segunda-feira, 25 de maio de 2009

Aznavour toujours




“Le grand Charles”. Era assim que alguns jornalistas se referiam a De Gaulle, um homem alto, além de um grande homem. No mundo das artes, o “grand Charles” é baixinho mas seu talento, enorme. Um gigante no palco, Charles Aznavour completou 85 anos e teve direito a um especial na televisão, no canal líder de audiência, TF1.
Os olhos brilham cheios de inteligência e vida, a presença em cena é a mesma de sempre, a voz, um pouco mais rouca. Ele é o último monstro sagrado da canção francesa, que atravessa época de escassos talentos.
Para comemorar e cantar em dueto com Aznavour, Lisa Minelli veio dos Estados Unidos. Placido Domingo cantou uma canção com o amigo e Carla Bruni, não a Sarkozy mas a cantora, veio cantar com o grande compositor “que ela adora”. Foi a primeira vez que Carla apareceu num programa da TV francesa, como cantora, depois do casamento com o presidente. Ela havia dito que não faria mais turnês e shows enquanto fosse a primeira dama. Mas para homenagear Aznavour, não hesitou em subir ao palco e cantar em dueto uma de suas canções preferidas.
Foto de Leneide Duarte-Plon - Na parede, um cartaz de um show de Edith Piaf

Bon courage, Chouchou



Aliás, num vídeo que pode ser visto em diversos sites de jornais e revistas franceses, Carla chama o presidente de “chouchou”, quando lhe deseja um bom dia de trabalho (Bon courage, Chouchou). Sarkozy aparece de surpresa no meio de uma entrevista que ela dava como primeira dama, no Palácio do Eliseu, a jornalistas de uma revista feminina. O presidente troca algumas frases com as jornalistas e com Carla, fazendo gênero simpático e descontraído.
Barack Obama não imagina como depois de sua posse ficou difícil a vida de Sarkozy, que imaginou por algum tempo ser o presidente mais importante do planeta. Sobretudo, quando por seis meses presidiu a União Européia no ano passado.
A concorrência de Barack (Nicolas lascou “Barak” na carta de congratulações pela vitória) é uma pedra no sapato de Sarkozy que conta com o charme e a descontração de Carla Bruni para construir a imagem de um político moderno e dinâmico. Algo como um novo Kennedy, sonho que ele não esconde.
Ele já tem sua Jackie. Falta-lhe o charme e a elegância de John.



J’adore Rio



Ainda no show business, um ator e uma cantora fizeram recentemente elogios rasgados ao Rio e ao Brasil. Desta vez, sinceros.
Costumo ser muito cética quando leio elogios de estrangeiros que visitam o Brasil e dizem ter “adorado a cidade, o povo, a beleza das mulheres” e outras platitudes. O que se imagina que eles vão dizer a jornalistas brasileiros? Vão criticar a sujeira, as crianças de rua, os mendigos, as favelas, provas do nosso atraso e das desigualdades seculares?
Rrecentemente, numa revista francesa, em dois números quase seguidos, duas entrevistas me fizeram sorrir de prazer. Pelo conteúdo, um elogio ao que temos de melhor, nossa música. Mas sobretudo pela sinceridade : ambos falavam a jornalistas franceses e ao público francês.
A primeira foi com o ator Vincent Cassel, 43 anos, filho do ator Jean-Pierre Cassel, falando de seu filme mais recente. No destaque chamado carnet intime, ele tem de citar um disco. Cassel responde: “João Gilberto”, de João Gilberto. Ele virou minha cabeça quando eu tinha 17 anos e era somente um disco de bossa old school (em inglês no texto). Eu o ouço o tempo todo até hoje. Na pergunta um lugar, ele diz: “O Brasil, sem dúvida alguma”.
A outra personalidade foi a cantora e jazzwoman Diana Krall. Ela acaba de lançar um maravilhoso CD chamado “Quiet Nights”. Para quem não se recorda é o nome da canção Corcovado em inglês. O CD é uma maravilha, um deleite de A a Z. Numa entrevista sobre o disco ela diz : “No ano passado, fui ao Rio. Fiquei apaixonada por essa cidade, o país, a música, o repertório do compositor Antonio Carlos Jobim e isso se transformou num álbum. Esse disco é uma carta de amor ao Brasil, a meu marido, aos meus filhos gêmeos, a Vancouver também, a cidade onde vivo. O disco tem um certo erotismo, uma certa sensualidade. E isso é totalmente assumido.”
Maravilhosa Diana com sua voz incrível e seu piano delicioso.



Lei francesa só punirá os desinformados



Hadopi. Estranho nome para a lei francesa que pretende acabar com a pirataria na internet. Na realidade, a lei que vai controlar e punir os usuários da rede que baixam ilegalmente músicas e filmes tirou seu nome "fantasia" da sigla que define a autoridade administrativa criada pela França para sustar os acessos ilegais pela internet : Haute Autorité de Protection des Droits sur Internet (Alta autoridade de proteção dos direitos na internet), um órgão composto de nove membros.
A lei Hadopi se chama Loi Création et Internet (Lei criação e internet). Mas o que pegou foi Hadopi (com acento tônico no i), por facilitar o trabalho de jornalistas para títulos mas também pelo inusitado do nome.
Aprovada pela Assembléia Legislativa e pelo Senado na semana passada, a lei Hadopi tenta proteger e garantir a sobrevivência do direito autoral. A indústria do disco e do cinema são as beneficiárias da lei. Mas ela está longe de ser uma unanimidade.
Primeiro, pela forma de aplicação. Em seguida, pela discordância que gera no seio da própria Europa. Na semana que precedeu a aprovação da lei Hadopi pelo Senado francês, os eurodeputados se posicionaram (por 407 votos contra 57 e 101 abstenções) considerando que a suspensão do acesso à internet de um internauta comprovadamente autor de download ilegal só pode ser feita por decisão de Justiça e não por uma autoridade administrativa, como prevê a francesa Hadopi.
A íntegra desse artigo pode ser lida aqui.

terça-feira, 12 de maio de 2009

Boal vive



O dramaturgo e diretor Augusto Boal, criador do método do Teatro do Oprimido, praticado em mais de 70 países, foi homenageado pelo jornal comunista L’Humanité. Foi um momento de grande tristeza escrever esse obituário, que pode ser lido aqui.

Para homenagear Boal, a revista online Tropico republica uma longa entrevista que fiz com ele em Paris, em 2007. A íntegra dessa entrevista, publicada em parte pelo jornal L’Humanité no mesmo ano, pode ser lida aqui no site.

Veneza sem venezianos

Fotos Leneide Duarte-Plon

A sereníssima continua misteriosa, bela e única. E agora, ameaçada.
Leio que o prefeito Massimo Cacciari luta com um orçamento achatado pelo governo de Silvio Berlusconi. Daí, a permissão para uma grande marca colocar os enormes outdoors que servem para proteger o palácio dos doges durante obras de restauração. A prefeitura precisa faturar para preservar os palácios. Mesmo que a cidade já tenha uma intensa programação cultural que atrai milhões de turistas todo ano para o fabuloso carnaval, para a Bienal de arte e o Festival de cinema.
Mas apesar de receber um número de turistas sempre enorme, fascinados pela beleza inigualável, a cidade vai se esvaziando de seus habitantes. Em 1931, havia 164 mil venezianos, hoje eles são apenas 60 mil. Com cerca de 20 milhões de turistas por ano, uma média de 55 mil por dia, há dias em que tem mais turista que habitante na cidade dos doges.

Prepúcios de Cristo

Os meninos judeus são levados à sinagoga por pais praticantes no oitavo dia do nascimento para a cerimônia religiosa da circuncisão. Jesus não foi exceção. Seu prepúcio foi cortado por um rabino.
Mas como nenhum homem é dotado de mais de um prepúcio, Jesus não era, nesse caso também, uma exceção e deve ter tido um único prepúcio cortado. Como explicar, então, a exibição de três prepúcios de Jesus pela Igreja católica apostólica romana?
Em seu livro reeditado em Paris, Traité des reliques, o teólogo e reformador francês Jean Calvin, (1509-1567), pai do protestantismo francês, denuncia a idolatria e critica a prática mercantilista da Igreja católica de exibir relíquias para angariar dinheiro. No livro, Calvino revela um fino humor e uma irreverência pouco conhecida. Ele conta que a Igreja guarda pelo menos três prepúcios de Cristo: um na igreja de São João de Latrão, em Roma, outro na igreja de Carroux e um terceiro na igreja de Hildesheim. Não tenho foto dos prepúcios.
Quanto a pedaços da cruz de Cristo, todos reunidos dariam para construír dezenas de cruzes.

Mundo cão

Na semana passada, doze clandestinos afegãos foram descobertos no norte da França, perto de Calais, dentro de um caminhão cisterna, poucos minutos antes de ser carregado de ácido sulfúrico. Por pouco, esses jovens afegãos que pensavam que o caminhão ia atravessar o canal da Mancha não viraram uma pasta, derretidos pelo ácido.
E o pior é que o caminhão em questão nem ia para a Inglaterra, o Eldorado dos migrantes que vêm tentar passar o canal. O caminhão ia para a Bélgica.
Isso é vida real. Na ficção, foi lançado há poucas semanas um extraordinário filme francês chamado Welcome tratando do tema da imigração clandestina e do que os franceses chamam de “delito de solidariedade”. Sem ácido sulfúrico mas com fim trágico também.
Na França, ajudar um clandestino pode dar cadeia.

Fotos polêmicas

Uma exposição de fotos polêmicas pode ser vista ainda este mês na Biblioteca Nacional da França, no sítio Richelieu, o prédio histórico da BNF.
A exposição reúne oitenta imagens que causaram escândalo. Entre elas, a foto feita por um astronauta de outro astronauta no solo lunar. Quem não conhece a história? A famosa foto divulgada pela NASA do astronauta Neil Armstrong andando na lua em 20 de julho de 1969 tirada por seu companheiro de viagem Buzz Aldrin com uma Hasselblad seria um “fake”, que colocaria em questão até mesmo a viagem do homem à lua. A história é tão mirabolante que vale a pena ser contada : o cientista autodidata Ralph René diz em um livro de 1992 que a bandeira americana se move ao vento em um espaço onde a atmosfera não existe. Tem mais: o fotógrafo David Percy analisa as anomalias dessas fotografias divulgadas pela NASA. Segundo ele, existem diversas fontes de iluminação na foto, não há cratera sob o reator do módulo e nem poeira sobre os equipamentos. Além disso, segundo ele, a luz solar é difundida uniformemente em todo o espaço, como na atmosfera terrestre. Esses são alguns dos argumentos que alimentam a teoria do complot, segundo a qual a NASA teria enganado o mundo inteiro simulando em estúdio ou nos desertos americanos as expedições lunares.
Há quem jure que Stanley Kubrick realizou essas imagens para obter como empréstimo a sofisticada câmera da NASA que lhe permitiu filmar cenas noturnas de Barry Lyndon sem luz artificial.
As fotos, que datam do início da era da fotografia até hoje são acompanhadas de um texto que esclarece o tipo de conflito jurídico ou ético que elas geraram. O cartaz da exposição é a famosa foto de Oliviero Toscani, para a marca Benetton, em que um jovem padre beija na boca uma bela freira.

sábado, 2 de maio de 2009

Augusto Boal


Eu era fascinada pela inteligência, pelo entusiasmo e pela generosidade de Augusto Boal. Afabilidade e bom humor eram marca registrada desse homem de teatro para quem “cidadão não é aquele que vive em sociedade, é aquele que a transforma”. Defendia os oprimidos, quando a maioria prefere fazer aliança com os opressores. Frequentava os deserdados, quando poderia desfrutar das facilidades oferecidas pelos privilegiados. Participou do show business sem nunca se deixar ofuscar pelo brilho e pela superficialidade desse mundo. Era simples e otimista e, aos 78 anos, guardava uma alegria de criança. Escolheu seu campo desde cedo e, por isso, sofreu prisão e tortura durante a ditadura.
Tive o privilégio e o prazer de desfrutar da amizade de Augusto. Torci por ele quando foi indicado, no ano passado, ao Nobel da Paz pela sua maior criação, o teatro do oprimido. Acompanho seu trabalho há muito tempo, votei nele para a Câmara dos Vereadores do Rio. Eu o considerei meu Nobel da Paz, mesmo que o prêmio tenha ido para um finlandês ou dinamarquês, quem lembra do nome dele? Numa de suas viagens de trabalho pela Europa, fiz uma longa entrevista com Boal sobre o teatro do Oprimido, para o jornal comunista L’Humanité, (Augusto Boal, le théâtre contre l’oppression), publicada em março de 2007. A íntegra dessa entrevista foi publicada em português na revista online Tropico (http://pphp.uol.com.br/tropico/html/index.shl).
Nunca perdi a oportunidade de encontrá-lo em Paris ou no Rio, com meu marido e com Cecília, sua mulher. Uma vez, fomos com eles a Montreuil, onde Boal deu uma palestra sobre o teatro do oprimido para uma platéia entusiasmada com o brilho de suas idéias e com a técnica do seu teatro. Ouvi-lo era um deleite. Sua vida e o teatro do oprimido foram uma lição de solidariedade e fraternidade. Pessoas que em qualquer parte do mundo vivem situações de opressão podem se expressar através do método desenvolvido por ele.
O mundo inteiro o admirava. O teatro do oprimido é praticado em mais de 70 países. Ele vivia entre dois aviões, viajando por todos os continentes. Seu teatro é objeto de teses de diversas universidades do mundo.
A última vez que vi Augusto foi em Paris, no mês de março. Ele viera à Europa para, entre outras coisas, receber uma homenagem na Unesco, que o nomeou Embaixador Mundial do Teatro, no dia internacional do teatro, 27 de março. Sua maravilhosa mensagem, lida em todos os teatros do mundo, foi traduzida em 45 línguas e os cartazes das traduções foram colados numa das paredes perto do auditório onde ele foi homenageado (ver postagem desse blog no dia 27 de março).
Augusto Boal era o brasileiro mais admirável do Brasil atual. Faz parte do meu panteão de grandes homens apaixonados pelo Brasil. Nesse grupo figuram Barbosa Lima Sobrinho, Apolônio de Carvalho, Hélio Pellegrino e Alceu de Amoroso Lima.
Neste sábado, o Brasil ficou mais pobre.

So French !


“Un grand cru”. Foi como o jornal Libération classificou o primeiro de maio francês que levou dez vezes mais gente às ruas para protestar que um primeiro de maio “normal”, isto é, sem crise.
Em Paris, o cortejo saiu de Denfert-Rochereau sob um céu ensolarado e uma temperatura primaveril de 20 graus e desceu o Boulevard Saint-Michel em direção à Bastilha.
Pela primeira vez, oito centrais sindicais manifestaram unidas o descontentamento com a política de Sarkozy e sua gestão da crise. Como sempre, as avaliações do número de manifestantes variaram de acordo com os interesses. Para a polícia, havia 465 mil pessoas nas ruas e para a CGT um milhão e duzentas mil nas diversas cidades onde houve manifestações. Nas passeatas de 29 de janeiro e de 19 de março deste ano, havia mais gente nas ruas em toda a França. Na de março, a CGT estimou em 3 milhões o número de manifestantes, “apenas” 1,2 milhão segundo a polícia.
Os jornais atribuem a menor afluência desta terceira grande manif do ano, ao fato de o 1° de maio ter caído numa sexta, o que criou um fim de semana prolongado levando muita gente a preferir viajar em vez de ir desfilar para dizer a Sarko que “ça ne va pas”. Muitos se fantasiaram de palhaços.

Uma amiga inglesa de passagem por Paris foi comigo ver a manif e repetia fascinada: “Isso é tão tipicamente francês!” Ela já me acompanhara a uma conferência do ex-embaixador Stéphane Hessel, de 92 anos, e ficara impressionada com o número de pessoas que se deslocaram numa noite chuvosa, depois de um dia de trabalho, para ouvir um dos redatores da Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948) falar de Gaza e da situação da Palestina ocupada.
“So French”!

*Fotos de Leneide Duarte-Plon