sexta-feira, 16 de maio de 2008

A penúltima vez que a burguesia francesa teve medo

Forget 68. É o desejo de Daniel Cohn-Bendit e o título de seu livro, um dos 85 lançados em Paris este ano para comemorar os 40 anos da revolta dos estudantes e dos trabalhadores franceses, que paralisou a França e marcou o país para sempre.

A direita detesta Maio de 68. Sarkozy disse que é preciso “liquidar com essa herança”. Quando ele pensa nela, refere-se ao levante estudantil que parou as universidades e enfrentou a polícia com paralelepípedos arrancados das ruas do Quartier Latin, transformado num verdadeiro campo de batalha. Um detalhe: não houve uma única morte em diversos dias de confrontos violentos, com carros incendiados e barricadas em torno da Sorbonne. Ele pensa também nas greves de todas as categorias, que paralisaram a França e a presidência do general De Gaulle.

A esquerda glorifica Maio de 68 relembrando as greves dos trabalhadores e as conquistas históricas.

Na Universidade de Nanterre, a revolta estudantil tinha um rosto: o estudante de sociologia Daniel Cohn-Bendit, apelidado pela imprensa de “Dany, le rouge” porque era ruivo e porque era membro de um partido anarquista.

Nanterre ficou como um dos símbolos da revolta dos estudantes franceses de Maio de 68. Mas, com o passar do tempo, tudo foi se apagando na amnésia coletiva. Sobraram as imagens emblemáticas do Quartier Latin sem paralelepípedos, arrancados pelos estudantes para atacar os policiais, dos carros queimados, das barricadas perto da Sorbonne. Festejado pela mídia a cada dez anos, Maio de 68, com as reivindicações e conquistas da esquerda operária e estudantil, ainda incomoda a direita. O filósofo e ex-ministro Luc Ferry, autor de um livro sobre o período, tenta reduzir as revoltas dos estudantes e dos trabalhadores a um movimento por liberdade individual e casamento por amor.

Mas, segundo o filósofo e psicanalista Bertrand Ogilvie, de 55 anos, professor de filosofia em Nanterre, Maio de 68 foi, antes de tudo, “a penúltima vez que a burguesia francesa teve medo”. A última foi em 1981, com a vitória de Mitterrand e a fuga de capitais para o exterior.

O Maio de 68 francês começou em 22 de março, em Nanterre, quando os estudantes fizeram um movimento pedindo a libertação de militantes do “Comitê Vietnã”, em prisão domiciliar. Um jovem estudante de sociologia de 22 anos propõe a ocupação de um dos prédios da Universidade por toda a noite. Esse militante anarquista se chamava Daniel Cohn-Bendit e, naquele dia, outros estudantes se juntam a ele. Está lançado o “Movimento 22 de março”.

Nanterre era um centro importante de estudantes anarquistas, como Cohn-Bendit que pertencia ao grupo anarquista Preto e Vermelho, militantes trotskistas, como Daniel Bensaïd, ou jovens da Juventude Estudante Cristã. O diretor da faculdade de Letras não era outro senão o filósofo Paul Ricoeur. Daniel Cohn-Bendit era conhecido por suas intervenções nas aulas de Alain Touraine. Com a radicalização do movimento estudantil, Cohn-Bendit, que tinha adotado a nacionalidade alemã de seu pai para fugir ao serviço militar, é expulso da França em 22 de maio.

Hoje, Nanterre é dividida entre estudantes de direita e um grupo menor, cerca de 20%, de estudantes de esquerda, dos cursos de filosofia, sociologia, artes do espetáculo e linguística.

“O espírito de Maio de 68 está muito longe de Nanterre hoje” diz o estudante de filosofia Djamel Boubegtiten. Mas ele vê na luta pela causa dos “sans-papiers”, trabalhadores estrangeiros sem documentos, perseguidos pelo governo para expulsão e mão-de-obra explorável por patrões sem escrúpulos, a nova forma de militantismo dos estudantes de esquerda como ele.

Os filósofos Alain Badiou, Étienne Balibar e Bertrand Ogilvie também estão engajados na defesa dos direitos dos “sans-papiers”, os novos párias da sociedade francesa e européia.

Resumindo, em Nanterre os estudantes de cursos como Direito e Economia, Finanças e Gestão são de direita. Os de Filosofia, Sociologia e Literatura são de esquerda. Os primeiros são a esmagadora maioria. “Durante a greve do ano passado, muitos não escondiam o orgulho de serem brancos, ricos e de direita”, conta Djamel Boubegtiten. “Quando bloqueamos a entrada aos cursos, vimos alguns fazerem a saudação nazista diante de nós para nos provocar”.

Os tempos mudaram. Nanterre não é mais a mesma. A França não é mais a mesma. Daniel Cohn-Bendit prefere que se esqueça Maio de 68.

Plantar para alimentar homens ou automóveis ?

O sociólogo suíço Jean Ziegler, que acaba de deixar o posto de Relator Especial das Nações Unidas para o direito à alimentação, autor do livro “O Império da vergonha”, responsabiliza os donos do mundo (leia-se os países ricos) pela epidemia de fome no planeta, que já começou a dar sinais de uma gravidade extrema, com o do preço dos cereais e as revoltas que se espalham por diversos países, para protestar contra a inflação galopante.

“Quando se lança, nos Estados Unidos, graças a 6 bilhões de dólares de subvenções, uma política de produção de energia alternativa que rouba 138 milhões de toneladas de milho do mercado de alimentos, está se lançando as bases de um crime contra a humanidade pela sede de energia... Pode-se entender o desejo do governo Bush de se tornar independente das importações de energias fósseis mas isso desestabiliza o resto do mundo. E quando a União Européia decide atingir a produção de 10% desses combustíveis em 2020, quem carrega esse fardo é o campesinato africano”.

Será que é uma boa decisão plantar cana-de-açúcar no Brasil, em vez de produtos alimentícios?


Papa à vista para a América Latina?

Leio no jornal comentário do especialista em Vaticano sobre a saúde frágil de Bento XVI, ex-cardeal Ratzinger, responsável pela feroz campanha que feriu de morte a Teologia da Libertação.

Leio também o perfil do Cardeal Oscar Rodriguez Maradiaga, arcebispo de Tegucigalpa, Honduras, e fico feliz de ver que a Igreja Católica oscila entre os conservadores, como Ratzinger, e figuras modernas e solares como o cardeal Maradiaga.

Um livro de entrevistas com ele acaba de sair em Paris. Ele imagina que já é hora de a Igreja Católica eleger um papa que não seja europeu. O futuro papa, segundo Maradiaga, deveria vir do Terceiro Mundo, particularmente da América Latina onde vive a metade dos católicos do mundo. O cardeal Maradiaga, novo presidente da Caritas Internacional, já foi ouvido no Forum de Davos e é muito respeitado nos organismos internacionais como o FMI ou a OMC. Ele garante que o etnocentrismo de Roma levou a uma condenação absoluta da teologia da Libertação, que dava frutos verdadeiros do ponto de vista pastoral junto a assembléias não politizadas. O cardeal Maradiaga tem um espírito jovem para seus 66 anos: gosta de voar de helicóptero e, como músico que é, aprecia a bossa-nova. Como homem da Igreja define como vê o futuro papa: “Um homem do século XXI, que conciliará tradição e inovação”.

Um “papabile” que desponta?

Um comentário:

Valéria Martins disse...

Querida Leneide, não sei se vc acompanhou a quantidade enorme de matérias e suplementos sobre Maio de 68 publicados na imprensa brasileira. Curiosamente, achei o do Globo o melhor, pois deu um panorama do que aconteceu na Europa, e não somente na França, assim como seus reflexos até hoje nesses países.
Acho que precisamos de um novo Maio de 68 e escrevi sobre isso... Beijos