sexta-feira, 27 de março de 2009
Boal na Unesco
“Atores somos todos nós, e cidadão não é aquele que vive em sociedade : é aquele que a transforma”.
Com essa frase Augusto Boal, 78 anos, terminou sua mensagem lida em português, na Unesco, em Paris, dia 25, quarta-feira, diante de um auditório repleto. Aplaudido de pé depois da cerimônia em torno do teatro do oprimido, o brasileiro foi homenageado por representantes de vários continentes. Ao escolher Boal este ano como autor da mensagem do Dia Internacional do Teatro, o Instituto Internacional do Teatro – ITI, em inglês - da Unesco o colocou num seleto grupo que inclui Jean Cocteau, autor da primeira mensagem, Lawrence Olivier, Peter Brook, Luchino Visconti e, mais recentemente, o prêmio Nobel de Literatura Wole Soyinka.
“Vendo o mundo além das aparências, vemos opressores e oprimidos em todas as sociedades, etnias, gêneros, classes e castas, vemos o mundo injusto e cruel. Temos a obrigação de inventar outro mundo”, dizia a mensagem exibida em cartazes em 45 línguas. O texto de Boal será lido em todos os teatros do mundo antes do espetáculo, na noite do dia 27, dia internacional do teatro. Indicado para o Nobel da paz de 2008, Boal é o homem de teatro brasileiro mais conhecido, premiado e estudado internacionalmente, graças à sua maior criação, o teatro do Oprimido, praticado em mais de 70 países.
Na cerimônia, o representante do ITI, Tobias Biancone, nomeou Augusto Boal Embaixador Mundial do Teatro, honraria que divide com mais seis embaixadores : Vaclav Havel, Wole Soyinka, Anatoli Vassiliev, Ellen Stewart, Arnold Wesker, Vigdis Finnbogadottir e Girish Karnad.
Boal pensa que todo teatro é uma forma de ação política, contra ou a favor do status quo. “No nosso caso, o teatro é uma ação política consciente. Sabemos que existem opressões, que queremos combater. É uma forma de fazer política, sem ser política partidária”. Ele lamenta que a universidade brasileira considere o teatro do oprimido como eminentemente político, enquanto nos EUA várias teses foram feitas em torno desta forma de fazer teatro.
Saudado pelos oradores da noite como autor de um teatro que revolucionou a arte teatral, ajudando a solucionar problemas sociais em todos os continentes representados na cerimônia, Boal foi apresentado como um artista que viveu o teatro como um vetor de transformação social, seja na Índia, no Brasil, no Sudão ou em Israel-Palestina, onde grupos do teatro do oprimido reúnem israelenses e palestinos.
Nesta sexta-feira, 27, no Théâtre de la Ville, em Paris, Boal lerá a sua mensagem no lançamento do livro de Odette Aslan “Paris, capitale mondiale du théâtre – le théâtre des Nations”.
Warhol no Grand Palais
Ele amava o luxo e o dinheiro. Mas Andy Warhol não foi apenas o dândi e mundano que frequentou o jet set internacional, autor da citadíssima frase: “No futuro todo mundo vai ser famoso por 15 minutos”.
Foi também um artista talentoso, o maior artista pop do século passado. Quem quiser comprovar tem até o dia 13 de julho para visitar a exposição “Le grand monde d’Andy Warhol”, no Grand Palais de Paris.
Warhol circulava no grand monde dos ricos e poderosos. E como os milionários são narcisistas cheios de dólares, ele os fazia pagar 25 mil dólares por um portrait. Na década de 60 e 70, essa soma representava uma fortuna. Depois de fazer fotos com uma Polaroid, Warhol trabalhava a imagem com uma técnica de serigrafia sobre tela e mostrava várias versões ao interessado. O primeiro retrato custava 25 mil dólares e os outros eram vendidos por uma pechincha: apenas 15 mil. Como as cores eram outras e o efeito era diferente, os retratados acabavam levando vários. Graças ao narcisismo dos ricos, Warhol ia alimentando sua conta bancária.
O estilo de Warhol é inconfundível e a lista dos rich and famous que ele retratou, infidável. Vai do Xá da Pérsia até Gianni Agnelli, passando por Mick Jagger, Madona, Brigitte Bardot e Sting. Na galeria de pequenas fotos de personagens conhecidos que posaram para a Polaroid do artista, uma certa baronesa de Waldner, a brasileira Sílvia Amélia, ex-Marcondes Ferraz, é a menos conhecida. Ao lado dessa foto, muitas outras, entre elas a da princesa Caroline de Mônaco, que deu origem a um quadro deslumbrante do artista, exposto com outros 143 retratos. A Mona Lisa, Marilyn Monroe, Mao Tsé Tung, Jackie Kennedy, Elisabeth Taylor e Lênin não posaram para sua câmera, claro. Esses ícones do século XX foram interpretados a partir de fotos de outros fotógrafos. Os quadros com os retratos de Jackie, Marilyn e Taylor se tornaram sinônimos do estilo Warhol e estão entre os mais conhecidos.
Tudo começou com o retrato de Marilyn Monroe, feito em 1962, logo após a morte da atriz. O marchand do artista, Leo Castelli, o vendeu por US$ 1.800 ao colecionador Leon Kraushar, que o guardou até sua morte, em 1967, quando foi comprado por um alemão por US$ 25 mil.
Em 1998, o retrato de Marilyn por Warhol foi revendido pela Sotheby's por US$ 17,3 milhões, um recorde na época para uma obra contemporânea. Mas o mercado de arte mudou e, atualmente, os preços dos retratos do artista começaram a cair, oscilando entre US$ 250 mil e US$ 800 mil.
A montagem da exposição foi perturbada pela polêmica entre o companheiro de Yves Saint Laurent (1936-2008), Pierre Bergé, e o curador Alain Cueff. Os quatro retratos de Yves Saint Laurent feitos por Warhol haviam sido emprestados por Bergé para a exposição.
Como foram colocados na sala Glamour, onde há retratos de outros estilistas como Giorgio Armani, Sonia Rykiel e Hélène Rochas, Bergé preferiu retirá-los por não concordar que Saint Laurent fosse visto como um simples "couturier" (costureiro), e não como um artista.
Ele queria ver Saint Laurent ao lado dos retratos de Man Ray, Roy Lichtenstein e David Hockney. O curador não conseguiu convencer Bergé a deixar o quadro onde fora colocado. Na véspera da inauguração, Bergé mandou retirar Saint Laurent do Grand Palais.
A exposição no Grand Palais talvez sirva para revalorizar a obra de Warhol, que trabalhava com imagens em série, como no quadro da última ceia, com 112 rostos de Cristo, feito um ano antes de sua morte, em 1987.
Mundano, dândi, fútl e mercantilista mas inegavelmente um grande artista.
Oscar Wilde em Saint-Germain-des-Prés
Uma dica aos brasileiros que não investiram na empresa do Madoff e estão cansados de se hospedar no Georges V ou no Plaza-Athénée quando vêm a Paris : um hotel charmoso na Rive Gauche, em Saint-Germain-des-Prés, cheio de histórias de hóspedes célebres. Chama-se apenas L’Hôtel. Tout court. Este hotel de nome insólito foi todo reformado e fica na Rue des Beaux-Arts. Entre os hóspedes célebres, Oscar Wilde e o casal franco-britânico Serge Gainsbourg e Jean Birkin, que viveram lá muitos meses. O quarto 16, que hospedou Wilde, foi redecorado por Jacques Garcia como na época do escritor. Cada quarto tem uma decoração que pode ser art déco ou outro estilo. Tudo arqui-chique. O restaurante do L’Hôtel, um charme para ir com alguém especial, é um dos mais charmosos e chiques de Saint-Germain, comandado pelo jovem chef Philippe Bélissent.
sexta-feira, 20 de março de 2009
Sauvons les riches
Quinta-feira, 19 de março, foi dia de greve geral na França. Entre um milhão e meio a três milhões de franceses saíram em passeata em mais de 200 cidades.
Na gigantesca manif (“manifestation”) de Paris, que levou mais de 300 mil pessoas às ruas, organizada pelos maiores sindicatos e associações de trabalhadores, não se pediu apenas aumento do salário mínimo, das pensões dos aposentados, mais assistência e maior proteção para os que, devido à crise, perdem seus empregos em bloco. Os franceses foram às ruas contra as reformas do governo, em defesa do serviço público (escolas, universidades e hospitais) e por medidas econômicas mais justas.
Mas um coletivo bem-humorado e criativo saiu na passeata em defesa dos ricos. Ele se chama “Sauvons les riches”. Os pesquisadores e cientistas não criaram o “Sauvons la recherche”, que creem ameaçada pela reforma? Por que não o “sauvons les riches”, os que mais perdem com a crise financeira? São eles que veem fortunas colossais de bilhões de dólares se evaporarem! E ficam mais pobres a cada Madoff que aparece no noticiário.
Uma carruagem com ricos arrependidos desfilou no meio do cortejo da CGT com uma faixa: “Sou rico mas estou me tratando”.
O presidente bling bling
Depois da recente viagem oficial de Sarkozy ao México, a mídia francesa se interroga sobre os excessos presidenciais e a fronteira entre ética e etiqueta.
Antes de começar a visita oficial, o casal Sarkozy passou o fim de semana numa praia de Manzanillo, no sul do México. Obviamente, cercado de ricos, pois o presidente bling bling gosta de luxo e dos sinais exteriores de riqueza. E quem frequenta o hotel em que ele ficou tem que ter cacife para desembolsar 50 mil euros por um fim de semana. Aliás, a imprensa francesa quer saber quem pagou o fim de semana do casal presidencial. Os sites Mediapart e Rue89 expõem o “affaire” explicando que o hotel Tamarindo pertence ao milionário Robert Hernandez Ramirez, suspeito de ligações com o narcotráfico, e amigo do presidente Felipe Calderon. Um jornalista especializado no tráfico de droga, Al Giordano, informou que pela fazenda de Ramirez, onde ele já recebeu Bush e Clinton, passariam carregações de droga. Por outro lado, o presidente Calderon viu sua popularidade subir como um foguete depois que iniciou uma verdadeira guerra contra o narcotráfico.
O palácio do Eliseu informou oficialmente que o fim de semana no hotel El Tamarindo foi um convite do presidente do México. Mesmo se, anteriormente, houvesse ficado claro, de acordo com a comunicação oficial, que o fim de semana do casal era um programa privado. O governo mexicano, por sua vez, declarou que Sarkozy e sua mulher foram convidados nessa parte não oficial da visita por empresários mexicanos.
Por mais de um motivo essa viagem de Sarkozy foi desastrosa para a imagem da França na opinião pública mexicana: primeiramente, o presidente solicitou que uma francesa acusada de sequestros, presa e condenada no México seja enviada à França - o que foi visto pelos mexicanos como interferência na Justiça mexicana. Depois, ficou a dúvida: teria Sarkozy passado um fim de semana financiado por um amigo do presidente envolvido com o tráfico de droga?
Militares israelenses denunciam crimes contra civis
Deu no Libération de quinta-feira, 19:
“Alguns militares israelenses confirmaram relatos de palestinos sobre excessos cometidos pelo exército de Israel em Gaza. Tiros injustificados provocaram a morte de muitos civis palestinos, segundo informação do jornal israelense Haaretz, que publica na sexta-feira, dia 20, os depoimentos na íntegra. Entre os relatos, o caso de uma mãe de família assassinada com seus dois filhos porque se enganou e pegou um caminho errado, seguindo ordens dos soldados. Outra senhora de idade foi morta pelos soldados israelenses enquanto atravessava uma rua”.
Para o diretor da Academia militar, Dany Zamir, esse tipo de relato é chocante. O chefe do Estado Maior, Gabi Ashkenazi, também acha e, por isso, ordenou a abertura de inquérito. Segundo o jornalista Amos Harel, esses relatos constituem a prova, em primeira mão, do que a maioria dos israelenses prefere não ver. A começar pelo ministro da defesa, Ehud Barak que defendeu a ética e as ações do exército durante a ofensiva contra Gaza, que fez 1300 mortos e cinco mil feridos entre os palestinos. “O Exército israelense é o mais moral do mundo”, garante Barak.
A consciência crítica de Noham Chomsky
O grande intelectual americano Noham Chomsky, um dos mais lidos e citados do mundo, se tornou há alguns anos a principal consciência crítica dos Estados Unidos. Professor emérito do Massachusetts Institute of Technology (MIT) Chomsky é um linguista respeitado no mundo inteiro que se define como “anarco-socialista”. Em artigo publicado recentemente, Chomsky cita o escritor israelense Uri Avnery.
“Uri Avnery, uma das mais sábias vozes em Israel, escreve que, depois de uma vitória militar israelense, o que ficará marcado na consciência do mundo será a imagem de Israel como um monstro manchado de sangue, pronto para, a qualquer momento, cometer crimes de guerra e não preparado para obedecer a quaisquer limites morais. Isso terá consequências graves para nosso futuro a longo prazo, para nossa permanência no mundo, para nossa chance de conseguir paz e sossego. No fim, essa guerra é um crime contra nós mesmos, também um crime contra o Estado de Israel”.
Há uma boa razão para acreditar que Avnery está certo, diz Chomsky. Segundo o intelectual americano, “Israel está deliberadamente se tornando talvez o país mais odiado do mundo e também vem perdendo o apoio da população ocidental, inclusive dos judeus americanos jovens, que dificilmente tolerarão esses crimes chocantes por muito tempo”.
New Deal para o Oriente Médio
No fim de fevereiro um grupo de intelectuais franceses, entre os quais muitos de origem judaica como Daniel Cohn-Bendit, Edgar Morin, Jean Daniel, Stéphane Hessel, Michel Toubiana, outros não judeus como Antonio Tabucci e o deputado europeu Francis Wurtz lançaram um apelo por um novo compromisso (um New Deal) para chegar a uma solução de dois Estados que finalmente garanta a paz da região. Um trecho do documento diz:
“Devido ao estado atual de tensão ao impasse de hoje é preciso que os formuladores da política internacional intervenham com urgência para romper a atual engrenagem. Com efeito, quanto mais o contencioso cresce, mais os Palestinos ficarão desesperados e mais difíceis serão as chances de os israelenses continuarem a viver nessa terra. Um new deal é necessário para garantir a todos a segurança”.
Faz sessenta anos que a ONU determinou a criação de dois Estados. Os palestinos esperam o deles até hoje.
Na gigantesca manif (“manifestation”) de Paris, que levou mais de 300 mil pessoas às ruas, organizada pelos maiores sindicatos e associações de trabalhadores, não se pediu apenas aumento do salário mínimo, das pensões dos aposentados, mais assistência e maior proteção para os que, devido à crise, perdem seus empregos em bloco. Os franceses foram às ruas contra as reformas do governo, em defesa do serviço público (escolas, universidades e hospitais) e por medidas econômicas mais justas.
Mas um coletivo bem-humorado e criativo saiu na passeata em defesa dos ricos. Ele se chama “Sauvons les riches”. Os pesquisadores e cientistas não criaram o “Sauvons la recherche”, que creem ameaçada pela reforma? Por que não o “sauvons les riches”, os que mais perdem com a crise financeira? São eles que veem fortunas colossais de bilhões de dólares se evaporarem! E ficam mais pobres a cada Madoff que aparece no noticiário.
Uma carruagem com ricos arrependidos desfilou no meio do cortejo da CGT com uma faixa: “Sou rico mas estou me tratando”.
O presidente bling bling
Depois da recente viagem oficial de Sarkozy ao México, a mídia francesa se interroga sobre os excessos presidenciais e a fronteira entre ética e etiqueta.
Antes de começar a visita oficial, o casal Sarkozy passou o fim de semana numa praia de Manzanillo, no sul do México. Obviamente, cercado de ricos, pois o presidente bling bling gosta de luxo e dos sinais exteriores de riqueza. E quem frequenta o hotel em que ele ficou tem que ter cacife para desembolsar 50 mil euros por um fim de semana. Aliás, a imprensa francesa quer saber quem pagou o fim de semana do casal presidencial. Os sites Mediapart e Rue89 expõem o “affaire” explicando que o hotel Tamarindo pertence ao milionário Robert Hernandez Ramirez, suspeito de ligações com o narcotráfico, e amigo do presidente Felipe Calderon. Um jornalista especializado no tráfico de droga, Al Giordano, informou que pela fazenda de Ramirez, onde ele já recebeu Bush e Clinton, passariam carregações de droga. Por outro lado, o presidente Calderon viu sua popularidade subir como um foguete depois que iniciou uma verdadeira guerra contra o narcotráfico.
O palácio do Eliseu informou oficialmente que o fim de semana no hotel El Tamarindo foi um convite do presidente do México. Mesmo se, anteriormente, houvesse ficado claro, de acordo com a comunicação oficial, que o fim de semana do casal era um programa privado. O governo mexicano, por sua vez, declarou que Sarkozy e sua mulher foram convidados nessa parte não oficial da visita por empresários mexicanos.
Por mais de um motivo essa viagem de Sarkozy foi desastrosa para a imagem da França na opinião pública mexicana: primeiramente, o presidente solicitou que uma francesa acusada de sequestros, presa e condenada no México seja enviada à França - o que foi visto pelos mexicanos como interferência na Justiça mexicana. Depois, ficou a dúvida: teria Sarkozy passado um fim de semana financiado por um amigo do presidente envolvido com o tráfico de droga?
Militares israelenses denunciam crimes contra civis
Deu no Libération de quinta-feira, 19:
“Alguns militares israelenses confirmaram relatos de palestinos sobre excessos cometidos pelo exército de Israel em Gaza. Tiros injustificados provocaram a morte de muitos civis palestinos, segundo informação do jornal israelense Haaretz, que publica na sexta-feira, dia 20, os depoimentos na íntegra. Entre os relatos, o caso de uma mãe de família assassinada com seus dois filhos porque se enganou e pegou um caminho errado, seguindo ordens dos soldados. Outra senhora de idade foi morta pelos soldados israelenses enquanto atravessava uma rua”.
Para o diretor da Academia militar, Dany Zamir, esse tipo de relato é chocante. O chefe do Estado Maior, Gabi Ashkenazi, também acha e, por isso, ordenou a abertura de inquérito. Segundo o jornalista Amos Harel, esses relatos constituem a prova, em primeira mão, do que a maioria dos israelenses prefere não ver. A começar pelo ministro da defesa, Ehud Barak que defendeu a ética e as ações do exército durante a ofensiva contra Gaza, que fez 1300 mortos e cinco mil feridos entre os palestinos. “O Exército israelense é o mais moral do mundo”, garante Barak.
A consciência crítica de Noham Chomsky
O grande intelectual americano Noham Chomsky, um dos mais lidos e citados do mundo, se tornou há alguns anos a principal consciência crítica dos Estados Unidos. Professor emérito do Massachusetts Institute of Technology (MIT) Chomsky é um linguista respeitado no mundo inteiro que se define como “anarco-socialista”. Em artigo publicado recentemente, Chomsky cita o escritor israelense Uri Avnery.
“Uri Avnery, uma das mais sábias vozes em Israel, escreve que, depois de uma vitória militar israelense, o que ficará marcado na consciência do mundo será a imagem de Israel como um monstro manchado de sangue, pronto para, a qualquer momento, cometer crimes de guerra e não preparado para obedecer a quaisquer limites morais. Isso terá consequências graves para nosso futuro a longo prazo, para nossa permanência no mundo, para nossa chance de conseguir paz e sossego. No fim, essa guerra é um crime contra nós mesmos, também um crime contra o Estado de Israel”.
Há uma boa razão para acreditar que Avnery está certo, diz Chomsky. Segundo o intelectual americano, “Israel está deliberadamente se tornando talvez o país mais odiado do mundo e também vem perdendo o apoio da população ocidental, inclusive dos judeus americanos jovens, que dificilmente tolerarão esses crimes chocantes por muito tempo”.
New Deal para o Oriente Médio
No fim de fevereiro um grupo de intelectuais franceses, entre os quais muitos de origem judaica como Daniel Cohn-Bendit, Edgar Morin, Jean Daniel, Stéphane Hessel, Michel Toubiana, outros não judeus como Antonio Tabucci e o deputado europeu Francis Wurtz lançaram um apelo por um novo compromisso (um New Deal) para chegar a uma solução de dois Estados que finalmente garanta a paz da região. Um trecho do documento diz:
“Devido ao estado atual de tensão ao impasse de hoje é preciso que os formuladores da política internacional intervenham com urgência para romper a atual engrenagem. Com efeito, quanto mais o contencioso cresce, mais os Palestinos ficarão desesperados e mais difíceis serão as chances de os israelenses continuarem a viver nessa terra. Um new deal é necessário para garantir a todos a segurança”.
Faz sessenta anos que a ONU determinou a criação de dois Estados. Os palestinos esperam o deles até hoje.
sábado, 14 de março de 2009
Teologia do atraso
O arcaísmo da igreja católica é desconcertante. Na semana em que se comemorou o dia internacional da mulher, o drama da criança vítima de um padrasto pedófilo, em Pernambuco, chocou o mundo. Mas o que causou maior estupefação foi a reação retrógrada do bispo católico, apoiada em seguida pelo Vaticano.
O Le Monde deu a notícia em matéria na primeira página esta semana, com uma reportagem de fundo sobre as decisões recentes do Vaticano que causam total incompreensão, como essa excomunhão dos médicos e da mãe da criança estuprada e a reintegração de padres e bispos integristas, entre os quais um negacionista que duvida das mortes de judeus em câmaras de gás nazistas. O historiador Philippe Levillain fez um comentário que resume o pensamento de grande parte dos observadores leigos da igreja católica: “O pontificado de Bento XVI está se tornando o pontificado trágico da incompreensão”.
Um bispo ouvido em off (anonimamente) pelo jornal Le Monde comenta: “Essas posições da Igreja estão muito distantes do Evangelho. Em alguns casos, é melhor calar-se e acompanhar o sofrimento das pessoas. A Igreja está no seu papel quando diz que a vida deve ser protegida desde a concepção, mas diante de tal drama deve-se ter uma palavra de compaixão e não de excomunhão”.
O diretor do jornal L’Humanité, Patrick Le Hyaric vai mais longe: conclama a todos os que defendem os valores humanistas, crentes ou ateus, a um movimento internacional para pedir ao Vaticano que anule “essa decisão iníqua de excomunhão”.
Aborto, blasfêmia e guilhotina
Sem intervalos comerciais, podemos ver um filme na televisão francesa como se estivéssemos no cinema. Esse detalhe que sempre me afastou da TV no Brasil, me leva de vez em quando a reparar uma falha da minha (in)cultura cinematográfica.
No dia internacional da mulher, o canal francoalemão Arte, a melhor opção da TV francesa, passou o filme de Claude Chabrol, Une affaire de femmes, com uma interpretação magistral de Isabelle Huppert, que deu à atriz o prêmio de melhor atriz no festival de Veneza de 1988. O filme ganhou ainda o Golden Globe de melhor filme estrangeiro de 1989.
Huppert vive Marie Latour, uma mulher que durante a guerra faz um aborto numa vizinha e, ao se dar conta de que a atividade pode se transformar em trabalho remunerado, se transforma em “faiseuse d’anges” como se diz em francês. Marie era jovem, casada, mãe de dois filhos e gostava de cantar canções francesas. Seu sonho de se tornar cantora profissional é bruscamente interrompido pela chegada de policiais, após denúncia anônima. Acontece que o aborto era ilegal e considerado crime passível de pena de morte pelas leis de Vichy. Marie Latour é presa e seu processo termina em condenação à guilhotina.
Chabrol reconstitui com talento de mestre um microcosmo da França, a pequena cidade onde a guerra que destrói a Europa é percebida apenas nas privações do cotidiano e na presença esporádica de soldados alemães. E Isabelle Huppert confirma que é a maior atriz do cinema francês.
Uma granada de gás lacrimogênio explodiu num dos cinemas de Montparnasse que passava o filme no outono de 1988. Um espectador teve um ataque cardíaco e morreu. A bomba era a reação de católicos conservadores indignados com a prece blasfematória que Isabelle Huppert diz antes de caminhar para a guilhotina: “Ave Maria cheia de merda, o fruto de teu ventre é podre”.
O filme, uma adaptação do romance homônimo de Francis Szpiner, é baseado na história real de Marie-Louise Giraud, nascida em 17 de novembro de 1903 e uma das últimas mulheres guilhotinadas na França, em 30 de julho de 1943.
Em 1975, a lei Simone Veil tornou o aborto, denominado IVG-interrupção voluntária de gravidez – um direito de todas as francesas.
A pena de morte foi abolida em 1981, por iniciativa de François Mitterrand.
O Le Monde deu a notícia em matéria na primeira página esta semana, com uma reportagem de fundo sobre as decisões recentes do Vaticano que causam total incompreensão, como essa excomunhão dos médicos e da mãe da criança estuprada e a reintegração de padres e bispos integristas, entre os quais um negacionista que duvida das mortes de judeus em câmaras de gás nazistas. O historiador Philippe Levillain fez um comentário que resume o pensamento de grande parte dos observadores leigos da igreja católica: “O pontificado de Bento XVI está se tornando o pontificado trágico da incompreensão”.
Um bispo ouvido em off (anonimamente) pelo jornal Le Monde comenta: “Essas posições da Igreja estão muito distantes do Evangelho. Em alguns casos, é melhor calar-se e acompanhar o sofrimento das pessoas. A Igreja está no seu papel quando diz que a vida deve ser protegida desde a concepção, mas diante de tal drama deve-se ter uma palavra de compaixão e não de excomunhão”.
O diretor do jornal L’Humanité, Patrick Le Hyaric vai mais longe: conclama a todos os que defendem os valores humanistas, crentes ou ateus, a um movimento internacional para pedir ao Vaticano que anule “essa decisão iníqua de excomunhão”.
Aborto, blasfêmia e guilhotina
Sem intervalos comerciais, podemos ver um filme na televisão francesa como se estivéssemos no cinema. Esse detalhe que sempre me afastou da TV no Brasil, me leva de vez em quando a reparar uma falha da minha (in)cultura cinematográfica.
No dia internacional da mulher, o canal francoalemão Arte, a melhor opção da TV francesa, passou o filme de Claude Chabrol, Une affaire de femmes, com uma interpretação magistral de Isabelle Huppert, que deu à atriz o prêmio de melhor atriz no festival de Veneza de 1988. O filme ganhou ainda o Golden Globe de melhor filme estrangeiro de 1989.
Huppert vive Marie Latour, uma mulher que durante a guerra faz um aborto numa vizinha e, ao se dar conta de que a atividade pode se transformar em trabalho remunerado, se transforma em “faiseuse d’anges” como se diz em francês. Marie era jovem, casada, mãe de dois filhos e gostava de cantar canções francesas. Seu sonho de se tornar cantora profissional é bruscamente interrompido pela chegada de policiais, após denúncia anônima. Acontece que o aborto era ilegal e considerado crime passível de pena de morte pelas leis de Vichy. Marie Latour é presa e seu processo termina em condenação à guilhotina.
Chabrol reconstitui com talento de mestre um microcosmo da França, a pequena cidade onde a guerra que destrói a Europa é percebida apenas nas privações do cotidiano e na presença esporádica de soldados alemães. E Isabelle Huppert confirma que é a maior atriz do cinema francês.
Uma granada de gás lacrimogênio explodiu num dos cinemas de Montparnasse que passava o filme no outono de 1988. Um espectador teve um ataque cardíaco e morreu. A bomba era a reação de católicos conservadores indignados com a prece blasfematória que Isabelle Huppert diz antes de caminhar para a guilhotina: “Ave Maria cheia de merda, o fruto de teu ventre é podre”.
O filme, uma adaptação do romance homônimo de Francis Szpiner, é baseado na história real de Marie-Louise Giraud, nascida em 17 de novembro de 1903 e uma das últimas mulheres guilhotinadas na França, em 30 de julho de 1943.
Em 1975, a lei Simone Veil tornou o aborto, denominado IVG-interrupção voluntária de gravidez – um direito de todas as francesas.
A pena de morte foi abolida em 1981, por iniciativa de François Mitterrand.
sábado, 7 de março de 2009
Padrastos, madrastas e dor de cotovelo
No ano passado, o presidente Sarkozy encomendou um texto de lei, divulgado este mês, para fixar direitos dos padrastos e madrastas (beaux-parents) em relação aos filhos do companheiro ou cônjuge.
O texto do ante-projeto de lei chamado “Statut des beaux-parents” acabou, segundo o desejo do presidente, estendendo direitos aos homossexuais, permitindo que o companheiro de um gay ou a companheira de uma lésbica possam participar da educação do filho do outro. A lei foi apresentada como o primeiro passo para o reconhecimento da “homoparentalidade” (homopaternidade e homomaternidade) e à adoção por casais homossexuais.
Até hoje, a lei não reconhecia senão ao pai e à mãe o direito a cuidar da criança ou a acompanhá-la à escola ou ao médico. Agora, os padrastos e madrastas (heterossexuais ou homossexuais) terão os mesmos direitos em relação aos filhos biológicos do companheiro, companheira ou do cônjuge.
O casal presidencial vai ser diretamente atingido pela lei pois tanto Sarkozy quanto Carla Bruni têm filhos menores de relações anteriores. Ele fora casado duas vezes e tem um filho menor do segundo casamento com Cécilia Sarkozy. Carla tem um filho pequeno de Raphaël Enthoven, com quem viveu maritalmente. Raphaël era marido da filha do filósofo Bernard-Henri Lévy quando ele e Carla se conheceram. Carla vivia com o pai de Raphaël, Jean-Paul Enthoven.
Justine Lévy aproveitou a experiência amarga de mulher abandonada para escrever o romance “Rien de grave”. Nessa obra de auto-fiction, que vendeu quase 200 mil exemplares, ela não poupa sua rival. Carla (com outro nome, claro) é uma devoradora de homens, calculista, cujo rosto foi todo reconstruído pela cirurgia plástica. Realidade ou ficção ? De qualquer forma, a vingança pública teve diversas traduções pelo mundo e recebeu dois prêmios literários.
Mademoiselle ou Madame?
É difícil acreditar mas até 1938, um ano antes da segunda guerra, as francesas não podiam pedir um passaporte ou abrir uma conta bancária sem a autorização do marido. E até 1965 (!) o marido tinha o direito de se opor ao trabalho da mulher fora do lar. O código civil de 1804 (de Napoleão), que se manteve quase intacto até pouco tempo, fazia das mulheres francesas menores do ponto de vista legal.
Hoje, liberadas e donas de seu destino, as mulheres francesas têm filhos sem passar necessariamente pelo casamento: quase a metade (48,3%) das crianças nascem fora da instituição do casamento.
Mas apesar desses avanços, a sociedade francesa convive com vestígios da sociedade patriarcal, como no uso das palavras Madame ou Mademoiselle, impressas em cheques ou mesmo em formulários diversos, que designam se uma mulher é casada ou não. Ou seja, se ela tem um dono ou não. Nada indigna mais as associações feministas que esses resquícios de machismo incorporados à língua e aos costumes.
No Canadá, a instituição que legisla sobre a língua francesa estabeleceu o uso de “Madame” a todas as mulheres, menos as que são muito jovens e às solteiras que fizerem questão do “Mademoiselle”. Essas são cada vez mais raras. Nos formulários canadenses, existe apenas “monsieur” ou “madame”. Dessa forma, dissocia-se o tratamento a uma mulher do fato de ser solteira, casada, divorciada ou cônjuge de fato numa relação de casal sem casamento.
Assassino homenageado no Parlamento francês
O combate pela igualdade entre homens e mulheres é uma luta apenas das mulheres?
Quantos homens se preocupam em se engajar na luta pelos direitos iguais no trabalho, na vida familiar, na vida afetiva? Quantos são capazes de sair de casa para ir a uma passeata contra as violências físicas feitas às mulheres?
No final de 2008, um deputado francês casado espancou sua jovem amante, matou-a e se suicidou. Seus colegas na Câmara observaram o tradicional minuto de silêncio em sua memória. Em artigo sobre a atualidade do feminismo publicado esta semana, a escritora e feminista Benoîte Grout pergunta: “Se houvesse 50% de mulheres no Parlamento francês, os parlamentares teriam tido a coragem de honrar a memória daquele criminoso?”
Benoîte Groult, que tem uma vasta obra de romances e ensaios, foi a presidente da comissão criada no governo Mitterrand para introduzir na língua francesa femininos para atividades que eram designadas apenas no masculino como auteur (auteure) e écrivain (écrivaine).
Em 1986, ela publicou pela primeira vez integralmente a Declaração dos direitos da mulher e da cidadã, de 1791, redigida por Olympe de Gouges.
O texto do ante-projeto de lei chamado “Statut des beaux-parents” acabou, segundo o desejo do presidente, estendendo direitos aos homossexuais, permitindo que o companheiro de um gay ou a companheira de uma lésbica possam participar da educação do filho do outro. A lei foi apresentada como o primeiro passo para o reconhecimento da “homoparentalidade” (homopaternidade e homomaternidade) e à adoção por casais homossexuais.
Até hoje, a lei não reconhecia senão ao pai e à mãe o direito a cuidar da criança ou a acompanhá-la à escola ou ao médico. Agora, os padrastos e madrastas (heterossexuais ou homossexuais) terão os mesmos direitos em relação aos filhos biológicos do companheiro, companheira ou do cônjuge.
O casal presidencial vai ser diretamente atingido pela lei pois tanto Sarkozy quanto Carla Bruni têm filhos menores de relações anteriores. Ele fora casado duas vezes e tem um filho menor do segundo casamento com Cécilia Sarkozy. Carla tem um filho pequeno de Raphaël Enthoven, com quem viveu maritalmente. Raphaël era marido da filha do filósofo Bernard-Henri Lévy quando ele e Carla se conheceram. Carla vivia com o pai de Raphaël, Jean-Paul Enthoven.
Justine Lévy aproveitou a experiência amarga de mulher abandonada para escrever o romance “Rien de grave”. Nessa obra de auto-fiction, que vendeu quase 200 mil exemplares, ela não poupa sua rival. Carla (com outro nome, claro) é uma devoradora de homens, calculista, cujo rosto foi todo reconstruído pela cirurgia plástica. Realidade ou ficção ? De qualquer forma, a vingança pública teve diversas traduções pelo mundo e recebeu dois prêmios literários.
Mademoiselle ou Madame?
É difícil acreditar mas até 1938, um ano antes da segunda guerra, as francesas não podiam pedir um passaporte ou abrir uma conta bancária sem a autorização do marido. E até 1965 (!) o marido tinha o direito de se opor ao trabalho da mulher fora do lar. O código civil de 1804 (de Napoleão), que se manteve quase intacto até pouco tempo, fazia das mulheres francesas menores do ponto de vista legal.
Hoje, liberadas e donas de seu destino, as mulheres francesas têm filhos sem passar necessariamente pelo casamento: quase a metade (48,3%) das crianças nascem fora da instituição do casamento.
Mas apesar desses avanços, a sociedade francesa convive com vestígios da sociedade patriarcal, como no uso das palavras Madame ou Mademoiselle, impressas em cheques ou mesmo em formulários diversos, que designam se uma mulher é casada ou não. Ou seja, se ela tem um dono ou não. Nada indigna mais as associações feministas que esses resquícios de machismo incorporados à língua e aos costumes.
No Canadá, a instituição que legisla sobre a língua francesa estabeleceu o uso de “Madame” a todas as mulheres, menos as que são muito jovens e às solteiras que fizerem questão do “Mademoiselle”. Essas são cada vez mais raras. Nos formulários canadenses, existe apenas “monsieur” ou “madame”. Dessa forma, dissocia-se o tratamento a uma mulher do fato de ser solteira, casada, divorciada ou cônjuge de fato numa relação de casal sem casamento.
Assassino homenageado no Parlamento francês
O combate pela igualdade entre homens e mulheres é uma luta apenas das mulheres?
Quantos homens se preocupam em se engajar na luta pelos direitos iguais no trabalho, na vida familiar, na vida afetiva? Quantos são capazes de sair de casa para ir a uma passeata contra as violências físicas feitas às mulheres?
No final de 2008, um deputado francês casado espancou sua jovem amante, matou-a e se suicidou. Seus colegas na Câmara observaram o tradicional minuto de silêncio em sua memória. Em artigo sobre a atualidade do feminismo publicado esta semana, a escritora e feminista Benoîte Grout pergunta: “Se houvesse 50% de mulheres no Parlamento francês, os parlamentares teriam tido a coragem de honrar a memória daquele criminoso?”
Benoîte Groult, que tem uma vasta obra de romances e ensaios, foi a presidente da comissão criada no governo Mitterrand para introduzir na língua francesa femininos para atividades que eram designadas apenas no masculino como auteur (auteure) e écrivain (écrivaine).
Em 1986, ela publicou pela primeira vez integralmente a Declaração dos direitos da mulher e da cidadã, de 1791, redigida por Olympe de Gouges.
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