segunda-feira, 14 de outubro de 2013

Nobel para Lampedusa




A ideia tem o mérito da originalidade: o jornalista italiano Fabrizio Gatti, da revista semanal “L’Espresso” -  que fez o trajeto do norte da África à Europa em um precaríssimo barco lotado de clandestinos, com identidade falsa e direito a naufrágio, para contar o calvário dos migrantes - propõe o Nobel da Paz de 2014 para a Ilha de Lampedusa. 


Um Nobel para uma ilha pode parecer um tanto esdrúxulo mas Gatti explica : o prêmio seria atribuído aos milhares de sobreviventes que procuram fugir de guerras e chegar à Europa em embarcações precárias e superlotadas, pagando caríssimo a máfias que organizam a viagem.
Gatti justifica a ideia do Nobel: Lampedusa e seus 6 mil habitantes nunca fizeram diferença entre os moradores com passaporte europeu e os milhares de clandestinos que se amontoam, fugindo das guerras no norte da África e do Oriente Médio. Os habitantes são solidários e procuram ajudar os que chegam sem nenhum direito, apenas com o  sonho de conseguir asilo político e um passaporte europeu.
“Já que o Nobel não pode ser entregue aos que foram tragados pelo Mediterrâneo, proponho que seja atribuído – em nome dos mortos e dos sobreviventes – à pequena comunidade de Lampedusa e seus habitantes, que nunca deixaram de prestar socorro aos que caem no mar e se dedicam à busca de corpos com determinação e solidariedade”.  
O jornalista está lançando na França o livro em que relata a terrível e extraordinária aventura de sua travessia como “migrante” (um habitante de Lampedusa salvou-o do naufrágio e da morte). 
Os habitantes da ilha são um exemplo para os xenofóbicos de todos os partidos europeus de extrema-direita.

O eldorado europeu

 Vergonha ! O papa Francisco não encontrou outra palavra para qualificar o drama de Lampedusa. Mas todos sabemos que não é rezando que os problemas da miséria africana e dos países em guerra no Oriente Médio vão ser solucionados. 
Naufrágios no Mediterrâneo de embarcações vindas do terceiro mundo viraram uma escandalosa rotina. Em busca de uma vida melhor, mais segura e mais digna, ele arriscam a vida com filhos e mulheres, fugindo das guerras e da miséria. Uma vida regular num país europeu significa para os migrantes triplicar a esperança de vida.  
A União Europeia não pode acolher toda a miséria do mundo, como a França de Mitterrand não podia, na célebre frase do primeiro-ministro Michel Rocard. Mas os países europeus são em parte responsáveis pela miséria do continente africano, onde vão explorar recursos minerais fazendo alianças com governantes corruptos, que aplicam o produto da pilhagem em palácios na Côte d’Azur ou na Avenue Foch. Ou então em contas na Suíça ou em outros paraísos fiscais.

Piaf, don juan feminino

Em 10 de outubro de 1963, Edith Piaf morreu em Paris, aos 47 anos, com aparência de anciã. A cantora, de saúde fragilíssima, foi destruída fisicamente pelas sucessivas doenças, que a levaram à dependência de morfina e álcool.
Naquele dia, Paris parou para chorar a “môme” que cantava com as tripas e marcou a história da canção francesa.  Agora, nos 50 anos de sua morte, Nova York fez um show, Berlim, uma exposição e a França, diversos programas de televisão.
Algumas horas depois da morte da cantora, o poeta, dramaturgo, designer e cineasta Jean Cocteau faleceu de um ataque cardíaco... ao escrever um texto em homenagem à amiga. Eles se adoravam e tinham em comum o gosto pelos rapazes.
A TV francesa mostrou um excelente documentário sobre os amores de Piaf, uma verdadeira caçadora de talentos. Yves Montand e Georges Moustaki, bem mais jovens que ela, foram acolhidos de braços abertos no palco e na cama da cantora, que tinha faro e vocação de Pigmalião. Mas houve muitos outros amores, antes e depois de Montand e Moustaki, como o campeão de box Marcel Cerdan, até o encontro com o jovem Theo Sarapo, com quem a cantora se casou um ano antes de sua morte.
Robert Belleret, que acaba de lançar a biografia “Piaf, un mythe français”, diz que ela foi um Don Juan feminino. Ele chegou a contabilizar 24 namorados e amantes oficiais. “Sua motivação era seduzir. Ela era capaz de conquistar um homem com um simples olhar. E eles, em geral, eram homens bonitos”.    
Para lembrar Cocteau, a Cinemateca Francesa fez uma exposição e uma retrospectiva de sua obra. Um deleite para os cinéfilos, que têm o embarras du choix entre todos os filmes de Bernardo Bertolucci (incluindo documentários em torno de sua obra) e o ciclo e exposição Pasolini, que começa esta semana.

O primeiro cinema do mundo
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O cinema Éden, o mais antigo do mundo,  acaba de ser restaurado e reinaugurado em La Ciotat, pequena cidade balneária do sul da França, onde os irmãos Lumière passavam férias de verão na propriedade da família, o Château Lumière.

“L’arrivée d’un train en gare de La Ciotat” foi o primeiro filme da história do cinema, feito por Auguste e Louis Lumière. No Cinéma Éden, os irmãos fizeram a primeira  projeção pública de seus filmes, em 21 de março de 1899. Naquele dia do século XIX, ao verem na tela o trem se aproximando, os espectadores espantados correram apressados para se proteger.

A atriz Nathalie Baye e o diretor da Cinemateca francesa, Serge Toubiana foram à festa de reabertura da sala. No programa da noite, trechos do filme “Grace de Monaco” (com Nicole Kidman), de Olivier Dahan, cineasta nascido em La Ciotat, e a primeira exibição do novo filme de Roman Polanski, “La Vénus à la fourrure”.

Mães centenárias : Deneuve e Pierre Bergé 

Pierre Bergé tem 83 anos. Ele pensa que foram bem vividos. Empresário de sucesso, foi o criador da marca Yves Saint Laurent, quando vivia com o costureiro. Antes, o colecionador e homem de esquerda viveu com o pintor Bernard Buffet. Hoje, Bergé é, além de tudo, um dos proprietários do jornal “Le Monde”, o jornal de referência da intelectualidade francesa. Apesar de rico e bem-sucedido, Bergé diz que “o dinheiro corrompe”. Ele abomina o meio de empresários e vive cercado de intelectuais e políticos de esquerda. Foi um grande apoio da campanha de Ségolène Royal e de François Hollande, de quem prevê a reeleição em 2017.
Apesar de octogenário, Bergé fala de sua mãe no presente. Ela está bem viva e tem 106 anos. Ele faz parte de uma geração que atinge a terceira idade com genitor ou genitora viva. A longevidade dos franceses é conhecida, fica apenas atrás dos japoneses.
Catherine Deneuve é outra personalidade que fala do privilégio de ter sua mãe, de 102 anos, gozando de boa saúde. Ao lançar seu último filme, há poucas semanas, a atriz contou que acabara de festejar o aniversário de sua mãe, de quem usa o nome de solteira.
Quando ganhou a eleição para presidente em 2007, Nicolas Sarkozy foi o primeiro presidente francês eleito a assumir a função com pai e mãe vivos.  E também foi o primeiro presidente francês a se divorciar e se casar no exercício da função.
Mas isto é outra história.
 
Por que (não) me ufano de meu país?

Li com grande prazer o discurso de Luiz Ruffato na Feira de Frankfurt. Os brasileiros têm dificuldade em fazer e ouvir críticas ao país. Sobretudo se feitas no estrangeiro. Houve reações negativas, inclusive de Ziraldo, que não gosta de criticar sua pátria amada, salve, salve.
Somos arcaicos. Para alcançarmos o nível de educação, civilidade e cidadania (igualdade de todos os cidadãos diante da lei, mobilidade urbana decente, segurança, acesso universal a bens culturais, direito à saúde e à educação de qualidade, gratuita e universal) de países como a França, a Inglaterra ou a Alemanha temos que avançar muito.  No mínimo, cem anos de trabalho sério contra as desigualdades e a corrupção.
E muito espírito crítico, pois sem criticar nosso atraso nos conformamos e mantemos o status quo de desigualdades e violência em todos os níveis.

Delon x Le Pen
Como cientista político Alain Delon não agrada nem ao filho. Aos 77 anos, o ator continua cada vez mais próximo da extrema-direita. O intérprete de “Rocco e seus irmãos”, uma das obras-primas de Visconti, perdeu mais uma vez a oportunidade de ficar calado. Há poucas semanas, declarou em programa de TV que a homossexualidade era “contrária à natureza” e condenou o casamento  entre pessoas do mesmo sexo. Alguns jornalistas lembraram dos rumores da tórrida paixão de Visconti por Delon. Nunca se poderá provar se foi ou não foi consumada.
Há poucos dias, ele declarou a um jornal  suíço “entender e aprovar” o crescimento do Front National, o partido de etrema-direita de Marine Le Pen, fundado por Jean-Marie Le Pen, amigo de Delon. 
Embaraçado, o ator Anthony Delon julgou a declaração de seu pai lamentável. “Ele é um ator, deveria fazer filmes e nos oferecer um fim de vida à la Clint Eastwood, em vez de tentar improvisar uma carreira de cientista político”, escreveu o filho em um SMS enviado a um jornalista do Canal +.


Pinochet e sua ditabranda
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Descobri o autor da frase.  O inventor do jogo de palavras  “ditadura e ditabranda” é Augusto Pinochet. Em um vídeo, que vi em Paris num colóquio sobre o Chile,  ele diz :
« O Chile não é uma ditadura mas uma ditabranda »
Os detalhes estão no texto abaixo, publicado em setembro, no Observatório da Imprensa, em setembro.
40 anos depois, Allende e Pinochet
Leneide Duarte-Plon, de Paris

O governo de Salvador Allende entrou para a história no dia 11 de setembro de 1973, quando tropas militares bombardearam a sede do governo levando o presidente socialista ao suicídio. Começava um novo ciclo da história do Chile. Allende e o governo da Unidade Popular foram surpreendidos pelo golpe, que se anunciava desde que o socialista foi eleito e assumiu o poder, em novembro de 1970. Aquele 11 de setembro inaugurou anos de chumbo no país que tinha a reputação de contar com as Forças Armadas mais legalistas do continente.
Para marcar os 40 anos do golpe militar a imprensa francesa publicou entrevistas, artigos e mesmo cadernos especiais sobre o Chile. Numa das entrevistas do Le Monde,  o cineasta Patricio Guzman, autor da premiada  trilogia A batalha do Chile, filmado entre 1973 e 1979, obra monumental que cobre os três anos da presidência de Salvador Allende, diz que o presidente socialista nunca reivindicou a construção de uma “ditadura do proletariado”.  O que não impediu que a dupla Nixon-Kissinger decretasse, de Washington, a morte da primeira experiência de um socialismo democrático na América Latina.
“A batalha do Chile” foi considerado pela revista americana “Cineaste” como um dos dez melhores filmes políticos do mundo. Guzman - que realizou ainda duas obras em torno da história recente de seu país, o maravilhoso documentário sobre Allende (Salvador Allende) e o premiadíssimo Nostalgia da luz - viveu diretamente a repressão sangrenta do regime Pinochet: seu diretor de fotografia Jorge Müller Silva foi sequestrado, em 1974, pela polícia da ditadura. Müller Silva faz parte da lista de 3 mil pessoas “desaparecidas”.
Na entrevista, Guzman diz que durante o governo Allende 70% das rádios e dos jornais eram de oposição ao governo da Unidade Popular. Ele destaca que, verdadeiro democrata, Allende nunca tentou impedir a livre circulação de nenhum órgão de imprensa. O cineasta lamenta que o Chile ainda não tenha realizado uma verdadeira reflexão nacional, um verdadeiro “trabalho de memória” sobre os anos da ditadura, como fez a Argentina.
Nos diversos balanços publicados na imprensa sobre o governo da Unidade  Popular, que fez sonhar milhares de exilados brasileiros instalados no Chile depois do golpe no Brasil, a imprensa destacou o quanto a experiência chilena inspirava a esquerda francesa, que naquele início dos anos 70 também buscava a união entre socialistas e comunistas. A Union de la gauche tinha como modelo o grande arco de alianças que levou Allende ao poder. François Mitterrand, então secretário-geral do Partido Socialista Francês, foi a Santiago ver de perto a experiência vitoriosa. Voltou entusiasmado. Mas apenas uma década depois, em 1981, a aliança com os comunistas deu bons frutos levando-o a conquistar o primeiro mandato  de presidente.
Entre as diversas manifestações realizadas na França para marcar os 40 anos do golpe de Pinochet, o colóquio internacional “Chile, 11 de setembro de 1973: um evento mundial”, discutiu durante três dias seguidos diversos aspectos do golpe, do governo da Unidade Popular e do governo Pinochet. No colóquio, realizado em conjunto pela prestigiosa Sciences Po (Institut d’Etudes Politiques de Paris), Université Versailles-Saint-Quentin e  pela Université Sorbonne Nouvelle-Paris 3, pesquisadores e professores universitários vindos de diversas partes do mundo abriram novas janelas na percepção da história recente do Chile. O pré e o pós-golpe, com a implantação de uma política econômica liberal que criou o que se passou a chamar de “modelo chileno” implantado pelos “Chicago boys”, tudo foi minuciosamente debatido no colóquio que teve a participação de um dos mais conhecidos e prestigiosos sociólogos franceses, Alain Touraine.
Num grande debate aberto a perguntas, Touraine destacou momentos e aspectos da história chilena.  Em uma frase sobre as desigualdades ele ressaltou: “Mas o campeão de desigualdades sociais foi sempre o Brasil. Ele acaba de perder seu título com as políticas sociais de Lula, mesmo que elas ainda sejam insuficientes. Mas o Brasil continua sendo um país de corrupção no qual o tecido social continua gangrenado por esse mal”.
A Argentina foi apontada pelo sociólogo como um país “que pratica um auto-boicote permanente”, fazendo o que pode para impedir seu próprio desenvolvimento.
Um pesquisador de origem chilena constatou que, hoje, Pinochet é o chileno mais conhecido fora do Chile. “Mais que Allende, mais que Neruda”, disse ele. Ponderei com meus botões que Hitler deve ser o alemão mais conhecido fora da Alemanha, mais que Goethe, mais que Bach. “It’s so, but what a pity it’s so”, como disse, a propósito do mundo tal qual existe, o grande escritor inglês Thomas Hardy.
No colóquio, aprendi duas coisas edificantes sobre Pinochet: primeiramente, que ele é o autor da frase sobre a “ditabranda”, proferida em 1983 para se referir à sua própria ditadura. “Esta não é uma ditadura, é uma ditabranda” diz ele, num vídeo que vimos em tela grande, numa das conferências do último dia.
Em segundo lugar, aprendi que o ditador, que se apresentou sempre aos chilenos como exemplo de austeridade e honestidade, detinha contas na Suíça em nome de diversos parentes. O detalhe mais divertido é que essas contas foram descobertas somente em 2003, como consequência do cerco às contas suíças feitas pelo governo dos Estados Unidos para explicar o financiamento dos atentados do 11 de setembro de 2001.
Um 11 de setembro ajudou os historiadores e conhecerem melhor o  outro. A História acabou driblando o velho ditador.

Enrico Berlinguer e o eurocomunismo

No ciclo Bernardo Bertolucci da Cinémathèque Française, vi o documentário L’addio a Enrico Berlinguer, de Bertolucci e mais um punhado de cineastas. O italiano veio a Paris há duas semanas apresentar seu último filme Toi et Moi, inaugurando a retrospectiva de sua obra.
 O documenrio sobre a morte de Berlinguer é genial. Não há narração, somente a voz de um entrevistador que faz perguntas a anônimos e a figuras conhecidas da política e da intelectualidade italiana, depois do anúncio da morte de « Enrico », amado, admirado e respeitado pelos italianos como poucos o foram na Italia, segundo o filme. O criador do eurocomunismo deixou um grande vazio na política italiana. Os comunistas italianos, que viam um novo caminho para um comunismo real de onde a democracia não seria excluída, ficaram sem o grande líder.
É fabuloso ver Roma tomada por milhões  de pessoas vindas de toda a Itália gritando : « Viva o Partido Comunista de Gramsci, de Togliatti e de Berlinguer », punhos no ar. Foi o maior enterro de uma personalidade pública na Itália, segundo a apresentação do filme.
Gorbachev, Georges Marchais, Arafat e toda a classe política italiana louvam a inteligência e o gênio politico de Berlinguer. O povo chora “o homem mais honesto” da Itália, um politico exemplar. Um religioso, visivelmente não da Igreja católica (parece um ortodoxo), diz que "ele era o homem que Diógenes procurava".
No filme, pode-se ver Fellini e Antonioni na cerimônia do enterro. Marcelo Mastroiani ressalta a importância de Berlinguer.
Hoje, a Itália tem o bufão Berlusconi. São dois mundos, mais distantes que os dois pólos da Terra.
O filme é pouco conhecido, o que é uma pena. As novas gerações (mesmo os jornalistas mais jovens) não sabem quem foi Enrico Berlinguer.