Leneide Duarte-Plon, de Paris para o Observatório da Imprensa online
O site Mediapart, de Edwy Plenel, ex-diretor de redação do Le
Monde, tem provado que um jornal online pode ser tão eficaz (ou
mais) quanto os grandes jornais da imprensa tradicional quando se
trata de fazer jornalismo investigativo. Depois de ter revelado as gravações
secretas feitas pelo ex-mordomo da dona da L’Oréal, Liliane Bettencourt,
quase todo dia o site tem matérias exclusivas sobre o escândalo que sacode a
França há algumas semanas. Os grandes jornais se limitam, na maior parte
dos dias, a fazer suites das matérias exclusivas do Mediapart no chamado
"affaire Bettencourt-Woerth". O Mediapart foi criado por Plenel em 2008,
depois de ter sido demitido pelo Le Monde.
O affaire começou como um caso de família envolvendo uma ação da filha
de Liliane Bettencourt, Françoise Bettencourt-Meyers, contra um fotógrafo
que já foi agraciado por doações de um bilhão de euros. A mãe, que tem 87
anos, estaria, segundo a filha, sendo explorada na sua fragilidade pelo
fotógrafo. Não há nem nunca houve nenhuma história amorosa entre a
milionária e o fotógrafo, gay assumido. Simplesmente ele começou a ser
tratado como um filho pela mulher mais rica da França e a filha não gostou
das doações que a mãe fez a ele.
Rapidamente, contudo, o caso tomou um caminho político envolvendo o
ministro do Trabalho, Eric Woerth, e a proprietária da L’Oréal. E,
subitamente, um jornalista e seu jornal online foram catapultados ao centro
dos acontecimentos.
Ávidos por notícias
Acompanhado pela imprensa do mundo inteiro, o affaire serviu de
publicidade ao Mediapart, que viu aumentar vertiginosamente o número de
assinantes, ávidos por poderem ler a íntegra das matérias exclusivas
oferecidas aos leitores dia após dia. Atualmente, dos 25 jornalistas que
fazem o Mediapart, cerca de 15 trabalham somente na cobertura do affaire.
O caso Bettencourt sacode a République há vários dias. Os jornais franceses
não falam de outra coisa, as revistas semanais disputam quem vai dar o
melhor furo e a televisão segue todos os fatos diariamente.
Para um brasileiro, não há como não pensar no caso Collor-PC, guardadas as
devidas proporções. Sarkozy não é Collor, Woerth não é PC, mas o affaire
pode vir a prejudicar os planos de reeleição em 2012. O presidente não está
ameaçado por um impeachment, figura jurídico-constitucional inexistente na
França, mas suas chances de novo mandato podem estar sendo
definitivamente enterradas com o caso Woerth-Bettencourt, que mistura
financiamento ilegal de campanha política com acúmulo de funções
eticamente incompatíveis.
O atual ministro do Trabalho e ex-ministro do Planejamento (Budget, em
francês) é o tesoureiro do partido do presidente (UMP) desde 2003. Woerth,
cuja mulher trabalhava na empresa que administra os bens da bilionária,
teria fechado os olhos para a evasão fiscal praticada em larga escala pelos
administradores da fortuna pessoal da dona da L’Oréal. Além do mais, teria
recebido dinheiro vivo para a campanha presidencial e teria empregado a
mulher, graças a sua influência. De quebra, agraciou com uma das mais
prestigiosas condecorações da République o big boss da empresa que
administra a fortuna de Madame Bettencourt, Patrice De Maistre.
Dinheiro e pudor
O escândalo é uma mancha na imagem do presidente Sarkozy, que prometeu
em campanha um governo de transparência total, de probidade inatacável. A
cada dia, Edwy Plenel e seus jornalistas têm novas revelações incômodas
para o poder. Todos os ministros correram para socorrer Sarkozy, acusado
de ter financiado sua campanha com dinheiro doado acima dos limites
fixados na lei (apenas 7.500 euros por ano por doador). Alguns deles
optaram pelo ataque e tentam desqualificar Plenel. O atual secretário-geral
da UMP, Xavier Bertrand, criticou o site dizendo que ele utiliza "métodos
fascistas". O Mediapart entrou imediatamente com uma ação de injúria e
difamação.
"Os franceses não gostam de dinheiro, detestam especialmente o dinheiro do
vizinho e execram os ricos". Para Alain Duhamel, um dos mais antigos
comentaristas políticos da imprensa francesa (ele trabalha na televisão e no
rádio há mais de 35 anos e escreve uma crônica política semanal no
Libération), o despudor de Nicolas Sarkozy, que ele vê como um
"descomplexado do dinheiro", choca os franceses. Segundo Duhamel, na
França o dinheiro é visto, na melhor das hipóteses, como um mal necessário.
Na pior das hipóteses, como um veneno que corrompe toda a sociedade.
Realmente, Sarkozy não tem o pudor que se exige de um chefe de Estado
que deve governar para ricos e pobres. Ele não tem uma enorme fortuna
pessoal mas seus amigos são todos milionários, donos de grandes empresas,
gente que gosta de dinheiro e, sobretudo, gosta de ganhar muito dinheiro. A
eles, Sarkozy deu um presentinho logo depois da eleição: criou o bouclier
(escudo) fiscal, lei que limita o imposto de renda a 50% dos ganhos de cada
indivíduo ou empresa. Os ricos franceses pagavam muito mais que esse
percentual e, fugindo ao fisco, muitos deixaram o país indo morar na Bélgica
e na Suíça.
Por causa dessa nova lei, a dona da L’Oréal, Madame Liliane Bettencourt,
teve 30 milhões de euros devolvidos pelo fisco relativos a 2008. A esquerda
não engole o bouclier fiscal que priva o país de receitas astronômicas em
plena crise para que o presidente agrade a seus amigos milionários. O
bouclier seria uma forma de recompensar os financiadores da campanha e,
em época de crise e desemprego, é uma das medidas mais impopulares do
governo.
O affaire Bettencourt-Woerth está longe do fim, mas o site Mediapart já
pode tirar uma lição: revelou que o jornalismo online pode competir com as
mesmas armas da imprensa tradicional. Afinal, o papel de todas as mídias é
o mesmo: investigar, denunciar e revelar a verdade na defesa da democracia.
*Publicado originalmente no site www.observatoriodaimprensa.com.br
sábado, 17 de julho de 2010
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Nenhum comentário:
Postar um comentário