segunda-feira, 18 de novembro de 2013

França: racismo e o abismo como horizonte



Se fosse vivo, o filósofo Jean-Paul Sartre teria, certamente, produzido um texto inflamado para protestar contra os insultos racistas de que foi vítima a ministra da Justiça Christiane Taubira. Quem sabe, escreveria algo como o genial texto Réflexions sur la question juive, no qual o filósolo examinou o antissemitismo e suas raízes. 
Quando Christiane Taubira foi à cidade de Angers em 25 de outubro, um grupo de direita radical levou às ruas crianças com bananas para acenar na passagem do carro da ministra. Detalhe para quem não conhece Taubira: ela é negra.
Na segunda semana de novembro, o jornal de extrema-direita “Minute” foi  mais longe na agressão racista: jogando com expressões coloquiais da língua francesa, fez uma primeira página em que aparecem as palavras “macaco” e “banana” associadas à foto de Christiane Taubira. A manchete dizia : “Maligne comme un singe, Taubira retrouve la banane.” (Tradução livre : Esperta como um  macaco, Taubira está com toda corda).
O presidente Hollande, o primeiro-ministro Jean-Marc Ayrault, jornalistas e intelectuais se solidarizaram com Taubira e condenaram o racismo contra uma mulher que além de fazer prova de dignidade ímpar diante dos ataques racistas é uma das melhores ministras do atual governo. Christiane Taubira é dona de uma cultura invejável, além de brilhante oradora. Mas para os racistas ela tem um grande defeito: é negra.  
Nesta segunda-feira, dia 18, ao invadir o jornal  de esquerda Libération, um homem feriu gravemente um fotógrafo.
Com um índice de aprovação  de apenas 15%, falta a Hollande pulso forte e carisma para desviar a França do abismo que se desenha no horizonte.

Une femme douce em Paris  

Respeitadíssimo pelos jovens diretores da Nouvelle Vague, Robert Bresson foi um cineasta francês admirado e adulado por críticos e cinéfilos. A partir de certo momento, decidiu trabalhar apenas com pessoas que nunca tivessem feito cursos de arte dramática nem fossem atores profissionais. Em 1968, para seu filme  Une femme douce, encontrou um rosto de 16 anos que tinha tudo para ser a intérprete ideal de seu próximo filme. A moça era sublime, tinha um mistério no olhar e viveu magistralmente a melancólica personagem de Dostoiévski, a quem o narrador se refere apenas como « ela ».
Nascia a atriz Dominique Sanda, que se tornou uma das mais importantes musas do cinema da década de 70 : fez O conformista, de Bernardo Bertolucci, O jardim dos Finzi Contini, de Vittorio de Sica e 1900, de Bertolucci, além de Une chambre en ville, de Jacques Démy. Fez também filmes em Hollywood, inclusive com John Ford.
Dia 6 de novembro, Dominique Sanda, de passagem por Paris, conversou com os espectadores no final da sessão deUne femme douce, num cinema de arte do Quartier Latin. Pude constatar que o tempo não poupou a atriz, de 62 anos. Inteligente, habitada, Sanda não recorreu à cirurgia plástica. E parecia ter prazer em debater com o público que veio (re)ver Une femme douce. Falou sobre esse início de carreira, sobre o método de Bresson e sobre a chance de ter feito filmes com realizadores tão importantes. Casada com um filósofo e escritor romeno, ela mora há mais de 10 anos em Buenos Aires  e trabalha principalmente no teatro.
Entre as observações sobre sua vida pessoal, a atriz contou en passant que ao fazer o filme de Bresson já era casada, apesar de ter somente 16 anos. Casou-se aos 15. Mesmo assim, apesar de já trabalhar como modelo, seus pais quiseram ler o roteiro para dar a aprovação à carreira cinematográfica da filha, que em 1976 ganharia o prêmio de melhor atriz, em Cannes, pelo filme A herança, de Mauro Bolognini.
No final do debate, fui propor uma entrevista com a atriz. Infelizmente, ela ia partir no dia seguinte e não teria tempo.
Fica para uma próxima vinda a Paris.
  

Pasolini : "A televisão impõe valores consumistas pequeno-burgueses"

Foto de Dino Pedriali poucos dias antes da morte do poeta e cineasta

A exposição Pasolini-Roma, concebida por grandes instituições culturais de quatro capitais europeias (Barcelona, Paris, Roma e Berlim) chegou a Paris para ficar até janeiro.  Um dos maiores intelectuais italianos do século XX, Pasolini foi um crítico feroz da televisão, que definia como uma máquina de vulgaridade inquisitorial que elimina o “sagrado” e os “rostos”. Ele via essa máquina como um novo aparelho fascista, exaltação do que o homem tem de mais banal e desprezível, que veicula um realismo pequeno-burguês.
Artista multimídia, Pasolini só não fez televisão, mídia que criticou com grande virulência. Para ele, a televisão realiza a síntese perfeita entre consumismo e alienação. “Não concebo nada de mais feroz que a banalíssima televisão”, disse ele numa entrevista... à televisão. Para Pasolini, essa mídia era responsável pelo ”genocídio cultural” da Itália e das classes operárias, uniformizando culturalmente, impondo “valores consumistas pequeno-burgueses”.

 Abaixo o texto que fiz para o Observatório da Imprensa sobre a exposição e o ciclo Pasolini, promovido pela Cinnémathèque Française:

Quarta-feira, 06 de Novembro de 2013   |   ISSN 1519-7670 - Ano 17 - nº 771
CINEASTA REDIVIVO
Pasolini renasce em Paris
Por Leneide Duarte-Plon em 05/11/2013 na edição 771

Cineasta iconoclasta, Pier Paolo Pasolini (1922-1975) foi um dos maiores artistas do século 20. Mas o poeta, escritor e intelectual marxista engajado era detestado pela sociedade burguesa que criticava. Seu assassinato, em 1° de novembro de 1975, na praia de Ostia, perto de Roma, permanece até hoje um mistério. Os inimigos do poeta preferiram acatar (ou fabricar?) a tese de crime sexual, atribuindo ao homossexualismo de Pasolini a responsabilidade por seu assassinato.
Inúmeros documentários e livros tentaram demonstrar que o crime, nunca esclarecido, foi o resultado de um complô mafioso ou político para calar o incômodo crítico da política italiana, sobretudo na coluna “Escritos corsários”, publicada no Corriere della Sera, nos dois últimos anos de vida. A Democracia Cristã, severamente criticada por Pasolini por alimentar o clima de tensão da Itália dos “anos de chumbo”, viu, três anos depois, seu líder, Aldo Moro, ser sequestrado e morto pelas Brigadas Vermelhas.
Como um profeta, Pasolini previu o terror no qual o país iria mergulhar. Mas, como acontecia com os profetas do Antigo Testamento, sua lucidez incomodava. No enterro, seu grande amigo, o escritor Alberto Moravia, sugeriu um crime político: “Uma sociedade que mata seus poetas é uma sociedade doente”.

Cristianismo e marxismo

As novas gerações de cinéfilos podem ver toda a obra do cineasta na retrospectiva organizada pela Cinemateca Francesa, que montou a exposição “Pasolini-Roma”, em colaboração com o Centro de Cultura Contemporânea de Barcelona, o Palazzo delle Esposizioni de Roma e o Martin-Gropius-Bau, de Berlim. Depois de passar por Barcelona, a mostra foi inaugurada em Paris em 17 de outubro. O ciclo Pasolini e a exposição ocupam a cinemateca até 26 de janeiro de 2014, quando seguem para Roma e depois, Berlim.
Por meio de fotos, documentos e vídeos a exposição propõe um percurso cronológico a partir da chegada de Pasolini a Roma, em 1950, e explora os lugares onde ele morou e trabalhou. Todo o universo do cineasta está presente nas diversas salas de exposição: seus amigos cineastas e intelectuais (Elsa Morante, Alberto Moravia, Federico Fellini, Bernardo Bertolucci), a poesia, a política, o sexo, a amizade e o cinema. Numa das últimas, são reconstituídos, por intermédio da imprensa, os mais de 20 processos movidos contra o cineasta, considerado o artista mais escandaloso da Itália do pós-guerra.
Pasolini foi um artista multimídia, numa época em que a palavra sequer existia. Poeta com uma obra considerável, erudito leitor de Dante e dos clássicos gregos, escreveu peças de teatro, crônicas para jornais, dirigiu obras-primas do cinema italiano, com roteiros originais ou baseados em clássicos do teatro grego como Medeia e Édipo Rei. Mas antes de dirigir seus próprios filmes fez roteiros para Mauro Bolognini (O belo Antonio), Bernardo Bertolucci (La commare secca) e Franco Rossi (Morte di un amico), entre outros. Para Fellini, fez diálogos de Noites de Cabíria, mas seu nome não aparece nos créditos. Codirigiu com Fellini algumas cenas de A doce vida.
Hoje, Pasolini é um clássico do cinema italiano.
Ele só não fez televisão, mídia que criticou com grande virulência. Para ele, a televisão realiza a síntese perfeita entre consumismo e alienação. “Não concebo nada de mais feroz que a banalíssima televisão”, disse ele numa entrevista... à televisão. Para Pasolini, essa mídia era responsável pelo ”genocídio cultural” da Itália e das classes operárias, uniformizando culturalmente, impondo “valores consumistas pequeno-burgueses”.
O ecletismo de Pasolini levou-o a visitar no cinema clássicos de diversas culturas: filmou As mil e uma noitesÉdipo Rei e Medeia, mas também se interessou pelo escritor e poeta inglês do século 14 Geoffrey Chaucer, de quem adaptou Os contos de Canterbury. Do poeta italiano Bocaccio, também do século 14, adaptou para o cinema O Decameron.
O leitor de Antonio Gramsci, poeta e teórico do marxismo morto nas prisões do fascismo, a quem dedicou seu livro de poemas As cinzas de Gamsci, também fez incursões pelo Novo Testamento. O Jesus de seu filme O Evangelho segundo Mateus, de 1964, é um líder revolucionário, um perfeito precursor do Jesus Cristo libertador dos teólogos da libertação. Sem acrescentar uma vírgula ao texto original de Mateus, Pasolini reconciliou nessa obra-prima o cristianismo e o marxismo e fez um dos mais belos filmes do cinema italiano. É, sem dúvida, a mais despojada e fiel adaptação do Evangelho.

O filósofo Giorgio Agamben é  Felipe


O último dia

No seu último filme, Salo ou os cento e vinte dias de Sodoma, o sexo não é um instrumento de libertação como na trilogia que o precede (Decameron,Contos de Canterbury e As mil e uma noites). Ele é servidão. Ambientado na república fascista de Salo, o filme mistura pornografia e tortura na reconstituição da obra do Marquês de Sade. O caráter escatológico do filme contribuiu para aumentar o ódio dos cristãos integristas por Pasolini, que sempre abordou a religião com uma visão pessoal e libertária e nunca dissimulou sua homossexualidade.
Uma amiga do cineasta, a atriz Adriana Asti, observou que “tudo o que ele temia aconteceu: a globalização, o reinado da televisão, o consumismo”. Seu último livro, Petróleo, descreve, profeticamente, atentados terroristas a estações de trem. Cinco anos depois de sua morte, o primeiro atentado terrorista neofascista, na estação de Bolonha, matou 85 pessoas.
Um dos diretores italianos mais marcados por Pasolini, Marco Tullio Giordana, realizou, em 1995, um admirável filme sobre a morte do cineasta, chamadoPasolini, un delitto italiano. O filme mostra a complexidade do processo, que nunca chegou aos verdadeiros assassinos, contentando-se com a prisão de um jovem de 17 anos que confessou o crime e, anos depois, declarou haver mentido sob pressão dos verdadeiros autores do assassinato.
O mais festejado filme de Giordana, que conta a história dos últimos 40 anos do século 20 na Itália, chama-se La meglio gioventù, o nome do primeiro livro de poemas de Pasolini. Não é uma coincidência, mas uma homenagem de um fã incondicional.
Outro fã, o cineasta Abel Ferrera, que pensa como muitos que Pasolini foi o “último grande intelectual italiano”, está preparando um filme com o ator Willem Dafoe sobre o último dia de vida do poeta e cineasta.
Autorretratos de 1965

Um mundo sem sacos plásticos ?

Desde 2011 a Itália baniu totalmente os sacos plásticos de supermercados e lojas.  Os sacos de aparência plástica trazem agora uma frase explicando que são biodegradáveis. A França ainda não atingiu esse grau de desenvolvimento e de preocupação com o meio ambiente. Em alguns lugares já existem os sacos biodegradáveis mas ainda não chegam a 50%, apesar da recomendação da União Europeia de banir os sacos plásticos num futuro  bem próximo.

O piloto e o co-piloto dormem ao mesmo tempo !

Preferiria não saber. Mas já que li, compartilho : mais da metade dos pilotos de linha britânicos já dormiram durante um voo, segundo uma pesquisa publicada pela Balpa, associação profissional de pilotos. E ao acordarem, um terço deles percebeu que o copiloto também estava nos braços de Morfeu.
Segundo a notícia publicada recentemente na revista do Le Monde, a metade dos comandantes de bordo ouvidos pensam que a fatiga é a principal ameaça à segurança aérea.
Três dias depois da publicação da pesquisa, o Parlamento europeu rejeitou mudanças na legislação que visavam a permitir que os pilotos trabalhem até 110 horas em duas semanas. A legislação britânica fixa em 95 horas o máximo permitido.


Em 2060

Em 2060, a França terá 200 mil centenários, numa população de pouco mais de 73 milhões de habitantes. Em 2010, « apenas » 15 mil franceses tinham mais de 100 anos.
 Apesar de ser o país europeu com a maior taxa de natalidade,  em 2060, um terço dos franceses terá mais de 60 anos.
A longevidade francesa é um fato conhecido, o país só perde para os japoneses. E como dentro de 50 anos haverá mais inativos do que ativos, o país terá que descobrir novos meios de financiar as aposentadorias do terço da população que terá se libertado da escravidão do trabalho.


 “Se você der o deserto do Sahara aos tecnocratas, em seis meses eles estarão importando areia” (Coluche)

2 comentários:

Nanci Garcia disse...

Esse seu pinçado fantástico me faz resgatar da memória uma cena antológica de Kurosawa - a do desepero do caçador Goldi (Dersu Uzala) diante da proposta - que lhe é incompreensível e inaceitável - de venda de água que jorra da natureza feita pelo líder de uma expedição de levantamento topográfico na Sibéria; esse explorador do exército russo é resgatado por Dersu Uzala que se torna seu guia e mais adiante seu amigo. A maneira poética e sensível de Kurosawa abordar as diferenças culturais entre ambos, levando o esplorador a questionar os padrões de sua sociedade, é um convite a uma releitura dos nossos próprios padrões. Especialmente, os da intolerância, hoje cada vez mais atual!
Um convite que está na face, no corpo e nas entrelinhas do seu blog. Que saudade de Sartre!, meu primeiro amor na filosofia, e do seu Jean Genet. Obrigada por me tocar firme com sua delicadeza.

Leneide Duarte-Plon disse...

Nanci, obrigada por sua leitura atenta e generosa.
Bom ter leitores como você.
Leneide