Anne Sinclair, Amélia à la française, uma mulher fálica
Ela foi um dos rostos mais conhecidos da França, apresentadora do programa de entrevistas políticas 7 sur 7, de 1984 a 1997. Atualmente, é o centro de interesse de alguns psicanalistas franceses e do grande público, que se pergunta o que lhe passa no coração e na mente.
Anne Sinclair, 62 anos, nascida Anne-Elise Schwartz, deve ser a chave do mistério Strauss-Kahn. « Ela é uma mulher fálica », diz um psicanalista. Segundo a imprensa, o desejo da presidência vinha dela. Dominique Strauss-Kahn realizou (se realmente cometeu o estupro) um ato de libertação de uma campanha que inconscientemente não queria viver, diz outro psicanalista, cometeu um suicídio simbólico, pondo fim a sua carreira política quando sua popularidade estava no auge e era apontado como o melhor candidato do Partido Socialista para vencer Sarkozy em 2012. Antes do « affaire », Anne Sinclair declarara a um jornal que « a França está madura para eleger um presidente judeu » (como ela, neta do marchand Paul Rosenberg, herdeira de uma fabulosa fortuna, contada em bilhões de euros, posta a serviço da carreira do marido e que serve hoje para protegê-lo na difícil situação em que se encontra).
Anne Sinclair escreveu no seu blog, em 2008, depois que o affaire de DSK com a economista húngara do FMI foi desqualificado como abuso de poder na investigação interna do órgão : « Isto foi um affaire de uma noite, já viramos a página e nos amamos como no primeiro dia ». Antes dela, Hillary Clinton também aprendeu a engolir sapos e virar páginas na vida com Bill. Anne Sinclair se diz « blindada para o poder do boato ».
Veremos se o casamento vai resistir depois de passado o furacão do processo.
O tsunami – DSK é de esquerda ?
O « affaire » DSK foi como um tsunami, cuja violência é difícil de avaliar por quem não mora na França. Nesta segunda, todos pararam para ver e ouvir ao vivo o desenrolar do processo. Antes do affaire, Strauss-Kahn era o melhor colocado entre os políticos do Partido Socialista para derrotar o atual presidente Sarkozy na eleição de 2012. Pelas pesquisas, ganhava folgadamente no primeiro e no segundo turno, se a eleição fosse antes da semana fatídica. Ele era uma espécie de messias ansiosamente esperado que ao declarar sua candidatura e deixar o FMI em junho iria reunir as forças de esquerda em torno do projeto socialista. No segundo turno, DSK mandaria Sarkozy de volta para casa com sua mulher e o violão. Carla iria cantar em outra freguesia, não mais nos salões dourados do Elysée.
O sonho presidencial de Strauss-Kahn não era mais segredo para ninguém. De passagem por Paris em abril, encontrou-se com jornalistas para conversas em off nas quais admitia claramente sua próxima saída do FMI. Mas pairava uma dúvida. Antes da hecatombe, nos debates políticos, jornalistas e políticos de esquerda costumavam fazer a pergunta : « Dominique Strauss-Kahn é de esquerda ? » Os socialistas próximos de DSK não tinham dúvidas. Já Jean-Luc Mélanchon (criador do Parti de Gauche), como outros (inclusive a autora deste blog), tinha a resposta : um homem que aceita dirigir o FMI, com a imposição pelo órgão de políticas restritivas para os assalariados, aperto de cinto para os mais fracos, não pode mais ser considerado de esquerda.
O que é ser de esquerda ? Vou ficar sabendo o que dizem alguns intelectuais e políticos sobre o tema quando for ver o filme lançado esta semana em Paris. Après la gauche é do cineasta Jérémy Forni e nele políticos e intelectuais como Susan George, Lionel Jospin, Antonio Negri, Bernard Stiegler, Eric Hazan, Jean Ziegler, Robert Castel, Edwy Plenel, entre outros, debatem o que é a esquerda hoje, depois do desaparecimento da URSS e da recente crise financeira.
O que se passou na suite 2806 dia 14 de maio ? Por coincidência, 28/06 era a data limite que os candidatos do PS têm para depositar as candidatura às eleições primárias que indicarão o representante do partido em 2012. Um detalhe que mostra que, muitas vezes, a realidade pode ser mais intrigante que a ficção…
Se fosse na França, um « affaire » como esse nunca seria do conhecimento público, sustentam alguns. A polícia francesa trataria de abafar o caso, o poderoso (fosse americano, francês ou russo) partiria em paz e a « femme de chambre » se calaria para sempre. Jornalistas, sociólogos e feministas enfatizam que muitos outros casos escandalosos (envolvendo DSK ou outros personagens) eram do conhecimento dos jornalistas e nunca chegaram ao público. O affaire DSK mudou para sempre o panorama político francês. Um novo caso, desta vez envolvendo o ministro e prefeito de Draveil, Georges Tron, mistura abuso de poder e assédio sexual. O ministro se demitiu (pressionado pelo Eliseu). Esse afastamento imediato, logo depois da denúncia, é a prova de que nunca mais o mundo político francês será o mesmo. Detalhe : aqui na França existe o que se chama cumul des mandats : um ministro pode ser prefeito, deputado e ministro e exercer ao mesmo tempo as três funções. Ou apenas duas delas, deputado e prefeito, como dezenas deles.
Entre as dezenas de piadas em torno do affaire DSK, duas são publicáveis :
O filme sobre a campanha de Sarkozy para presidente, lançado em Cannes, se chama « La conquête du pouvoir » (A conquista do poder). O filme sobre DSK vai se chamar « La quéquette du pouvoir » (quéquette é uma gíria para o órgão sexual masculino). Por associação, me vêm à mente outras palavras que designam o órgão sexual masculino e são todas femininas. « Bizarre », diria minha amiga Françoise…
Outra piada diz que DSK « confundiu as primárias com as preliminares ». Em francês, há uma rima rica (Il a confondu primaires avec préliminaires…).
Abaixo, o texto que escrevi para o Observatório da Imprensa sobre o mea-culpa da imprensa francesa, acusada por muitos de « omertà » pois o diretor-geral do FMI carregava uma série de histórias conhecidas no meio jornalístico.
Caso Strauss-Kahn - A omertà da imprensa francesa
Leneide Duarte-Plon, publicado no Observatório da Imprensa de 25/5/2011
Por que os jornalistas franceses se calaram tanto tempo? A imprensa deve publicar tudo o que os jornalistas sabem sobre a vida privada dos políticos? Onde termina a vida privada e onde começa a vida pública? Por que a imprensa francesa nunca comentou as histórias de donjuanismo de Dominique Strauss-Kahn, o ex-diretor-gerente do Fundo Monetário Internacional?
Excetuando-se o caso que ele teve com uma economista do FMI, denunciado por um jornal americano e investigado pelo Fundo para ver se era o caso de afastar ou não o então diretor por assédio sexual, na França ninguém ousava escrever sobre o Don Juan que assediava jornalistas e colegas de trabalho. Com a tese de que a relação foi consensual, o FMI fechou aquela página e os socialistas se preparavam para apostar no brilhante economista para representá-los na eleição presidencial de 2012. DSK era o preferido da esquerda contra Sarkozy.
No entanto, le tout Paris jornalístico conhecia a fama de sedutor e mesmo de libertino (libertin, em francês, aquele que vive uma sexualidade livre, sem entraves, como os libertins do século 18) do personagem. Por que todos se calaram todo tempo?
Acusados pela imprensa internacional de timidez na melhor das hipóteses, incompetência e conivência na pior, os jornalistas franceses responderam com horas e horas de discussão, páginas e páginas de artigos tentando se justificar nos jornais, revistas semanais e programas de debates na televisão e no rádio. O jornal Le Monde publicou, entre outras, duas páginas exclusivamente de artigos sob o título geral "O papel da mídia no affaire DSK", seguido do subtítulo "Os jornalistas praticaram a ormetà em relação a Dominique Strauss-Kahn? Houve conivência entre os jornalistas e DSK?"
Num dos artigos, o jornalista Nicolas Beau relembra que seus colegas praticaram a omertá por 14 anos, escondendo da opinião pública francesa o que sabiam: que o então presidente da República François Mitterrand tinha uma filha fora do casamento; que a protegia às custas do contribuinte francês (com um esquema de segurança); e da cumplicidade dos jornalistas, impedidos de publicar a história por respeito à lei que reza que "todo cidadão tem direito ao respeito de sua vida privada".
Os jornalistas sabiam das relações extraconjugais dos presidentes Giscard d’Estaing e Jacques Chirac, e nunca uma linha sequer saiu nos jornais durante os respectivos mandatos. A mulher de Chirac mencionou as relações extraconjugais do marido em um livro de entrevistas a Patrick de Carolis, publicado quando ele ainda estava no poder.
Só até a porta do quarto
"A informação pára na porta do quarto de dormir", escreveu o semanário Le Canard Enchaîné em seu editorial do primeiro número depois do "affaire DSK. O jornalista Franz-Olivier Giesbert, diretor da revista Le Point defende a tese de que como não havia nenhum caso de delito, a imprensa não tinha que investigar a vida sexual de Dominique Strauss-Kahn, assim como não tem de investigar a vida de quem quer que seja.
A exceção à lei do silêncio foi o jornalista de Libération, Jean Quatremer, que escreveu no seu blog em 2007, logo depois da nomeação de Strauss-Kahn para a direção do FMI: "O único problema de Strauss-Kahn é sua relação com as mulheres. Apressado, ele beira frequentemente o assédio. Uma fraqueza conhecida da mídia, mas da qual ninguém fala..."
O único que teve a coragem e a audácia de comentar, em 2009, com um humor cáustico, a fama de Don Juan do então diretor do FMI foi o humorista Stéphane Guillon, numa crônica que fazia diariamente na estação de rádio France Inter. As alusões e os trocadilhos do genial texto de Guillon desagradaram ao poderoso DSK. Entrevistado ao vivo poucos minutos depois da crônica, Dominique Strauss-Kahn demonstrou seu descontentamento no ar. Poucos dias depois, o humorista foi demitido da rádio, uma das estações que fazem parte da estatal Radio France. A demissão provava que para o poderoso DSK "jornalista bom é jornalista calado".
A quem compreende o francês sugiro o vídeo de Stéphane Guillon lendo sua crônica (gravado ao vivo) e a reação de DSK
http://www.liberation.fr/medias/0101320078-comment-stephane-guillon-a-ulcere-dsk-sur-france-inter
Pressões da assessoria
No livro Sexus politicus, lançado em 2006, que analisa a sexualidade dos políticos franceses, os jornalistas Christophe Deloire e Christophe Dubois escreveram um capítulo dedicado a DSK e nele mencionavam, sem dar o nome dela, o caso da jornalista Tristane Banon, com quem Strauss-Kahn marcou um encontro para uma entrevista. Ao chegar, a jovem descobre que o apartamento é uma garçonnière com um sofá e uma cama como únicos móveis. Tristane contou que DSK tentou estuprá-la. Esse caso era conhecido de inúmeros jornalistas – que fizeram um silêncio ensurdecedor. O advogado da jornalista justifica: "É aterrorizador se opor a alguém como Dominique Strauss-Kahn".
Depois do atual affaire, o Libération lembrava que El País publicara um artigo de seu correspondente em Paris no qual atribuía a Sarkozy a recomendação feita a DSK, em 2007, logo depois de sua nomeação para o FMI: "Cuidado, nos Estados Unidos não se brinca. Evite entrar sozinho num elevador com uma estagiária. Você sabe de que eu estou falando. A França não pode se permitir um escândalo".
Na Itália, o jornal do irmão de Berlusconi, Il Giornale, atacou duramente os franceses num editorial: "Strauss-Kahn era de fato um homem doente que não foi impedido a tempo, pagando paradoxalmente pela sutil hipocrisia de uma França onde a imprensa não hesita em dar lições de transparência e moralidade aos outros, mas que diante de seus poderosos – seja Strauss-Kahn ou Sarkozy – se mostra extraordinariamente covarde. Covarde até a omertà".
O Times de Londres escreveu que os "britânicos podem ser pudicos em relação ao sexo enquanto os franceses são fascinados pelos sedutores políticos". Para o diário britânico, o escândalo DSK pode ser visto "como o machismo no banco dos réus, a cultura francesa do segredo que considera que ser mulherengo faz parte de uma longa tradição francesa: liberté, égalité, infidélité".
Na Newsweek, Michelle Goldberg escreveu que o silêncio da imprensa francesa que protegia DSK lembra uma conspiração para permitir a um homem poderoso a exploração de mulheres desprotegidas. "E os defensores de Strauss-Kahn, entre eles o eminente Bernard-Henri Levy, aparecem não como humanistas refinados, mas como membros de um clã de personalidades narcísicas dotadas de um sentimento desmesurado de que tudo lhes é permitido".
Os escrúpulos dos jornalistas não se limitavam aos escândalos sexuais de DSK. A omertà funcionava em todos os níveis. Quando o jornal France-Soir revelou – poucos dias antes do escândalo de Nova York – que os ternos de DSK custavam até 30 mil dólares, feitos pelo mesmo alfaiate de Barack Obama, em Washington, a agência France Presse confirmou a informação, mas a jornalista que fez a investigação sofreu todas as pressões imagináveis dos marqueteiros que cuidam da imagem do ex-chefe do FMI.
Todos iguais perante a Justiça ?
O campeão da democracia Bernard-Henri Lévy mostrou-se indignado pelo fato de DSK ser tratado pela Justiça americana como um cidadão como outro qualquer. Ora, para ele, a Justiça americana deveria tratar o então diretor-geral do FMI com as honras devidas aos poderosos e não como um cidadão comum. Afinal, a Justiça Americana é cega? Resposta a partir desta semana…
Árvore da vida, o garoto da bicicleta e Godard
Tree of life, de Terence Malick, Palma de ouro do festival de Cannes deste ano é um poema filosófico. Não agradou unanimemente à crítica francesa, dividida entre os que consideram Malick e o filme absolutamente geniais (com os quais concordo) e os que não se entusiasmam ou são imunes ao filme. Malick tem um currículo de pasmar : é filósofo, formado em Harvard e professor do MIT. Além do mais, é o contrário do mundo do show-business que faz tudo para aparecer. Para eles, aparecer é existir.
Já Malick não se deixa fotografar nem dá entrevistas. Estava no Festival de Cannes mas ninguém o viu, não apareceu nem mesmo para receber o prêmio. Seus amigos justificaram : Terence é tímido. O cineasta é simplesmente um homem genial, um intelectual discreto, o oposto da gente do show business onde a maioria faz tudo para aparecer.
Le gamin au vélo dos irmãos Dardenne é outro filme de Cannes (Grand Prix deste ano) que deve ser visto. O menino do filme é um ator de grande talento, o roteiro é vigoroso, os diálogos despojados. Tudo é justo e necessário na narrativa do drama humano de um menino rejeitado pelo pai. Uma aula de como fazer cinema sem « bavardage » e sem psicologia.
Vivre sa vie, de Jean-Luc Godard, de 1962, com Anna Karina com 22 anos e já uma atriz premiada no festival de Berlim, em 1961, por seu trabalho em Une femme est une femme, também de Godard, volta a Paris em nova cópia. No seu quarto filme, o cineasta, revelado no genial A bout de souffle (Acossado) mostra mais uma vez que faz cinema para inventar e subverter normas e regras da sétima arte. A forma é revolucionária, personagens filmados de costas, dialogam por longos minutos e o espectador os vê, quando muito, no reflexo do espelho do café. Econômico nos diálogos, o filme consolidou o prestígio de Godard e é uma declaração de amor a Anna Karina, então sua mulher. A câmera de Godard é totalmente apaixonada pela atriz que está no apogeu de sua beleza. Na sessão de sábado à tarde, no Quartier Latin, o fotógrafo François-Marie Banier (o queridinho de Liliane Bettencourt, a dona da L’Oréal) fazia fotos da fila antes de entrar para (re)ver o filme.
Depois de se separar de Godard, Anna Karina atriz trabalhou com outros diretores consagrados, escreveu quatro romances, gravou discos e dirigiu o filme Victoria, em 2008.
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