sábado, 15 de março de 2008

Homenagem e boicote a Israel


Salões do livro de Paris e de Turim causam polêmica


Leneide Duarte-Plon

O Salão do Livro de Paris foi aberto nesta sexta-feira, 14 de março, sob o signo da polêmica.

Nos últimos dias, os jornais franceses alimentaram um debate de escritores e intelectuais defendendo ou condenando o boicote ao salão, que homenageia este ano Israel pelos 60 anos de sua criação. Os países árabes se recusaram a montar seus estandes no salão de Paris, em solidariedade ao povo palestino, que há 60 anos luta pela criação de um Estado vizinho a Israel.

“Trata-se de lembrar os sessenta anos de colonização, de deslocamento de populações, de exílio e de mortos palestinos que são o espelho negativo das festividades de Israel”, escreveu em longo artigo no Le Monde o intelectual muçulmano Tariq Ramadan, professor da Universidade de Oxford, partidário do boicote.

O poeta israelense Aharon Shabtai compreende e partilha a posição pró-boicote. Ele foi convidado ao Salão do Livro de Paris e declarou que não iria por achar que “um Estado que mantém uma ocupação e comete diariamente crimes contra civis não merece ser o convidado de uma semana cultural, qualquer que seja ela. Não há nenhuma razão para comemorar nada. Israel não respeita as leis internacionais. E não somente a Convenção de Genebra. A Corte Internacional de Justiça de Haia condenou o muro ilegal que Israel construiu em terras palestinas confiscadas".

Todos os escritores israelenses que vieram para o Salão do livro de Paris escrevem em língua hebraica, o que já seria motivo para outra polêmica, pois no país há literaturas em diversas línguas. Por exemplo, quase 20% da população de Israel é formada de árabes mas a literatura israelense dessa língua não estará representada no salão, assim como as outras literaturas israelenses não-hebraicas. “Que literatura é homenageada a hebraica ou a israelense?” indagava o escritor e editor Mickaël Parienté em seu artigo.

O presidente da União dos Escritores Palestinos, Taha al-Moutawakel, pensa que “não é digno da França, país da Revolução e dos direitos humanos acolher um país ocupante e racista”. Já o escritor palestino Mohamed Hafez Yaacoub explicou à imprensa francesa que o boicote não visa diretamente os escritores israelenses. Ele acha que o momento pode, ao contrário, ser propício para falar dos 60 anos da “nakba” (catástrofe) palestina. “Comemorando os 60 anos de Israel, a França adota uma posição extremamente negativa em relação à Palestina e envia uma mensagem de indiferença a seu povo”.

A homenagem acontece num momento difícil para o processo de paz entre israelenses e palestinos. Na semana passada, o jornal Libération lembrava que nos últimos dois anos o exército israelense matou cerca de dois mil habitantes de Gaza : a metade eram paramilitares a outra metade civis, mulheres e crianças. Um editorialista do jornal israelense Haaretz escreveu na semana passada que o exército de Israel havia matado mais palestinos em uma tarde do que os foguetes palestinos Qassam mataram israelenses em sete anos. Há poucos dias, o novo atentado em Jerusalém em que morreram oito jovens estudantes de uma escola talmúdica chocou os israelenses. Nas duas semanas anteriores, cerca de cem palestinos haviam morrido em Gaza em diferentes ataques do exército israelense. Essa contabilidade macabra foi feita pelo jornal israelense para mostrar que a lei de Talião continua imperando na Terra Santa.

Outra homenagem a Israel será feita pela Feira do Livro de Turim, que se realiza de 8 a 12 de maio. E lá, como em Paris, a polêmica do boicote agita a imprensa e os meios intelectuais. O filósofo Gianni Vattimo explicou que a defesa do boicote não significa uma intenção de impedir os escritores israelenses de falar. “Os defensores do boicote recusam a idéia que os escritores venham como representantes de um Estado que festeja seu aniversário com o bloqueio de Gaza”. Para o escritor israelense David Grossman, “a cultura e o boicote são imcompatíveis”. O mesmo pensam os escritores Amos Oz e Avraham Yehoshua, que confirmaram a presença em Turim.

O jornal de esquerda Il Manifesto, favorável à causa palestina mas contra o boicote, publicou um texto de seu fundador, Valentino Parlato, que defendia o uso da feira internacional de Turim para, ao contrário, criticar a política de Israel e defender os direitos dos palestinos. “Vamos discutir, debater, mas vamos mandar o boicote ao inferno, pois ele é mudo, é um “não” sem argumentos”.

Ponticelli, o último poilu

Ele se chamava Lazare Ponticelli. Tinha 110 anos. Era o último sobrevivente dos 8,5 milhões de soldados franceses que lutaram na Primeira Guerra Mundial.

Ponticelli morreu na quarta-feira, dia 12, e vai ser enterrado em cerimônia nacional na segunda-feira, nos Invalides, na presença do presidente da França e das mais altas autoridades do país.

Era o último “poilu”, como eram chamados os soldados franceses que voltaram do front barbudos, sobreviventes da horrível carnificina da Grande Guerra. Ponticelli tinha 16 anos quando se apresentou como voluntário na Legião Estrangeira, aumentando a idade para poder defender a França, para onde emigrou aos 9 anos, em 1906. Ele fez parte da Legião Garibaldina, composta exclusivamente de legionários italianos.
Os funerais nacionais só foram aceitos por Ponticelli com a condição de serem uma homenagem não ao humilde soldado que ele foi mas a todos os homens e mulheres franceses que morreram na terrível guerra.

Um comentário:

Heliete Vaitsman disse...

Como sustentar que os escritores israelenses não devem participar das feiras européias? Combater uma alegada exclusão com outra exclusão é pretender invalidar, aos olhos do grande público, não um governo ou uma posição belicista, mas toda uma cultura e sua língua... Os escritores David Grossman, Amos Oz, e A. B. Yehoshua militam em favor da paz com os palestinos e defendem a igualdade e os direitos humanos. Quem tem o direito de achar que eles não têm o direito de falar e mostrar seu trabalho? Esse é um totalitarismo de que a gente não precisa!!!!