quarta-feira, 18 de abril de 2012

Mélenchon contra o tédio




Acabo de ler que uma pesquisa do Instituto Viavoice confirma que Jean-Luc Mélenchon, do Front de Gauche, é o « fenômeno de opinião » desta campanha. Em agosto de 2011, 22% dos franceses desejavam ver Mélenchon como presidente. Esta semana, a poucos dias do primeiro turno (dia 22 de abril), 24% dos eleitores ouvidos desejam vê-lo presidente. Segundo o analista François Miquet-Marty, de Viavoice, ele consegue convencer trabalhadores (22%), executivos (22%) e seduz também simpatizantes do centro e do Front National, o partido de extrema-direita (13%). Segundo Miquet-Marty ele conseguiu « espantar o tédio que rondava essa campanha » em que os eleitores pareciam desencantados e abatidos com a crise.
Mélenchon vai ser o fiel da balança, vai pesar muito no segundo turno, quando seus eleitores serão fundamentais para garantir a vitória de François Hollande e mandar Sarkozy definitivamente para casa. Depois, em junho, haverá eleições para o Parlamento e o Front de Gauche pretende formar uma bancada importante para puxar Hollande para a esquerda.
Na política francesa, Jean-Luc Mélenchon fez o Partido Comunista ressuscitar (pois era dado como morto e enterrado), numa aliança com o Parti de Gauche, formando o Front de Gauche, cujo slogan, « Prenez le pouvoir », já diz o que ele pretende : o poder nas mãos do povo, além da instauração da 6e République, com novas instituições mais democráticas.
Mélenchon é, sem dúvida, a grande novidade da eleição presidencial, com suas teses contra o pensamento único e a ditadura da finança sobre a política. Ele realizou três megacomícios, um na Place de la Bastille, em Paris, um na Place du Capitole, em Toulouse, e um no Prado, em Marseille. Em cada um dos três, levou cerca de 100 mil pessoas às ruas, num entusiasmo militante que não se via há muito tempo. Todos os grandes jornais do mundo falam de Mélenchon como a grande revelação dessa campanha.
Pascal Perrineau, diretor do Cevipof (Centre de Recherches sur la vie politique française de Sciences Po, Instituto de Ciências Políticas de Paris)  analisa o « fenômeno Mélenchon »: « Pela primeira vez, depois de muito tempo, um homem é capaz de encarnar essa cultura que o historiador François Furet qualificaria de revolucionária. Ele desperta energias e eleitores adormecidos ou desmobilizados. Essa indignação que ele conseguiu canalizar está presente sobretudo nos eleitores socialistas que sempre tiveram um certo complexo em relação aos eleitores mais à esquerda. Esse velho complexo está reaparecendo ».
A escritora Geneviève Brisac escreveu no Libération : « Quando leio na programação da TV que Mélenchon vai ser entrevistado me programo para assistir. Suas frases me entusiasmam. A République está viva. O socialismo é possível. A democracia é nosso horizonte. A justiça social vai passar ».
Resumindo : Mélenchon é a opção dos que acham a esquerda dos socialistas uma « gauche molle » e desejam políticas realmente de esquerda.
*Fotos deste blog : de Leneide Duarte-Plon
Meu Rolex nãooooooooo !

Na segunda-feira, 16 de abril, um canal de televisão passou uma cena chocante mas hilariante. Apressadamente, o (ainda) presidente Sarkozy e candidato à sua própria sucessão, cumprimenta as pessoas que o aguardam para um comício gigante realizado no domingo, dia 15, na Place de la Concorde. Depois de apertar algumas mãos apressadamente, o candidato-presidente tira furtivamente de seu punho o relógio, o guarda rapidamente no bolso do paletó e continua a apertar mãos de pessoas separadas dele por barras de metal. O jornalista do Canal Plus repassou a cena  em que ele guarda o relógio.
Ora, logo depois da eleição de 2007, Sarkozy _ que começou a ser chamado pela imprensa de « presidente bling-bling » pelo seu apego ao luxo e aos sinais exteriores de riqueza como os iates de seus amigos, óculos Ray-Ban, Rolex e festas em restaurantes de luxo _ perdeu vários pontos de sua popularidade, devido ao seu comportamento exibicionista, muito distante do que se espera de quem exerce a função solene de presidente de uma República que não é de bananas.
Para justificar as atitudes do amigo, um dos mais conhecidos publicitários do meio político, Jacques Séguela, cunhou, em 2009, a frase que chocou pela franqueza e pelo que revela da mediocridade de um meio em que o dinheiro é tudo : « Se aos 50 anos o sujeito não tem um Rolex, é porque fracassou na vida ».
Esse é o tipo de « filósofo » que o presidente Sarkozy frequenta.
P. S. Foi Séguela quem apresentou Carla Bruni ao presidente, em 2008. No comments.

Delanoë vai de trem

Voltamos de Marseille no dia 9 de abril, segunda-feira, depois de um fim de semana prolongado pelo feriado de Páscoa. No mesmo vagão do TGV (train à grande vitesse), entrou o prefeito de Paris, desde 2001, Bertrand Delanoë, do Partido Socialista.
Bronzeado, de roupa esporte, o prefeito estava acompanhado de um amigo ou colaborador mais jovem. A discrição com que um personagem como este viaja na França ou em qualquer país da Europa, sem hordas de segurança, sem ninguém para carregar sua pequena mala que ele mesmo levava, choca o olhar brasileiro acostumados que somos a ver nossos políticos usarem e abusarem de meios de transportes do serviço público privatizados para eles e suas famílias e séquitos de servidores pagos pelo contribuinte.  

Sexo, política e dinheiro

Na burguesia francesa três assuntos são totalmente tabu. Ao se sentar para comer, todos sabem : não se fala de sexo, nem de política nem de dinheiro.
Como é difícil haver consenso nessas três esferas, as discussões acaloradas podem perturbar a digestão.

Bomba israelense

Günter Grass, prêmio Nobel de Literatura,  foi declarado persona non grata em Israel depois da publicação dia 4 de abril, no jornal alemão Süddeutsche Zeitung, de seu longo e belo poema « O que deve ser dito », que o jornal Le Monde publicou dia 10 de abril, numa excelente tradução de Olivier Mannoni.
Grass se diz « cansado da hipocrisia do Ocidente » e  pensa que o arsenal atômico israelense é um perigo para a paz. 

Brasil, novo eldorado

« Rio, nouvel eldorado des jeunes Français ». Esse título de uma reportagem do Le Monde tinha como subtítulo : « Superdiplomados ou com um capital para investir, são muito numerosos os que querem uma parte do « milagre » brasileiro. Mas cuidado com as desilusões ! »
Isaure Pisani-Ferry, de 25 anos diz ao jornal : « Aqui, com a crise, tudo ficou muito estreito : a cultura, os projetos de vida… Se é para dar duro, vou fazê-lo numa sociedade brasileira que dá provas de um dinamismo extraordinário ». O número de franceses que chegam ao Brasil para morar aumentou de 5% a 10% por ano.
E 50 mil portugueses entraram no Brasil em 2011 para buscar uma nova vida. Os jornais franceses publicam cada vez mais reportagens sobre jovens portugueses e espanhois se preparando para emigrar fugindo de uma Europa em crise com índices de desemprego nunca vistos.

Carta de Sarkozy : devolver ao remetente

Recebo de uma amiga a informação por e-mail :
Bonjour,
La lettre de Sarko va arriver dans nos boîtes. Nous lançons un appel général au boycottage du triste auteur de ces propos insipides et provocateurs, lequel instrumentalise de nouveau les tragédies de Toulouse pour mieux hystériser le débat public.
Cette lettre doit lui être renvoyée sans l’ouvrir.
RETOUR à l’ENVOYEUR . La procédure est simple :
1/ Ne pas ouvrir le courrier
2/ Inscrire en toutes lettres : RETOUR à L’ENVOYEUR
3/ Motiver le renvoi sous un prétexte quelconque du style :
- Refusé
- Courrier refusé
- Absence momentanée
- Absent provisoirement
- Inconnu à l’adresse indiquée
- Absent pour raison de campagne électorale...
4/ Déposez votre lettre, sans affranchissement supplémentaire à la poste qui se chargera de la
retourner à l’envoyeur et votre mission est ainsi accomplie
5/ Pour un franc succès, faites passer le message autour de vous, par téléphone, e-mail, internet etc... Votre imagination fertile fera le reste
Les raisons de lui dire de partir, vous les trouverez dans la presse LIBRE (MEDIAPART) mais aussi dans le Canard Enchainé, et Marianne de cette semaine encore. René DOSIERE vous apportera les infos qui vous manquent. Notre bonimenteur de foire, l’agité de l’Elysée coûte à la France des sommes considérables qui seraient mieux investies ailleurs. Pour le peuple c’est l’austérité, et pour lui la belle vie.
En votre âme et conscience, agissez, il a fait assez de mal.
Merci de faire suivre

As relações perigosas dos políticos com as jornalistas

Leneide Duarte-Plon, de Paris (publicado no Observatório da Imprensa)
Provavelmente poucas pessoas conhecem no Brasil as jornalistas francesas Valérie Trierweiler, Audrey Pulvar, Béatrice Schönberg, Christine Ockrent e Anne Sinclair. Em comum, além serem jornalistas da área de política, elas têm maridos ou companheiros políticos (os franceses somente chamam de maridos quem é casado oficialmente, como Anne Sinclair e Dominique Strauss-Kahn). A primeira da lista pode até se transformar em primeira dama francesa, se as atuais pesquisas de opinião se confirmarem no segundo turno da eleição e seu « compagnon » François Hollande for eleito presidente.
Audrey Pulvar se tornou alvo de críticas e assunto de reportagens em jornais sérios como Libération e Le Monde, em outubro do ano passado, quando apareceu em público comemorando ao lado de seu companheiro, o socialista Arnaud Montebourg, a terceira posição dele nas primárias do Partido Socialista, o que lhe deu força de « ministeriável », ao declarar apoio a François Hollande, ganhador das primárias. Pelo fato de ter um programa de entrevistas políticas na rádio pública France Inter e outro no canal privado I-Télé, Audrey se viu forçada a trocar a cobertura política por assuntos mais amenos como a cultura ou temas sociais.
Uma jornalista pode ser imparcial e ter credibilidade quando se vive com um político ? « Uma mullher tem o direito de não pensar por e como seu companheiro », responde Pulvar sobre o fato de ter que se afastar de sua área para manter-se ativa durante a campanha eleitoral. Montebourg fora um dos primeiros a criticar a conivência entre políticos e jornalistas diante de outra história semelhante à sua.
Na França, não se admite que uma jornalista tão claramente envolvida com um homem político apresente um programa político sem que sua credibilidade e imparcialidade sejam postas em dúvida. Antes de Pulvar, Béatrice Schönberg que apresentava o jornal das 20h de France 2, um dos canais públicos, já tivera que se afastar do telejornal ao se casar com o então ministro de Sarkozy, Jean-Louis Borloo. Schönberg passou a apresentar um programa mensal e praticamente não se ouviu mais falar dela.
Quanto à provável futura dama, ela entrevistou muitos políticos antes de se apaixonar por François Hollande, com quem vive desde 2007. Conheceram-se numa entrevista para a revista Paris Match, na qual Valérie Trierweiler cobria política desde 1989. Na época da entrevista, o atual candidato ainda vivia com Ségolène Royal, com quem tem quatro filhos e de quem se separou para assumir a relação com a jornalista. Foi Valérie Trierweiler quem assinou há mais de 20 anos, uma matéria muito criticada em que a então ministra do Meio Ambiente, Ségolène Royal, posava com seu bebê recém-nascido. Royal foi acusada de expor sua filha para fins políticos.
Na França, misturar vida pública com a vida privada é pecado capital. Tanto que até hoje ninguém viu nenhuma foto de Giulia, filha de Sarkozy e Carla Bruni. Uma sessão de poses ou a exibição da menina poderiam comprometer a reeleição de Sarkozy, criticadíssimo por seu exibicionismo do início do mandato. O cargo de presidente exige uma vida privada discreta e totalmente longe das câmeras, ao contrário do mundo anglo-saxão. Ao ser pai durante o mandato, Cameron não hesitou nenhum minuto em sair da maternidade com a mulher e a filha e posar desinibido para toda a imprensa mundial.
Valérie Trierweiler ouviu em « off » muitos segredos dos manda-chuvas do Partido Socialista, que hoje fazem campanha para seu companheiro e potencial presidente. Mas também sabe muitos segredos de políticos da direita. Por isso, sua vida na revista mudou, ela foi imediatamente afastada da editoria de política e não participa mais do fechamento nem das reuniões de pauta. E foi surpreendida com uma foto sua numa capa recente de Paris Match, o que não lhe agradou nem um pouco.
Nesse novo papel de personagem do mundo político, Valérie Trierweiler ainda é uma debutante. Liberada da obrigação de cobrir política para a revista, ela participa ativamente da campanha do companheiro e tem sido comparada a Cecilia Sarkozy, que participou da vitória de seu marido em 2007. Há quem atribua a Cecilia um importante papel na formação do ministério, além da catastrófica ideia de comemorar a vitória no caríssimo restaurante Fouquet’s, quando Sarkozy reuniu as maiores fortunas da França. Começava ali sua fama, confirmada com outros episódios semelhantes, de « presidente dos ricos ». O apelido de « presidente bling bling » veio desse gosto de Sarkozy pelo mundo do dinheiro e por  suas amizades com os maiores industriais franceses como Arnaud Lagardère, Serge Dassault, Bernard Arnault, Bouygues, entre muitos outros.
Esse controle e a potencial denúncia de promiscuidade do mundo da política com o jornalismo não foram sempre tão rigorosos. Nos tempos de Mitterrand, o presidente chegou a dar uma entrevista para a televisão e ser entrevistado por duas estrelas do jornalismo político da época : Christine Ockrent e Anne Sinclair. Não chocava tanto o fato de ambas serem casadas com ministros do presidente. Ockrent era companheira do ministro Bernard Kouchner e Sinclair era a mulher de Dominique Strauss-Kahn.
Os tempos mudaram. E um pouco mais de controle para evitar a conivência (e muitas vezes cumplicidade)  entre política e jornalismo é o que querem todos os que defendem a credibilidade do jornalismo.

Um comentário:

MJFortuna disse...

Ainda bem que você está nos enviando notícias, Leneide! Coisa boa é saber das notícias da França por uma brasileira! Tenho lido atentamente tudo que você escreve pedindo sempre mais... rs
Grande abraço

Maria J Fortuna