De
volta a Paris, fui votar no Plebiscito pela Constituinte, no Consulado
Brasileiro, por pensar que mudar o sistema político do Brasil deve ser prioridade de todo brasileiro.
Surpresa e estupefação.
A urna estava na porta do
consulado, na calçada, pois os responsáveis pela organização da votação não haviam
recebido autorização do cônsul geral de Paris, embaixador Julio Zelner,
para fazer a votação dentro do
Consulado, na Av. Franklin Roosevelt.
Situação bizarra votar na rua, em
Paris. Defendi
a Constituinte com mais entusiasmo ainda.
Segundo
Carla Sanfelici, coordenadora do Conselho de Cidadãos de Paris, foi feito
um pedido ao Embaixador Sérgio França Danese, Subsecretário-Geral das
Comunidades Brasileiras no Exterior, com cópia para a Ministra Maria Luiza
Ribeiro Lopes da Silva. Houve também inúmeras
solicitações de audiência junto ao então cônsul geral de Paris, embaixador
Julio Zelner. Este nunca se dignou a receber o Comitê do Plebiscito.
Depois
de ter tomado conhecimento de que havia
sido autorizada uma urna no interior do prédio do Ministério das Relações
Exteriores, em Brasilia, a coordenadora do Conselho de Cidadãos de Paris voltou
a insistir junto a Julio Zelner. Não obteve resposta.
Se
isso não é um boicote a um Plebiscito Popular, não sei o que é.
O cristianismo revisitado por
um ateu, ex-cristão
Emmanuel
Carrère já provou ser um grande romancista.
Sua
obra é premiada e apreciada pelos milhares de leitores que aguardam com
ansiedade cada novo livro.
Estou
entre eles. Por isso, no dia seguinte à minha volta a Paris fui comprar o novo Carrère,
que acabara de ser lançado : Le
Royaume (O Reino).
Escrito
na primeira pessoa, como quase todos os outros, Carrère magnetiza logo nas
primeiras páginas. Ele tenta entender os três anos em que viveu como um
convertido ao cristianismo, antes de se tornar ateu.
Ao
contrário do livro de José Saramago (O evangelho segundo Jesus Cristo), um romance sobre Jesus _ um verdadeiro livro
de filósofo ateu, para quem as três religiões monoteístas não passam de ilusão
(como já pensava Freud, entre outros) _ o livro de 630 páginas de Carrère é uma
investigação histórica sobre as origens do cristianismo, baseada em dois dos
principais personagens daqueles tempos : Paulo, que se chamava Saulo,
considerado o verdadeiro criador do cristianismo; e Lucas, que escreveu o
evangelho que tem seu nome, além do livro de Atos dos Apóstolos. Carrère se
pergunta como aquela saga cheia de desafios à razão pura pode fascinar a tal
ponto, dois mil anos depois de contada.
Os
grandes jornais e os críticos franceses não pouparam elogios ao
romance. Le Monde deu duas páginas no
suplemento de livros, com um texto assinado pela acadêmica Florence Delay.
Abaixo, um trecho do editor do
suplemento, Jean Birnbaum, “Viver? Que boa ideia” :
“É uma das
cenas mais memoráveis do Reino construído
por Emmanuel Carrère. Na página 23, ele conta sua única
sessão com o psicanalista François Roustang. Diante dele, o escritor evoca o
impasse no qual se encontra, suas dores de barriga, seus pensamentos suicidas. Depois pergunta a Roustang se ele o aceita como
analisando. Este responde que não. « Vejo que
tudo o que lhe interessa é provar mais uma vez o quanto você é capaz de colocar
seus psicanalistas em cheque e considerá-los derrotados », responde
Roustang. « Você deveria passar a outra coisa ». « Sim, mas a
que exatamente? », pergunta o escritor. « Você falou de suicídio. Ele não tem boa reputação atualmente, mas pode ser uma
solução.” Depois de ouvir o silêncio por longos
segundos, o terapeuta conclui: « A outra opção é viver ». Fim do tratamento. « Pouco a pouco, sem que tenha
revisto o psicanalista, as coisas começaram a melhorar », conta Carrère.
A
outra opção é viver… Fórmula de uma fulgurante simplicidade na qual se
reconhece o estilo audacioso e provocador que distingue François Roustang.
Franco-atirador da cena freudiana, passou da Companhia de Jesus à « seita
lacaniana », depois passou da psicanálise à hipnose. Roustang compartilha
com Carrère a mesma repugnância pelos relatos blindados de certeza, tem a
convicção de que o humor permite dinamitá-los. Por isso, é preciso se felicitar
pelo fato que Le Royaume, de Carrère, chegue às livrarias ao mesmo tempo que um
belo livro com artigos assinados pelo psicanalista, reeditados em livro de
bolso com o título « Feuilles oubliées, feuilles retrouvées » (Petite
Bibliothèque Payot).
Eu conheci François Roustang na casa de um renomado psicanalista argentino,
exilado em Paris desde a ditadura. Depois de ter sido jesuíta, Roustang
tornou-se psicanalista, me haviam contado. Meu interlocutor frisou com ar desolado o fato de
Roustang ter sido tentado pela hipnose.
Sem hipnose, mas com
perspicácia e numa única sessão, ele conseguiu o resultado que seu paciente
buscava : trocar as idéias suicidas pelo desafio da vida.
Royaume é o
fruto dessa aposta de Carrère na vida.
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