Há quase 50 anos, em
22 de outubro de 1964, o filósofo Jean-Paul Sartre recusou o Nobel de
Literatura. O prêmio foi justificado por sua obra ter « uma grande
influência sobre nossa época, além de revelar espírito de liberdade e busca da
verdade.»
Sartre não foi receber o
prêmio, abriu mão das honras e do cheque que o acompanhava. Desde a criação do Nobel,
somente 4 pessoas o recusaram. Por determinação do regime nazista, em 1938 e 1939, os alemães Richard Kuhn e Gerhard Domagk não puderam
receber seus Nobel de Química e de Medicina.
Em 1973, o vietnamita Le Duc Tho recusou o Nobel da Paz, que receberia
juntamente com Henry Kissinger "por seus esforços para um acordo de paz no
Vietnã."
Explicando as razões pessoais para não aceitar o Nobel, Sartre escreveu à
Academia : « Minha recusa não é um ato improvisado. Sempre fugi das distinções oficiais. Quando, depois
da Guerra, em 1945, me propuseram a Légion d’Honneur recusei-a. Da mesma forma,
nunca aceitei postular a uma vaga no Collège de France, como me sugeriam alguns
amigos. Não é a mesma coisa se eu assino simplesmente Jean-Paul Sartre ou se
assino Jean-Pau Sartre, prêmio Nobel. O escritor deve recusar se transformar em
instituição. »
Já não se fazem mais intelectuais
como Jean-Paul Sartre.
JUDITH BUTLER : A igualdade pode ser um valor
judaico
Intelectual notável
entre os pensadores contemporâneos, a filósofa Judith Butler acaba de lançar um livro. Para
a americana, pioneira da teoria do gênero (gender studies), professora de Literatura da Universidade de Berkeley, ser homem ou mulher
é uma construção. Seu novo livro trata de filosofia política.
De passagem por Paris
para lançar em francês “Na direção de uma coabitação – Judeidade e crítica do
sionismo », Butler deu várias entrevistas. Subversiva em todos os temas, ela
contesta os que pensam que criticar Israel é um ato antissemita. « Essa
chantagem me parece um ato de censura insuportável, inspirando o terror de ser
tratado de antissemita. »
Em seu novo livro Butler
propõe uma leitura de Walter Benjamin, de Hannah Arendt e de Emmanuel Levinas
que, segundo ela, « pensaram uma visão da generosidade, de hospitalidade,
de alteridade. »
« Isso conduz a
defender um Estado democrático que não seria fundado sobre uma discriminação
racial, étnica ou religiosa. Sei que é uma ideia radical e que numerosas
pessoas acham que ela colocaria em perigo a segurança dos judeus. Penso, como
Hannah Arendt, que os judeus não estarão em segurança senão quando aceitarem um
contexto binacional que reconheça a existência e os direitos dos dois povos,
judeu e palestino. Antes da formação do Estado moderno de Israel, em 1948, essa
ideia não aparecia como antissionista, era uma forma de sionismo. A visão de
Ben Gourion, que superou a de Hannah Arendt desde os anos 1930 e reduziu o
Estado à soberania judaica, é a única que hoje tem o direito de ser defendida. Dirigir-se
para essa diversidade, voltar a esses textos e aos valores defendidos por esses
autores cosmopolitas é necessário para pensar atualmente os princípios de uma
coabitação, de uma cidadania não discriminatória, e impor uma crítica judaica
da violência de Estado, do colonialismo e da injustiça. Não vejo por que a igualdade
política não poderia ser um valor judaico ».
Ao receber o prêmio
Adorno, em 2012, na Alemanha, Judith Butler foi tratada de antissemita por
extremistas judeus. Ela considera que não há pior acusação para um judeu.
Judith Butler não
mudou desde o início dos anos 2000 quando escreveu o texto « A acusação de
antissemitismo: os judeus, Israel e os riscos da crítica pública - Um ponto de
vista americano », parte da coletânea « Antissemitismo, a intolerável
chantagem », que tive o prazer de traduzir para o português em 2004 para a
editora Anima.
HOLLANDE : sedutor com um ar de Tintin maduro
O poder deve ser mesmo afrodisiaco. Para quem duvida, a recente descoberta de uma amante de François Hollande é a prova cabal. Abaixo o texto que escrevi para o Observatorio da Imprensa:
HOLLANDE : sedutor com um ar de Tintin maduro
O poder deve ser mesmo afrodisiaco. Para quem duvida, a recente descoberta de uma amante de François Hollande é a prova cabal. Abaixo o texto que escrevi para o Observatorio da Imprensa:
GENERAL AUSSARESSES : lições da Argélia para ditadores sul-americanos
Uma entrevista exclusiva com o general Aussaresses, morto em dezembro, que vai se transformar em livro.
ESPANHA: greve dos úteros, pela filósofa Beatriz
Preciado
O direito da mulher
de abortar legalmente é considerado um progresso que a maioria dos países
europeus alcançaram. Na Espanha, uma lei pretende fazer um retrocesso limitando
esse direito.
Insurgindo-se contra
essa lei influenciada pelos católicos próximos da Opus Dei, a filósofa Beatriz
Preciado escreveu um violento artigo « Declarar a greve dos úteros »
no Libération do fim de semana.
Ela termina o
primoroso artigo dizendo : « Corpo nascido com útero, fecho as pernas
diante do nacional catolicismo, digo a Rajoy e Varela (primeiro-ministro e cardeal espanhol) que eles não porão os pés no
meu útero : nunca tive filhos e nunca os terei a serviço da política
espanholista. Daqui desta modesta tribuna, convido a todos os corpos a fazer a
greve do útero. Afirmemo-nos como cidadãs e não mais como úteros reprodutivos.
Pela abstinência e pela homossexualidade, mas também pela masturbação, sodomia,
fetichismo, coprofagia, zoofilia… e pelo aborto. Não deixemos penetrar na
vagina uma só gota do esperma nacional católico. Não
engravidemos para o PP, nem para as paróquias da Conferência Episcopal. Façamos
essa greve como faríamos o mais “matriótico” dos gestos: uma forma de desconstruir
a nação e agir para a reinvenção de uma comunidade de vida pós-Estado nacão no
qual a expropriação dos úteros não será mais possível.»
Faz tempo que eu não
lia um texto tão subversivo.
A TOUCH OF SIN : sublime
Jia Zhang-ke
O chinês Jia Zhang-ke
é um grande cineasta. Seu último filme lançado em Paris em dezembro é a prova
cabal. Ele retrata uma China convertida ao liberalismo selvagem, ao capitalismo
de Estado no qual as desigualdades crescem e as vítimas da exploração vêm na
violência o único recurso para expressar a revolta. Uma China desconhecida que
Jia Zhang-ke nos revela a partir de
crimes reais. Depois de Still life, o
cineasta chinês se impõe com um filme genial. Aos interessados, recomendo a
crítica da revista Télérama, na internet, (autoria do jornalista Samuel Douhaire), cujo final reproduzo para os
francófonos :
Des quatre parcours tragiques racontés par le film,
celui de l'adolescent est le plus poignant, inspiré des cas de suicide chez
Foxconn, le sous-traitant d'Apple. Le désespoir du petit ouvrier, privé
d'ascension sociale, de reconnaissance et même d'amour, apparaît comme la
conséquence de tous les dysfonctionnements de la société chinoise. Corruption
généralisée, précarité absolue des travailleurs migrants traités comme des
parias, cynisme des nouveaux riches qui dilapident leurs yuans dans les bras d'escort-girls déguisées en gardes
rouges... Dans cette jungle, qui, à l'heure de la mondialisation, n'est hélas
pas l'apanage de la Chine, les plus faibles n'ont plus que leur instinct de
destruction pour survivre. Et leur animalité : chaque déchaînement de violence
est précédé d'une rencontre étrange avec des bêtes, une vipère glissant sur le
bitume, des buffles en route vers l'abattoir, un cheval martyrisé par son
propriétaire... Parenthèses magnifiques qui propulsent ce film, ô combien
réaliste, vers l'imaginaire. A la brutalité des rapports humains, Jia Zhang-ke
oppose la résistance par l'oeuvre d'art, qui est autant catharsis que
consolation. Dans l'ultime séquence, l'employée de sauna assiste fascinée à la
représentation en pleine rue d'un opéra traditionnel, L'Interrogatoire de Su San. Et trouve dans cette histoire
sublimée d'une héroïne accusée de meurtre, un écho à son propre destin.
Au-delà de son message d'alerte salutaire sur l'état de la Chine, A touch of sin est, aussi, un hommage
vibrant aux humiliés et offensés du monde entier. Et à l'art qui les sauve.