Petta uma amiga, atriz e produtora de São Paulo, me colocou em contato com a Comissão de Anistia e Reparação. A Comissão, que faz parte do Ministério da Justiça brasileiro, está incentivando trabalhos em torno da questão da memória da ditadura, da reparação e da reconstrução das pessoas que foram vítimas. Foi Ana que teve a ideia de me propor essa história. Ela sabia que eu amo o Brasil me interesso muito pelo país e, por outro lado, é uma história de exílio, de 40 anos de vida na Europa.
CC: Você já conhecia Denise Crispim?
MM: Foi o Paulo Abraão, Secretário Nacional de Justiça, quem sugeriu a Denise Crispim. Eu já tinha lido, sabe-se que foi de uma atrocidade que não se faz ideia. Nessa história tem a linhagem de mulheres sobreviventes, a avó, mãe e a filha.
CC : Como você construiu o roteiro ? Havia um parti pris ?
MM : A construção do roteiro se impôs a partir da coincidência incrível da Denise viver no edifício, em Roma, onde o Ettore Scola filmou “Una giornata particolare” (Um dia inesquecível), um filme eminentemente anti-fascista. O filme tem tudo a ver com a história que eu ia contar. É uma coincidência espetacular. Para mim ficou muito claro que devia começar por ali. E também estava reticente à ideia de usar imagens de arquivos da ditadura no Brasil,  sempre as mesmas, os documentários mostram a polícia a cavalo, a repressão das manifestações.  Achei divertido começar por alguma coisa que desorientasse completamente o  público.
CC : O parti pris de não usar voz em off é muito inteligente…
MM : A televisão impõe certas regras que quis evitar. Quis construir um objeto que tenha também uma construção literária, como quando a gente lê um livro sem saber para onde se vai. O livro vai nos guiando, no cinema de ficção também.
CC : Você teve um financiamento da Comissão de Anistia e Reparação. Não teme que a direita acuse o filme de ser propaganda do governo e da luta armada?
MM : O financiamento foi mínimo porque eles pensavam que fosse um curta-metragem e o filme tem uma hora e meia. Então houve outros recursos que tive que completar. O filme não é propaganda da luta armada, se trata de reparação à vítima da ditadura. É claro que há uma vontade política neste momento que é exemplar para a Europa. Há muitos países da Europa que não conseguem fazer esse trabalho de memória. A Espanha, por exemplo, onde o juiz Garzón foi afastado por querer dar a palavra às vítimas da Guerra da Espanha, muito mais antiga. Existe uma vontade política de permitir aos brasileiros conhecer sua história e de o Estado brasileiro pedir desculpas pela ferocidade com que as pessoas foram perseguidas e assassinadas.
CC : E já vem tarde…
MM : E já vem tarde. Na Argentina e no Chile fizeram esse trabalho antes. É evidente que o passo seguinte seria julgar as pessoas culpadas dessas atrocidades.
CC : O problema é que a lei de anistia brasileira anistiou os torturadores também. Você acha que o Brasil pode chegar a mudar a lei e um dia julgar os torturadores ?
MM : Eu espero. O Brasil está num processo democrático estimulante para o mundo inteiro. O mundo tem os olhos postos no Brasil não só, evidentemente, pela saúde econômica mas também pela saúde democrática que exibe, no fundo.  É muito importante dar acesso à verdade, é um ato democrático muito importante.
CC : Como você avalia a luta da geração de Bacuri e de Denise Crispim contra a ditadura, que gerou os órfãos, os torturados, os desaparecidos, os assassinados sob tortura ou fuzilados como Marighella. Valeu a pena ?
MM : Ela valeu imenso a pena.  A essa luta se devem justamente todas as vitórias democráticas, toda a consciência democrática que existe hoje no Brasil em todos os níveis. É natural que quando você vive num país seja crítico. Acho saudável, melhor que o ultranacionalismo. Quando eu digo que o Brasil está fantástico meus amigos brasileiros me dizem que falta muito, não é bem assim. É normal ser crítico. Mas vendo de fora como eu, percebo uma consciência de uma democracia da qual todo mundo está se beneficiando. Então acho que valeu a pena a luta de todos os que fizeram a resistência. Havia maoístas, pessoas de igreja, pessoas de tendências diversas lutando pela democracia.
CC : O que a Comissão da Verdade pode fazer pela recuperação da memória ? Você acha que o trabalho dela vai ser realmente importante ?
MM : Sem dúvida nenhuma. Creio que todo esse trabalho é um despertar das consciências, manter as consciências vivas. O perigo é deixar o povo adormecido, alienado. Um dos perigos que vejo na Europa é a alienação. É muito fácil esquecer e acabar repetindo os mesmos erros. Esse trabalho é para relembrar onde estão os perigos para que aquele passado não se reproduza.
CC : Você acha que o filme vai encontrar um público amplo no Brasil ? Existe uma vontade de conhecer essa história recente ?
MM : Enquanto realizadora, gostaria de encontrar um público para o filme. Por um lado há a História no filme, mas por outro lado é a história de uma família. O filme conta uma história romanesca, digna de um livro, onde há uma generosidade humana, amor de pais para filhos, a ideia de transmissão de valores. Da avó que defende as mesmas ideias, são três gerações de mulheres. Há uma dimensão profundamente humana no filme.

Dali


Na exposição de Salvador Dalí no Beaubourg (Centre Georges Pompidou) descobri alguns quadros que não conhecia.
Entre eles, um surpreendente. Vemos uma silhueta de um homem, Jesus, e uma frase: “Parfois je crache par plaisir sur le portrait de ma mère” (Às vezes, cuspo por prazer no retrato de minha mãe).
A mãe de Jesus, um estorvo para o filho?
Dalí, um iconoclasta de carteirinha, estaria falando de sua própria mãe?

Estilista brasileira em Milão

O Brasil tem talentos que brilham no exterior e que muitas vezes desconhecemos. Andreia Chaves é uma designer brasileira que faz sucesso em Milão, capital italiana da moda. O site dela tem sapatos geniais, verdadeiras esculturas.
           Encontrei-a em Paraty, no réveillon passado e conhecemos o namorado dela, um artista irlandês, que faz magníficos móveis-esculturas, de formas puras e expõe em toda a Europa. Verdadeiras obras de arte. Nos sites deles pode-se ter uma ideia do genial trabalho de criação desses dois artistas:  www.josephwalshstudio.com e www.andreiachaves.com
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Pinochetismo

Vi num documentário na televisão francesa, em que o tema era a política e o futebol. Um dos personagens era o nosso doutor Sócrates.  Outro era o chileno Carlos Caszely.
Pouco tempo antes da copa do mundo na Alemanha Ocidental, em 1974, o time chileno foi levado ao Palácio do Governo em Santiado para ser apresentado ao general Pinochet, chefe do golpe que derrubara o president Allende, em setembro de 1973. O jogador Carlos Caszely não somente não deu a mão ao ditador quando este se aproximou com a mão estendida como interpelou-o. Disse-lhe que o país estava sofrendo, que havia pessoas presas e perseguidas. Enquanto o jogador falava, Pinochet colocou os dois dedos no ouvido e disse que não queria ouvir aquilo.
Algumas semanas depois, ao voltar ao Chile, Caszely encontrou no aeroporto seu pai, sua mãe e sua irmã com os rostos amargurados. Silenciosos, pareciam que tinham vivido uma tragédia e não podiam comunicar o que viveram. Demoraram a poder contar ao filho o que se passou depois de seu encontro com Pinochet : sua mãe fora barbaramente torturada. 

O santo rebelde

Enviado por um amigo, ex-dominicano, João Caldas Valençça, o texto abaixo foi extraído do documentário “Dom Helder Camara – O santo rebelde.”

"Sonhei que o Papa enlouquecia
E ele mesmo ateava fogo ao Vaticano
E à Basílica de São Pedro
Loucura Sagrada!
Porque Deus atiçava o fogo que os
Bombeiros, em vão, tentavam extinguir
O Papa, louco,  saía pelas ruas de Roma
Dizendo adeus aos embaixadores
Credenciados junto a ele
Jogando a Tiara ao Tibre
Espalhando pelos pobres, todos,
O dinheiro do Banco do Vaticano
Que vergonha para os cristãos!
Para que um Papa viva o evangelho
Temos que imaginá-lo em plena loucura."


Jesuítas, dominicanos, beneditinos

Continuando no ambiente eclesiástico, reproduzo uma piada contada por Eugênia Zerbini, filha do general Euryale Zerbini e de Therezinha Zerbini:
Num grande concílio no Vaticano, queima a luz. Os jesuítas querem saber de quem é a culpa. Os dominicanos começam a fazer um tratado sobre a luz e sua expansão. Vem um beneditino, pega uma cadeira e troca a lâmpada.

Casanova, libertino individualista

A antítese do homem engajado, Casanova entrou na prestigiosa coleção Pléiade. Como se sabe, o veneziano escreveu num francês irretocável sua biografia Histoire de ma vie, obra de memorialista e ao mesmo tempo de historiador do século XVIII. Individualista e um grande hedonista, Casanova escreveu: “ Cultivar os prazeres dos sentidos foi, durante toda minha vida, meu principal objetivo; nunca tive nenhum mais importante. Sentindo-me nascido para o sexo diferente do meu, sempre o amei, e me dediquei a ser amado por ele da forma mais intensa. Também amei a boa mesa com paixão, da mesma forma todos os objetos feitos para excitar a curiosidade.
*       
*      Correção :
*                 
 Numa nota de meu último post havia uma frase que saiu com um erro :

Esse slogan do Front National, o partido de Jean-Marie Le Pen, (L’Islam n’est pas compatible avec la République) começa a ser endossado por intelectuais que, a pretexto de defenderem a laicidade, o princípio que separa a Igreja do Estado, cada dia mais se desinibem no ataque à religião muçulmana.

Sorry, saiu “disinibem”. Como não tenho corretor de português, às vezes, apesar das releituras, os erros persistem.