sábado, 20 de março de 2010

Freud e o sionismo


Ao ler os jornais e constatar o impasse do “problema” do Oriente Médio com a ocupação israelense se eternizando e a criação do Estado Palestino sendo transferida para as calendas gregas, como não pensar em Freud e sua famosa carta?
Segundo a historiadora da psicanálise Elisabeth Roudinesco, “Freud considerava o sionismo como uma perigosa utopia, mas também como uma patologia, isto é, como um modo de compensação dos sentimentos nacionais frustrados pelo antissemitismo”. Ele escreveu em 1930 uma carta explicando a um amigo porque não podia defender a criação de um país para os judeus na Palestina. Essa carta ficou secreta até poucos anos atrás quando foi traduzida para o francês e comentada no Nouvel Observateur pela historiadora. Agora, ela volta ao tema da carta de Freud em seu novo livro Retour sur la question juive e comentou em entrevista exclusiva que fiz para a revista Tropico: “Defendo soluções para evitar um mundo que seria o pior pesadelo, o de judeus racistas e árabes antissemitas. E nesse pesadelo já estamos”.

« Eu confesso, boicoto os produtos de Israel”

O autor da carta aberta à ministra da Justiça da França, publicada com esse título no jornal L’Humanité (comunista) não é nenhum antissemita. Chama-se Serge Grossvak e é membro da União Judaica Francesa para a Paz (Union Juive Française pour la Paix).
A carta começa com a frase ”Eu confesso, boicoto os produtos de Israel” e continua: “Não quero esses produtos frutos do sangue e da dominação. Ele exalam um cheiro de ódio e de opressão. Eu os recuso pensando em meus pais que me falaram do martírio sob os nazistas. Esse inferno que devorou nossa família. “Nunca mais” era o clamor do coração no fim do pesadelo. “Nunca mais”, disseram os sobreviventes. Filho de judeus imigrantes, eu aprendi essa lição como um dever de humanidade, como um engajamento de solidariedade, como uma exigência de vida. Eu boicoto hoje para que os descendentes de um grande martírio possam sair do caminho assassino, para que o Estado de Israel e seu povo, perdido num extremismo que não para de crescer, abandonem essa tirania.
Eu confesso, lanço um apelo ao boicote dos produtos desse país hoje guerreiro, conquistador e opressor, desse país que abdicou de qualquer moral. Eu confesso e convido a todos a este ato de resistência. Ato pacífico. Ato de razão. Meu apelo é um clamor contra a indignidade dos crimes cometidos, contra a prática das colônias. (...)
Eu confesso ter participado de ações de boicote, por minha dignidade humana e pela honra dos meus antepassados. Porque não posso suportar a idéia de abandonar no sofrimento e na injustiça o povo da Palestina. Porque sou descendente de Marek Edelman, de Joseph Epstein e de Raymond Aubrac, minha raiz é judaica e sempre ao lado dos oprimidos, de todos os oprimidos.
Senhora Ministra, prenda a mim e não Sakina*. Esses atos de resistência visam esse Estado apontado como autor de “crime de guerra e crime contra a humanidade” pelo juiz Goldstone (judeu como eu mesmo).
(...)
Senhora ministra, nada me fará renunciar a meu compromisso pela paz e pela Justiça, para que o povo palestino recupere sua dignidade em seu país independente, nas fronteiras de 1967 e com Jerusalém Oriental como capital. Que os criminosos sejam levados ao tribunal internacional. Que seja virada, enfim, essa página de ódio”.

*Sakina Amaud foi presa no dia 10 de fevereiro quando participava de uma ação coletiva e pacífica de apelo ao boicote de produtos israelenses diante do supermercado Carrefour em Mérignac, na França.

A utopia de Michel Warschawski

O militante pacifista, escritor e filho de rabino Michel Warschawski nasceu na França mas emigrou muito jovem para Israel. Ele é autor de diversos livros e fundou o Centro de Informação alternativa (The Alternative Information Center)
http://www.alternativenews.org/
Michel Warschawski escreve de Jerusalém desde 2008 para o jornal satírico francês SinéHebdo e é membro do comitê que criou o Tribunal Russell sobre a Palestina, instalado em março de 2009. Ele defende um estado binacional em que judeus e árabes coabitariam num mesmo Estado, com iguais direitos. Para explicar sua ligação com Israel, ele declarou em 2005: “Amo Israel como se ama uma criança nascida de um estupro. Não se pode culpar a criança das circunstâncias de sua concepção”.
A seguir, duas perguntas a Michel Warschawski :
Há quem proponha boicotar os produtos de Israel. O que o senhor pensa dessa proposta e de sua eficácia?
Michel Warschawski: Toda campanha que propõe sanções contra o Estado de Israel e tudo o que ele representa quando atenta contra o direito internacional e comete ou apoia crimes de guerra é positiva. O boicote é uma das expressões dessas sanções indispensáveis pelo menos no plano ético, independentemente de sua eficácia. Algumas formas de boicote são eficazes, sobretudo o boicote universitário e cultural que atinge camadas sensíveis da sociedade israelense.
A diabolização do Hamas lhe parece justificada?
Michel Warschawski: De maneira nenhuma. O Hamas é ao mesmo tempo um movimento de libertação nacional e a expressão democrática da maioria dos palestinos em Gaza e na Cisjordânia. Por essa razão ele deve ser reconhecido pela comunidade internacional.

Uma feminista na Coupole

Na quinta feira, dia 18, a ex-ministra Simone Veil entrou para a Academia Francesa, a Coupole como é conhecida. Atualmente são cinco mulheres entre os 40 membros. A primeira mulher eleita para a prestigiosa academia de letras, que serviu de modelo para a criação da academia brasileira, foi Marguerite Yourcenar, em 1980.
Veil foi ministra da saúde na presidência de Giscard d’Estaing e a responsável pela descriminalização do aborto com a criação do IVG (interruption volontaire de grossesse), o aborto legal, praticado em todos os hospitais públicos franceses a partir de 1975. Ela foi eleita a personalidade preferida dos franceses em 2010.
A humanista Simone Veil nasceu em Nice, em 1927, numa família judia e foi deportada para o campo de Auschwitz-Birkenau com 17 anos. Na França, fez parte do Conselho Constitucional até 2007 e como deputada europeia presidiu o Parlamento europeu de 1979 a 1982. Em 2007, publicou sua autobiografia, Une vie, que vendeu quase 600 mil exemplares, na qual rememora sua passagem pelo campo de concentração, fala de seu ateísmo e de seu feminismo. Três presidentes estiveram presentes à cerimônia : Sarkozy, Chirac e Giscard d’Estaing.

SarK.O.

Os eleitores franceses votaram dia 14 no primeiro turno das eleições regionais para eleger o presidente das 22 regiões francesas, espécie de governadores de um país dividido em regiões. O presidente da região é o poder local mais próximo do cidadão (depois do prefeito). Mas 53% dos eleitores não foram votar, um abstencionismo recorde em eleições regionais. E os que votaram expressaram o descontentamento com as reformas de Sarkozy votando no Partido Socialista, no partido Europe écologie, que aparece como a terceira mais importante formação política francesa, e no Front de Gauche (que reúne o Partido Comunista, o Parti de Gauche e a Gauche unitaire). O segundo turno promete uma vitória esmagadora da esquerda. Com essa perspectiva, o Nouvel Observateur fez uma capa com a foto de Sarkozy e o título SarK.O. um trocadilho com o apelido do presidente (Sarko) e o knock out (K.O.) da direita.
Das 22 regiões francesas, 20 são atualmente governadas pelo PS (exceto a Alsácia e a Córsega). No segundo turno deste domingo há grandes chances que os dois últimos bastiões do partido do presidente (UMP) passem também a ser governados pela esquerda, com os socialistas majoritários na coalizão que se forma entre os dois turnos. O que tornará o mapa hexagonal totalmente rosa, cor dos socialistas.
Duas evidências: o Front National de Jean-Marie Le Pen ressuscitou e teve pouco mais de 10% dos votos na média nacional com pico de mais de 20% na Côte d’Azur (região Provence-Alpes-Côte d’Azur). E os ecologistas franceses se afirmam como a tercera força política que vai pesar e muito para as eleições presidenciais de 2012.

Salto alto

Entrevistado na televisão sobre o filme que dirigiu (A single man) e que estreava em Paris, o estilista Tom Ford disse que gostaria de ver sua amiga e ex-manequim Carla Bruni novamente em saltos altos. “Ela fica tão elegante”.
Uma jornalista lembrou ao americano que o presidente francês é baixinho e sua mulher não pode usar saltos ao seu lado. Sarkozy chega mesmo a usar um salto discreto no sapato, o que pode ser constatado em algumas fotos. “Mas a Nicole Kidman sempre usou saltos quando era casada com Tom Cruise”, respondeu candidamente Ford.

Cultura, história e gastronomia


O que um turista espera encontrar na França ? Cultura, art de vivre, a gastronomia famosa, os monumentos históricos e as belas paisagens.
E em Paris ? Tudo isso e mais o mau humor proverbial dos parisienses. Mas nem assim os estrangeiros e franceses da província desertam a capital francesa, campeã mundial de turistas novamente em 2009. Eles chegam em avião, trem e automóveis para ver de perto o Sena e seus cais, a Notre Dame, a Torre Eiffel, o Louvre, a avenida Champs Elysées, o Centre Pompidou (Beaubourg para os parisienses), o jardim do Luxembourg (Luco para os parisienses), os cafés e bistrôs. No terraço de um café de Paris, acompanhado do Le Monde, de um café e de um croissant, no dolce farniente, o turista constata que a vida é bela e vale a pena ser vivida. Quem não é turista e tem talento literário, como a escritora Régine Robin, pode fazer dos cafés de Paris o celeiro de seus romances, entregando-se à arte de observar homens e mulheres e apurar os ouvidos para pescar frases ao acaso. Depois, é só usar a imaginação e nasce um romance.
Os turistas são unânimes em dizer que Paris é um sonho, um cenário ideal para momentos românticos, passeios culturais e deslumbramento com a arquitetura. As mulheres acham os homens franceses românticos e galanteadores. Mas homens e mulheres se queixam do mau humor e da pouca cordialidade dos parisienses, campeões de frases cortantes.

O turismo é o primeiro setor econômico da França e gera quase um milhão de empregos. Em 2009, a França recebeu 80 milhões de turistas de um total mundial de 880 milhões e mantém a liderança de destinação principal entre todos os países. Isso significa 40 bilhões de euros de receitas ligadas ao turismo, terceiro lugar mundial, logo depois dos Estados Unidos e da Espanha.
***Fotos: Jardin du Luxembourg e Musée du Louvre com obra de Tunga. Fotos de Leneide Duarte-Plon

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