sábado, 13 de fevereiro de 2010

Um jornalista israelense contra a indiferença do mundo



"Eu amo Gaza".

Essa frase não saiu da boca de nenhum membro do Hamas. É o título do prefácio escrito por Gideon Levy para a edição francesa de uma coletânea de seus artigos publicados na coluna Twilight Zone, no Haaretz, jornal de Israel do qual ele é um dos principais jornalistas. O livrinho se chama “Gaza – articles pour Haaretz – 2006-2009”, publicado pela editora La Fabrique de Eric Hazan.

“Eu me considero um patriota israelense”, diz Levy ao leitor francês. “Acho que os verdadeiros amigos de Israel são os que protestam contra sua política, contra a ocupação, contra o bloqueio e contra a guerra. A verdadeira amizade não consiste em dar sempre mais dinheiro ao drogado mas a estimulá-lo à desintoxicação”.

No prefácio, Gideon Levy (membro da conferência antiimperialista Axis for Peace organizada pelo Réseau Voltaire) conta que desde 2006 ele e todos os jornalistas israelenses estão proibidos de ir a Gaza, pelo bloqueio midiático imposto por Israel. Por isso, nem ele nem qualquer outro jornalista do mundo pôde cobrir a guerra de dezembro de 2008/janeiro de 2009 de Israel contra Gaza (“Plomb durci”), uma guerra “abominável, inútil, sem nenhum objetivo mas apoiada por uma sociedade entregue a uma onda de nacionalismo, militarismo, lavagem cerebral, mentiras, denegações e dissimulação”.


“Uma guerra que não foi uma guerra pois do outro lado não havia praticamente nenhuma resistência, nenhum combate. Foi uma ofensiva selvagem dirigida contra a população mais impotente do mundo, cercada e prisioneira, que não tinha para onde fugir, nem mesmo para o mar. Bombas de fósforo que queimam em carne viva, bombas de fragmentação que dispersam pregos para todos os lados, aviões com ou sem piloto, que lançam mísseis, bombardeios em todo o território, centenas de inocentes mortos simplesmente pelo fato de serem de Gaza. Os habitantes de Gaza, que são na maior parte filhos de refugiados que já viveram antes o terrível drama da criação de Israel, acabam de viver mais um episódio da tragédia que é suas vidas no dia-a-dia. Neste grande campo de concentração que é a Faixa de Gaza, eles são muito pobres, mas continuam humanos e calorosos. São prisioneiros mas continuam abertos aos outros”.


Talvez os leitores deste blog reajam dizendo que essa guerra desigual e injustificada foi condenada pela comunidade internacional. Como? Onde? Quem condenou? Bush nos extertores de seu (des)governo deu o sinal verde aos israelenses e fez um silêncio ensurdecedor à invasão e bombardeio de Gaza. Quanto à União Europeia, Gideon Levy relembra, para quem esqueceu, que no momento mais duro da guerra, quando choviam bombas destruindo tudo em Gaza (2400 casas destruídas, 30 mesquitas, 121 fábricas, 29 escolas, entre elas uma sob a proteção da ONU) uma delegação da presidência da União europeia foi a Jerusalém para dar o apoio da UE ao primeiro ministro Ehoud Barak! Em nome de todos os europeus, que não foram ouvidos para saber se estavam de acordo !

Gideon Levy diz que hoje a ocupação é mais “brutal, perversa e desumana do que nunca”. Mas quando Israel se retirou de Gaza ele não acreditou em mudança, como acreditara nos acordos de Oslo na década de 90. Sabia que com a retirada dos judeus de Gaza “a ocupação apenas mudava de forma. O carcereiro tinha saído da prisão e agora ia fechá-la pelo lado de fora. Gaza continuava sendo a maior prisão, o campo de torturas mais cruel do mundo”.

Levy conta que um dia, estava em Gaza quando encontrou um colega da TF1 francesa fazendo uma matéria (antes, pois, de 2006). Eles foram ver a casa de uma palestina paralítica que perdera a filha que cuidava dela, vítima de uma bomba israelense. Ele disse ao colega francês: “Nesses momentos tenho vergonha de ser israelense porque esse míssil foi jogado em meu nome”. O colega lhe telefonou depois para dizer que teve de cortar seu depoimento pois a TV francesa não poderia mostrar um israelense dizendo isso. Os telespectadores poderiam ficar furiosos. Gideon Levy conta que lamentou profundamente pois tudo o que escreve e diz é justamente para despertar alguma reação. Ele quer que os israelenses se indignem com o que é feito em nome deles, que não venham a dizer no futuro que não sabiam das atrocidades praticadas hoje.


Na última vez que foi a Gaza, Gideon Levy viu o corpo de uma professora da escola Indira Gandhi. A moça de trinta anos jazia coberta de sangue, cercada pelas crianças da escola maternal. As crianças viram quando a bomba matou a professora. Desenharam o que viram, uma pessoa deitada no chão coberta de sangue, com as crianças em torno do corpo e um tanque de guerra israelense no fundo. A bomba tinha sido atirada do tanque contra a jovem professora que estava não muito longe de suas crianças.

“O mundo continua a ignorar Gaza e a olhar em outra direção”, diz Levy. “Por isso, o Haaretz é um raio de sol no meio das trevas que engoliram Israel”.

Algum jornal brasileiro já teve a ideia de publicar os artigos de Gideon Levy? Algum editor brasileiro pensará em traduzir esse livro?

Provavelmente, não. Quanto ao “filósofo” Bernard-Henri Lévy, o midiático BHL, a imprensa brasileira o trata como um grande intelectual. Seus livros são traduzidos e devem ter leitores, pois os editores não editariam para perder dinheiro. BHL não incomoda. É um aliado incondicional dos EUA e de Israel, perfeito para nossa imprensa e nossos formadores de opinião.

Nenhum jornal francês resenhou o livro de Gideon Levy, a não ser o L’Humanité que deu duas páginas de entrevista com o jornalista. Na França, o jornal comunista é o único a tratar do Oriente Médio com isenção. Nem mesmo o Le Monde, conhecido como “quotidien de référence” falou do livro de Gideon Lévy até hoje.

Em compensação, os dois livros de BHL lançados esta semana (uma coletânea de artigos e um texto sobre uma aula de filosofia) tiveram resenhas em todas as revistas semanais e nos principais jornais (inclusive Libération, do qual o rico “filósofo” é acionista).





***Fotos de Leneide Duarte-Plon da passeata contra a guerra de Israel em Gaza, janeiro de 2009, Paris. Na terceira foto, a polícia francesa faz a proteção aos manifestantes com carros blindados. O cartaz da última foto diz: "Aqui as crianças perdem seus ursinhos. Em Gaza, são os ursinhos que perderam suas crianças".


Um comentário:

lea maria aarão reis disse...

É incrível: sem comentários!
Vamos experimentar uma ofensiva junto aos nossos prezados editores.
Tanto de livros como de jornais, blogs, sites. Vamos ver no que resultará.
Nada?