sábado, 2 de maio de 2009

Augusto Boal


Eu era fascinada pela inteligência, pelo entusiasmo e pela generosidade de Augusto Boal. Afabilidade e bom humor eram marca registrada desse homem de teatro para quem “cidadão não é aquele que vive em sociedade, é aquele que a transforma”. Defendia os oprimidos, quando a maioria prefere fazer aliança com os opressores. Frequentava os deserdados, quando poderia desfrutar das facilidades oferecidas pelos privilegiados. Participou do show business sem nunca se deixar ofuscar pelo brilho e pela superficialidade desse mundo. Era simples e otimista e, aos 78 anos, guardava uma alegria de criança. Escolheu seu campo desde cedo e, por isso, sofreu prisão e tortura durante a ditadura.
Tive o privilégio e o prazer de desfrutar da amizade de Augusto. Torci por ele quando foi indicado, no ano passado, ao Nobel da Paz pela sua maior criação, o teatro do oprimido. Acompanho seu trabalho há muito tempo, votei nele para a Câmara dos Vereadores do Rio. Eu o considerei meu Nobel da Paz, mesmo que o prêmio tenha ido para um finlandês ou dinamarquês, quem lembra do nome dele? Numa de suas viagens de trabalho pela Europa, fiz uma longa entrevista com Boal sobre o teatro do Oprimido, para o jornal comunista L’Humanité, (Augusto Boal, le théâtre contre l’oppression), publicada em março de 2007. A íntegra dessa entrevista foi publicada em português na revista online Tropico (http://pphp.uol.com.br/tropico/html/index.shl).
Nunca perdi a oportunidade de encontrá-lo em Paris ou no Rio, com meu marido e com Cecília, sua mulher. Uma vez, fomos com eles a Montreuil, onde Boal deu uma palestra sobre o teatro do oprimido para uma platéia entusiasmada com o brilho de suas idéias e com a técnica do seu teatro. Ouvi-lo era um deleite. Sua vida e o teatro do oprimido foram uma lição de solidariedade e fraternidade. Pessoas que em qualquer parte do mundo vivem situações de opressão podem se expressar através do método desenvolvido por ele.
O mundo inteiro o admirava. O teatro do oprimido é praticado em mais de 70 países. Ele vivia entre dois aviões, viajando por todos os continentes. Seu teatro é objeto de teses de diversas universidades do mundo.
A última vez que vi Augusto foi em Paris, no mês de março. Ele viera à Europa para, entre outras coisas, receber uma homenagem na Unesco, que o nomeou Embaixador Mundial do Teatro, no dia internacional do teatro, 27 de março. Sua maravilhosa mensagem, lida em todos os teatros do mundo, foi traduzida em 45 línguas e os cartazes das traduções foram colados numa das paredes perto do auditório onde ele foi homenageado (ver postagem desse blog no dia 27 de março).
Augusto Boal era o brasileiro mais admirável do Brasil atual. Faz parte do meu panteão de grandes homens apaixonados pelo Brasil. Nesse grupo figuram Barbosa Lima Sobrinho, Apolônio de Carvalho, Hélio Pellegrino e Alceu de Amoroso Lima.
Neste sábado, o Brasil ficou mais pobre.

So French !


“Un grand cru”. Foi como o jornal Libération classificou o primeiro de maio francês que levou dez vezes mais gente às ruas para protestar que um primeiro de maio “normal”, isto é, sem crise.
Em Paris, o cortejo saiu de Denfert-Rochereau sob um céu ensolarado e uma temperatura primaveril de 20 graus e desceu o Boulevard Saint-Michel em direção à Bastilha.
Pela primeira vez, oito centrais sindicais manifestaram unidas o descontentamento com a política de Sarkozy e sua gestão da crise. Como sempre, as avaliações do número de manifestantes variaram de acordo com os interesses. Para a polícia, havia 465 mil pessoas nas ruas e para a CGT um milhão e duzentas mil nas diversas cidades onde houve manifestações. Nas passeatas de 29 de janeiro e de 19 de março deste ano, havia mais gente nas ruas em toda a França. Na de março, a CGT estimou em 3 milhões o número de manifestantes, “apenas” 1,2 milhão segundo a polícia.
Os jornais atribuem a menor afluência desta terceira grande manif do ano, ao fato de o 1° de maio ter caído numa sexta, o que criou um fim de semana prolongado levando muita gente a preferir viajar em vez de ir desfilar para dizer a Sarko que “ça ne va pas”. Muitos se fantasiaram de palhaços.

Uma amiga inglesa de passagem por Paris foi comigo ver a manif e repetia fascinada: “Isso é tão tipicamente francês!” Ela já me acompanhara a uma conferência do ex-embaixador Stéphane Hessel, de 92 anos, e ficara impressionada com o número de pessoas que se deslocaram numa noite chuvosa, depois de um dia de trabalho, para ouvir um dos redatores da Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948) falar de Gaza e da situação da Palestina ocupada.
“So French”!

*Fotos de Leneide Duarte-Plon

Um comentário:

Anotoni disse...

Leneide querida:quano soube da morte de Augusto Boal logo pensei em você e compatilhar seu pesar pelo ocorrido.
Compartilho com você também, sua admiração pela personalidade, pelo ser humano e pelo talento desse grande teatrólogo do mundo, que soube fazer do teatro uma ferramenta de libertação.
Um forte abraço da amiga,
Ana Otoni