Mesmo quem não viveu o Maio de 68 em Paris conhece
Daniel Cohn-Bendit, Danny le Rouge, o estudante ruivo judeu-alemão que se
tornou o símbolo daqueles dias turbulentos.
Por incomodar demais o governo francês, ter-se
tornado um símbolo da revolução estudantil e ser estrangeiro, Cohn-Bendit
acabou sendo expulso da França. Em solidariedade a ele, as ruas ecoavam nas
passeatas : “Nous sommes tous des juifs allemands.”
Quem não se lembra de slogans como “É proibido
proibir” ou “Soyez réalistes, demandez l’impossible”? Este é considerado por
Philippe Sollers como o mais belo slogan de Maio de 68.
Picasso, 1968
Na época, Sollers era maoísta, como Jacques-Alain
Miller e dezenas de outros jovens intelectuais rebeldes, que depois ou aderiram
ao stablishment ou continuaram rebeldes mas não mais jovens. Sollers tornou-se
o supra-sumo do intelectual parisiense. Casado com a psicanalista e escritora
Julia Kristeva, mora entre Paris e Veneza, cidade que ele venera e sobre a qual
escreveu o delicioso Dictionnaire
amoureux de Venise. Miller casou-se com a filha de Lacan, Judith, e é
um renomado psicanalista, executor
testamentário da obra de Lacan, responsável pela publicação dos famosos
seminários.
Cohn-Bendit virou Danny le Vert, foi deputado europeu pelo Partido
Verde (Europe-écologie Les Verts) até este mês. Ele anunciara sua "aposentadoria" no ano passado informando que não se candidataria a novo mandato nas eleições europeias de maio. Em
compensação, fã de futebol, vai à Copa, de onde comentará os jogos para o jornal
Libération e para o excelente canal
franco-alemão Arte. Fará um
documentário na Copa que Arte divulgará.
Na semana passada topei com Cohn-Bendit duas
vezes no hotel onde estava hospedada até domingo por causa de obras em casa. Ele
é amigo do dono do hotel, um militante ecologista francês. O Solar hotel é regido
pela militância ecológica, tudo o que se come no café da manhã é orgânico e a
ecologia faz a lei no estabelecimeto.
Uma bicicleta para uso dos clientes está
incluída no preço da diária. Não há wi-fi nos quartos, somente no andar térreo,
para proteger os hóspedes das ondas nefastas, suspeitas de causar diversas
doenças.
Na quarta-feira à tarde, Danny me olhou e sorriu
quando entrou no sala do café da manhã para encontrar um jornalista da TV. Eu
lia tranquilamente meus mails. Ouvi toda a entrevista, pois estávamos sozinhos
naquele momento. Concordei com todos os argumentos de Cohn-Bendit para defender
a Europa e as críticas que fez aos chamados “eurocéticos”.
No dia seguinte, lá estava ele de novo, dando
uma entrevista a outro jornalista, na hora do café da manhã.
Cohn-Bendit não parou de dar entrevistas na semana
de pré-eleições europeias. Foi capa da revista do Le Monde que saiu no fim de semana, foi página inteira do Libération, como um arauto da Europa. Os
jornalistas o adoram. Ele é inteligente, faz análises políticas justas e, por
isso, é figurinha fácil nos principais jornais televisivos e programas de debates.
É o que os jornalistas chamam “un bon client”. Na semana passada tentou com
todos os argumentos possíveis convencer os franceses a irem votar.
“A Europa é nossa chance. Sem a Europa, os Estados-Nações
que a formam são fracos para enfrentar gigantes como a China, a Rússia, os
Estados Unidos, a Índia ou outros emergentes.” Ele lembra que a única chance de
evitar novas guerras no continente é a construção de uma Europa solidária, com
uma política externa comum, que enfrente os grandes problemas sem cacofonia.
Domingo, mais de quatrocentos milhões de
eleitores europeus eram esperados para mostrar se ainda acreditam nesse
projeto. Eles preferiram ir à pesca ou colher cerejas. Na França, a abstenção foi
enorme, de quase 60%. Mesmo se os eleitores tinham as mais diversas opções entre as listas que apresentaram candidatos. Havia até mesmo um bizarro Cannabis sans frontières (foto).
O Front National, partido de extrema-direita dirigido por
Marine Le Pen (filha de um ex-torturador da guerra da Argélia chamado Jean-Marie Le Pen) é o grande
vencedor. Xenofóbico, neofascista, o FN tornou-se o primeiro partido político da
França.
Pouco a pouco, a França reforça seus laços com o passado
pétainista, do tempo da colaboração com o nazismo.
Um amigo, jornalista italiano, nos escreveu de
Roma um mail propondo-nos asilo político na Itália.
Uma tentação...
Portinari, um ilustre desconhecido no Grand Palais
Esta é sua quarta viagem a Paris mas é a primeira em que as obras o representam. Nas outras três, Portinari veio em carne e osso. Em 1929, com bolsa de estudos, em 1946, para uma exposição na galeria Charpentier e, em 1957, para uma grande exposição de 136 obras.
Mas
desde então, Paris não viu mais nenhuma exposição do maior pintor brasileiro do século XX. Agora, os
dois murais monumentais, “Guerra e Paz”, que Portinari realizou para a ONU, de
1952 a 1956, são o centro da magnífica exposição inaugurada com grande pompa
dia 6 de maio no Grand Palais, um dos museus mais prestigiosos de Paris.
A
mostra foi fruto da vontade de dois presidentes socialistas, François Hollande
e Dilma Rousseff, que quiseram, assim, lembrar a mensagem humanista de
Portinari. Essa é a primeira vez que essa obra monumental sai da América e
atravessa o oceano Atlântico, depois de ter sido exposta com enorme sucesso no
Rio e em São Paulo. Os paineis haviam
voltado ao Brasil para serem restaurados por uma equipe de restauradores
dirigida por Edson Motta Filho e Claudio Valério Teixeira.
Portinari
aderiu ao Partido Comunista Brasileiro em 1945. Por isso, não pôde entrar nos
Estados Unidos para a colocação de seus paineis. O país estava mergulhado na
caça às bruxas do macartismo, a patrulha anticomunista vivia seu apogeu. Por ser comunista, o artista
nunca viu sua maior obra no local para o qual fora destinada.
O
jornal Libération apresentou
Portinari como “um dos maiores artistas
da América Latina, o Michelangelo brasileiro”, cuja obra é marcada pela luta
contra o racismo e a miséria. Mas o brasileiro ainda é um artista pouco
conhecido na França, o que lamenta o jornalista Vincent Noce, que fez em sua
reportagem uma apaixonada defesa da obra de Portinari, também comparado a Diego
Rivera, o grande pintor mexicano, a quem foi dedicada uma grande exposição no
ano passado, em Paris.
Se
depender do Libé, que dedicou quatro
páginas centrais em cores e repletas de fotos dos deslumbrantes paineis e de
outras obras do pintor, Portinari já não será mais um ilustre desconhecido dos
franceses.
Em
outro artigo no mesmo jornal, o conservador do Centro Pompidou, Nicolas
Liucci-Goutnikov assinala o caráter mestiço e multicultural da sociedade
brasileira, perfeitamente representada na arte do Modernismo, do qual Portinari
foi o maior representante na pintura.
O
fato de ter sua obra praticamente escondida dos olhos do público explica o
precário conhecimento do artista no estrangeiro. Seu filho, João Cândido, informa que 95% da enorme obra
de Portinari não é visívil por estar em casas de colecionadores. Segundo ele,
das 5.100 obras inscritas no catálogo raisonné
do artista, apenas 200 estão no estrangeiro.
Agora,
é preciso aproveitar a chance rara de ver Portinari no Grand Palais onde, além
dos impressionantes e magníficos paineis, outros quadros e dezenas de estudos
para Guerra e Paz podem ser vistos, além de vídeos que contam a restauração e
mostram o sucesso da exposição no Rio e em São Paulo.
A deslumbrante exposição de Portinari em Paris, que revi neste domingo, termina no dia 9 de junho.
*Publicado dia 26 de maio, no Observatório da Imprensa
Gréco no Olympia
Ela está muito bem para seus 87 anos. Mas quem
pensa que uma “vieille dame” de 87 anos só quer se poupar para durar um pouco
mais não conhece Juliette Gréco. A musa dos existencialistas de
Saint-Germain-des-Prés, que despertou grandes paixões, inclusive em Miles
Davis, com quem teve um affair tórrido, deu dois concertos no Olympia no mês de
maio.
Fomos vê-la no sábado, dia 17, e não havia um só
lugar vazio.
Apesar de não ter mais voz (ainda jovem sua
presença era mais forte que sua voz), ela tem um incrível domínio do métier.
Como sempre fez, interpreta seus antigos sucessos como uma atriz, sua voz
desfila toda a gama de emoções: ela sabe dar às letras das músicas um toque de
ironia, melancolia ou provocação. Deshabillez-moi,
Ne me quitte pas ou ainda La javanaise, sucessos que ela criou para
compositores como Nyel-Verlor, Jacques Brel e Serge Gainsbourg faz seus fãs
vibrarem como no passado. A média de idade dos espectadores é, digamos, avançada,
mas vi jovens e até mesmo crianças.
Acompanhada ao piano por seu marido, o
compositor Gérard Jouannest, e por um jovem acordeonista, a musa foi recebida por um público que não poupou uma
standing ovation quando entrou em cena e quando deixou o palco.
Une grande dame, que viveu intensamente sua
militância à esquerda, quase foi presa pela Gestapo que deportou sua irmã e sua
mãe a um campo de concentração, nunca deixou de ser feminista e sempre se
mostrou interessada pelos novos compositores que surgem na música francesa. Entrevistei-a
há alguns anos para a Carta Capital e guardei uma foto de nosso encontro, feita
por sua assessora de imprensa.
No youtube, Gréco diz como ela quer ser despida
por seu amante:
Os 100 mais
Entre as 100
personalidades mais influentes do mundo
eleitas pela revista Time não havia
nenhum brasileiro.
Também nenhum francês fazia
parte da lista.
Mas lá estão
José Mujica, Snowden, Putin, Angela Merkel, Michelle Bachelet, Obama e Hilary
Clinton.
Depois de Lula, a política brasileira
perdeu a visibilidade no resto do mundo. O ex-presidente foi o Homem do Ano, de
2009, da revista semanal do jornal Le
Monde, inaugurando o título que a
revista criou naquele ano.
Quando o Brasil revelará
novos Aírton Senna, Villa-Lobos ou Tom Jobim para voltar a ser admirado no
mundo fora dos campos de futebol?
“Traduzir” Machado
Essa moça que quer "traduzir" Machado comete
um equívoco. Quem aprovou projeto tão estapafúrdio? Nivelar por baixo não vai
nos levar a formar leitores de qualidade. Depois não nos lamentemos pelo fato
de não termos nenhum Nobel em nenhuma área do conhecimento.
Simplificando, simplificando, a gente vai
ficando para trás. Em vez de ter ambição de fazer os menos letrados se tornarem
leitores dos verdadeiros escritores, preferimos tomar um atalho para
“simplificar” os gênios.
Por que não dar Paulo Coelho ou José Sarney para
os simples lerem?
A nova família
Na França, 56% das crianças já nascem de pais não
casados. O site americano Vox.com pensa que os franceses estão inventando a nova
família. Campeões de nascimentos sem os laços do casamento, os franceses são
seguidos da Suécia, com 55%, dos Estados Unidos, com 41%, do Canadá, com 27%. E
no fim da fila vem Israel, com apenas 5% de crianças nascidas de pais não
casados.