sexta-feira, 28 de novembro de 2008

LÉVI-STRAUSS

Claude Lévi -Strauss festeja 100 anos nesta sexta-feira, 28 de novembro.
Além de exibir documentários e algumas das três mil fotos feitas pelo próprio antropólogo entre os índios do Brasil, o Musée du Quai Branly, o novo museu de Paris dedicado às artes primordiais ou “arts premiers” (antes chamadas de “arts primitifs”) programou uma homenagem original ao professor Lévi-Strauss: durante todo o dia, cem “personalidades do mundo da arte e da ciência” vão ler trechos de sua obra. Entre os cem, estarão o “tout Paris” intelectual, que inclui Julia Kisteva, Bernard-Henri Lévi, Jacques-Alain Miller, Elisabeth Roudinesco, além da antropóloga brasileira Manuela Carneiro da Cunha, que assina um texto sobre “Tristes Trópicos” no caderno especial do “Le Monde” dedicado ao mestre.
O estruturalismo, o pensamento selvagem, o cru e o cozido, os tristes trópicos. Mesmo quem não é especialista do pensamento de Claude Lévi-Strauss é tomado de emoção por vê-lo completar um século.
A Folha de São Paulo me pediu uma entrevista com Lévi-Strauss há poucos meses. A assistente do mestre se desculpou. O professor não dá mais entrevistas.
Na quinta-feira, véspera do aniversário, o canal franco-alemão “Arte” dedicou o dia inteiro à vida e à obra do professor que publicou “Tristes trópicos”, em 1955, com digressões sombrias a respeito das perspectivas da civilização mundial, marcada, segundo ele, pelo inchaço demográfico e pela homogeneização cultural.
A qualidade literária do livro é tal que naquele ano a Academia Goncourt publicou um comunicado lamentando não se tratar de um romance, pois teria sido ele o premiado. O antropólogo ficou sem esse prêmio, mas outros não lhe faltaram, inclusive a eleição para a Academia Francesa. Lévi-Strauss terminou sua vida ativa como professor no Collège de France, mas muito jovem lecionara na Universidade de São Paulo, que viu nascer.
O que fica da vida e da obra de Lévi-Strauss é um olhar novo sobre as chamadas sociedades primitivas. Suas fotos e os objetos de sua coleção estão reunidos no Musée du Quai Branly. Seu último livro, “Saudades do Brasil”, reúne as fotos do antropólogo que diz desconfiar da fotografia porque ela lhe dá “a sensação de um vazio, de uma falta, pois há sempre algo que a objetiva não consegue captar”.
Lévi-Strauss disse uma vez que o mundo que ele conheceu e amou tinha apenas dois bilhões e meio de indivíduos. Segundo ele, a perspectiva de sermos em breve nove bilhões coloca a espécie humana “numa espécie de regime de envenenamento interno”.
Na Fundação Cartier, os Yanomami brasileiros dizem num filme extraordinário de Raymond Depardon e Claudine Nougaret sobre o desenraizamento de populações no mundo: “Quando os brancos chegarem com as grandes máquinas nessa floresta, eles sujarão as águas. E morrerão todos como nós. Não pensem que somente os Yanomami vão morrer”.

CONTRA O RACISMO

Do historiador Tzevetan Todorov leio um texto que nos remete à antropologia e a Lévi-Strauss. Um recado sucinto e definitivo aos que, como Bush, Berlusconi e outros “pensadores”, tentam hierarquizar os seres humanos por raça ou pertencimento a tribos ou culturas:
“Pela maneira como se percebe e se acolhe os outros, os diferentes, pode-se medir nosso grau de barbárie ou de civilização... Ser civilizado significa ter a possibilidade de reconhecer plenamente a humanidade dos outros, apesar dos rostos e hábitos diferentes dos seus; saber se colocar no lugar do outro e saber se olhar de fora de si mesmo”.

sexta-feira, 14 de novembro de 2008

CHER BARAK

Sarkozy pediu a assessores para ser acordado logo que a vitória anunciada pelas pesquisas fosse confirmada. Apenas quatro minutos depois da fala de John McCain admitindo a derrota, uma hora antes de Gordon Brown e duas horas antes de Angela Merkel, o presidente francês assinava uma carta manuscrita ao novo presidente. Ela começava com um “Cher Barak”. Sem o c antes do k. Quem revelou o erro na ortografia do nome de Obama foi o jornal alemão Bild, que escreveu a notícia com o título: “Errado”.
Maldosos, esses alemães, ou apenas sarkofóbicos?
Sarkozy fez questão de ser o primeiro chefe de Estado a cumprimentar Barack Obama por sua vitória. O "Le Monde" assinalava, num texto deliciosamente irônico, que o presidente francês vai ter que fazer muito mais fogos de artifício para aparecer agora que a “Obamania” tomou conta do mundo. Era fácil brilhar tendo ao lado figuras lamentáveis como Bush ou Berlusconi. Fica mais difícil com o carismático Obama no cenário político mundial.
Outro que mais uma vez se excedeu foi o milionário com pinta de camelô bem-sucedido que governa a Itália. Ao dizer que Obama é “jovem, belo e bronzeado” Berlusconi mostrou-se, mais uma vez, à altura de sua biografia de “parvenu”. E dispensa comentários.

FRANÇOIS, JACQUES E NICOLAS

Os últimos presidentes franceses se chamaram François, Jacques e Nicolas.
Quando a França elegerá um Muhamad ou Jamel? Respondo: “Ce n’est pas demain la veille”, como diz o ditado francês. A expressão que acho deliciosa (“amanhã não é a véspera”) quer dizer exatamente isso: nem tão cedo um francês mestiço governará o país.
No momento em que o mundo inteiro festejava a eleição do primeiro presidente americano mestiço, os jornalistas e intelectuais franceses começaram a se interrogar sobre a visibilidade das minorias na França.
O realidade não é muito animadora. Isso sem nem levar em conta a remotíssima hipótese de um presidente negro ou mestiço no país de Voltaire. Apenas uma olhada na mídia e no Parlamento já daria para perceber o atraso da França em matéria de promoção da diversidade étnica.
Tanto na vida política quanto na mídia francesa as minorias de origem árabe, asiática ou africana estão muito pouco representadas. Na Assembléia Legislativa há apenas uma deputada de origem africana. Nenhum deputado de origem árabe ou asiática toma assento entre os 577 deputados franceses.
Na mídia audiovisual, essa representação também é muito menor do que o ideal, segundo o Observatório da diversidade na mídia, criado no ano passado e ligado ao Conselho Superior do Audiovisual (CSA). Como álibi, os canais France 3 e TF1 têm respectivamente Audrey Pulvar e Harry Roselmack, dois belos e competentes apresentadores de origem africana.
No país dos direitos humanos, em que falar de raça ou origem étnica é uma heresia intolerável (não se sabe quantos árabes, negros ou judeus existem na França por causa do tabu de recensear a população por características étnicas ou mesmo origem religiosa), a luta contra discriminações no audiovisual está inscrita na lei sobre igualdade de oportunidades, adotada em 2006 no governo de Jacques Chirac.
No ano passado, a imprensa debateu durante várias semanas a validade de recensear a população através de classificações étnico-raciais, como queria o governo Sarkozy. A iniciativa foi denunciada como uma deriva perigosamente racista pela associação “SOS Racisme”, que publicou uma petição contra o recenseamento étnico, assinada por intelectuais e diversas personalidades.
No dia 15 de novembro do ano passado, o Conselho Constitucional validou a lei do governo Sarkozy que introduzia testes de DNA no direito dos estrangeiros. Por outro lado, o mesmo Conselho anulou o artigo que autorizava as estatísticas étnicas.
Eis alguns trechos da petição de “SOS Racisme”, assinada por milhares de pessoas. Em francês, para manter o sabor do texto original:
(...)
Je refuse que quiconque me réclame ma couleur de peau, mon origine ou ma religion… Ni l’Etat, ni mon chef d’entreprise, ni un institut de sondage. Je refuse que l’on puisse faire de même avec mon conjoint, mes enfants ou mes parents… Mon identité ne se réduit pas à des critères d’un autre temps… Celui de la France coloniale ou d’avant août 44.
Je m’oppose à un Etat qui réhabilite une nomenclature raciale en se fondant sur la couleur de peau ou établisse un référentiel ethnico-religieux sur la base d'origines ou d'appartenances confessionnelles réelles ou supposées en totale contradiction avec les libertés et droits fondamentaux de la personne.
(…)
Autoriser de telles les « statistiques ethniques » conduit à renforcer une vision ethnicisante du monde et offre une prétendue caution scientifique aux stéréotypes racistes qui continuent malheureusement de travailler de l’intérieur la société française. Après les tests ADN qui organisent un « tri » parmi les immigrés, la dimension raciale et/ou ethnique ne doit pas servir à diagnostiquer les Français.
Je refuse que l’on m’enferme dans une catégorie ethno-raciale pour finalement, à l’aide de cette dangereuse grille d’interprétation, définir mes droits et juger mes comportements …
(…)

sexta-feira, 7 de novembro de 2008

Cildo Meireles na Tate Modern



São sete salas, metade do quarto andar do enorme prédio da Tate Modern, em Londres. Todas repletas de obras de Cildo Meireles. Um verdadeiro passeio por 40 anos de trabalho, uma antologia de sua obra. Um acontecimento cultural que no dia do vernissage, 13 de outubro, levou 1200 pessoas à Tate, inclusive diretores de alguns dos maiores museus do mundo.
É uma verdadeira consagração, a maior para um artista brasileiro vivo na Europa, segundo a Tate. O brasileiro é o primeiro latino-americano vivo a ter uma retrospectiva de sua obra no maior museu britânico de arte moderna e foi apresentado por um crítico do jornal “The Guardian” como “o mais importante dos herdeiros de Lygia Clark e Hélio Oiticica ». Meireles foi também o primeiro artista brasileiro a ter uma mostra individual no Museu de Arte Moderna de Nova York (MoMA).
Entre as 80 obras do artista carioca de 60 anos, as instalações monumentais foram as que mais impacto causaram no vernissage. Entre elas, « Fontes », feita de relógios nas paredes e fitas métricas pendendo do teto, « Volátil », na qual o público entra pisando em um monte de talco industrial, e « Desvio para o vermelho », em que todos os objetos da casa são totalmente vermelhos. Para poder entrar no espaço fechado de « Volátil » e de « Desvio para o vermelho » era preciso esperar numa fila.
Como a exposição do artista brasileiro dura praticamente três meses (de 14 de outubro a 11 de janeiro) e a Tate Modern recebe 12 mil visitantes por dia, ela tem um potencial de um milhão e oitenta mil visitantes (se todos os que forem à Tate Modern visitarem a exposição Cildo Meireles).
Essa extraordinária exposição não vai ser vista no Brasil devido ao altíssimo custo. Dommage. De Londres, ela segue para Barcelona, Houston, Toronto e Los Angeles.
A Tate Gallery, do outro lado do Tâmisa, expõe Francis Bacon, um dos maiores pintores ingleses do século XX. Uma magnífica exposição, que visitei calmamente, em raro momento de introspecção, num dia cinzento. A ida a Londres já teria valido a pena por Cildo Meireles e Francis Bacon. Mas fui também conhecer o Museu Freud, onde fiz uma visita guiada pelo próprio diretor, Michael Molnar. Fiquei emocionada ao ver o consultório londrino com o famoso divã em que Freud deitava seus pacientes, em Viena e depois em Londres. Apesar de ter emprestado 90 peças da coleção de estatuetas antigas de Freud ao Museu Rodin, que realiza uma exposição em Paris sobre as coleções Freud e Rodin, o museu de Londres ainda tem dezenas de pequenas estátuas antigas, uma das paixões de Freud e do escultor francês.


La Ciotat dos irmãos Lumière e da luz dos desenhos de Georges Rinaudo



Um dos primeiros filmes da história do cinema é de autoria dos irmãos Lumière e foi filmado numa cidade da costa mediterrânea francesa que ficou imortalizada no título : “L’arrivée d’un train en gare de La Ciotat”.
O filme é um documentário super-curto de apenas 52 segundos e foi rodado em 1895, nessa cidade da Provence, que tem pequenas praias e uma baía famosa por sua beleza. A cidade viveu muito tempo em torno dos estaleiros navais e foi escolhida pelos inventores do cinema como cenário do documentário porque a família Lumière, de ricos industriais de Lyon, tinha na cidade um palacete – le palais Lumière – onde passava o verão.
A história de La Ciotat está ligada a duas invenções: o cinema e a pétanque. Do cinematográfico, ficou o cinema Eden, considerado a mais antiga sala de cinema do mundo. Tombado, o prédio está sendo restaurado para voltar a funcionar em breve. Da pétanque, inventada há cem anos, ficou em La Ciotat a paixão pelo esporte das pesadas bolas que se lançam com uma das mãos, com um movimento de corpo que lembra o do boliche. Apesar de provençal, a pétanque foi exportada para toda a França. No Jardin du Luxembourg, em Paris, um terreno de pétangue reúne aficionados do jogo todos os dias. Existe até um clube organizado com estatuto e sócios. É tipicamente um esporte de aposentados. Praticamente não há jovens entre os jogadores.
Há alguns anos freqüento pelo menos uma vez por ano a região de La Ciotat, onde temos um amigo que é artista plástico. Georges Rinaudo desenha a lápis a partir de fotografias, cartões postais ou imagens da imprensa. Faz também desenhos de observação ao vivo como os que ilustram o livro “Retours à La Ciotat”, um livro de desenhos do porto e dos estaleiros, com textos de Michel Plon e Louis Olive. Mas o artista prefere trabalhar a partir de imagens de fotógrafos. Rinaudo é um fino observador e colecionador de imagens que revisita em finas hachuras, pequenos e delicados traços, milhares de pequenos pontos que formam paisagens e rostos. É um trabalho de uma delicadeza e beleza extraordinárias. Ele criou uma técnica própria, única, feita de traços milimétricos que renovam através do crayon sombras, textura, volumes e cores as imagens fixadas pela máquina fotográfica. Georges, que um dia se definiu como un “dessinateur de photos” se “vinga” da prerrogativa da fotografia de descrever o mundo no lugar do desenho, como assinala o fotógrafo Yves Gallois, na apresentação do belo livro “Dessins de Photographies 1966-2000.”
Apesar de ser um apaixonado por imagens, Georges nunca foi flagrado com uma máquina fotográfica na mão. Nem dele nem de ninguém. Seu olhar observa a fotografia já pronta, impressa, no papel e dela se apropria. E suas mãos fazem a transposição da imagem para seu universo, dando um sentido com seu olhar, fazendo-nos descobrir nova imagem no papel coberto de sutis traços do lápis de cor.
Parodiando Picasso, Georges escreveu: “Eu não acho, eu não procuro, eu reflito”.

Espetando Sarko

A Justiça francesa julgou na semana passada o pedido do advogado do presidente Sarkozy de retirar o boneco com seu rosto chamado “Poupée vaudou”. O boneco continua sendo vendido já que a Justiça considerou que esse livro-objeto com a efígie do presidente tem sua circulação legitimada pela liberdade de expressão que deve existir numa democracia. O tribunal julgou que o “Manuel vaudou Nicolas Sarkozy” está “dentro dos limites autorizados da liberdade de expressão e do direito ao humor” e que pode continuar sendo vendido. O chefe de Estado pedia a retirada imediata do objeto alegando um direito à sua imagem absoluto e exclusivo.
O manual é um livro-objeto apresentado numa embalagem com uma boneca de tecido com a imagem do presidente, 12 agulhas e um texto de 56 páginas. Está sendo vendido pela internet desde outubro e custa 12,95 euros. No boneco, as frases e feitos mais detestáveis de Sarkozy podem ser espetados com as agulhas, como por exemplo, 170%, a percentagem do aumento que o chefe de Estado se outorgou logo depois de assumir o poder. Ou então a frase “Trabalhar mais para ganhar mais”, um dos leitmotivs da campanha.
Ségolène Royal que também foi brindada com um manual vodu com sua efígie não entrou na justiça tentando impedir a venda. Ela deve saber que a livre expressão de idéias é um dos pilares da democracia.
Será que Sarkozy esqueceu?