É uma antologia com um título sucinto: “Les Unes”, acompanhado do logotipo do jornal (Ed. de La Martinière, 49 euros). O livro, do tamanho de uma página tablóide, a marca de Libération, tem 351 páginas e é, ao mesmo tempo, um balanço e um best of feito de textos e imagens. Além das primeiras páginas, o volume reúne também alguns dos melhores artigos e entrevistas da história do jornal. Um verdadeiro deleite e uma aula de jornalismo.
Libération mudou a imagem visual e a língua do jornalismo na França. E influenciou diversos jornais no mundo todo. O jornal inventou uma linguagem mais próxima do francês falado, uma língua mais viva. O quotidiano criou também novas rubricas para um jornalismo que antes dele tinha a aparência austera de um membro da Academia Francesa.
O volume é uma verdadeira antologia que inclui, por exemplo, uma entrevista do escritor americano Paul Auster publicada na edição de 17 e 18 de janeiro de 2009, em que ele analisa a importância da posse de Obama, primeiro presidente negro eleito pelo povo americano.
As primeiras páginas (les unes) de Libération _ jornal legendário fundado em 1973 pelo filósofo Jean-Paul Sartre acompanhado de um grupo de jovens militantes maoístas impregnados das ideias e dos ideais de maio de 1968 _ testemunham de 37 anos de jornalismo livre, libertário, engajado nas lutas da esquerda e da emancipação anticolonial e antiimperialista, mas sem o ranço da esquerda tradicional que se esclerosou com o tempo.
“Les unes” de Libération tornaram-se marca registrada do jornal. Criativas, bem-humoradas, elas podem ser provocativas, inventando jogos de palavras, usando e abusando do duplo sentido e dos trocadilhos. Livre, o jornal não tem rabo preso, não depende de partidos políticos e nele os jornalistas decidem tudo, desde a linha editorial até o candidato à presidência que apoiam. Porque o jornal não adota a postura hipócrita que tenta fazer o leitor crer num jornalismo objetivo que só existe nos manuais. Para Libération, jornalismo é uma arma de combate.
Por isso, seus jornalistas brigam para manter a liberdade que sempre tiveram. Quem manda no jornal é a redação e não o patrão ou o acionista majoritário, como reafirma o atual diretor Laurent Joffrin: “Os jornalistas decidem sozinhos, todo dia, o que devem escrever; nem partido, nem poder econômico podem alterar um trabalho de investigação e reportagem que só obedece à vontade de compreender o mundo e transformá-lo”.
Quando o jornal foi lançado o mundo era outro. “Era o tempo da revolução próxima, do comunismo sonhado e da ilusão perigosa. Sem abandonar nossa vontade de justiça, descemos do céu das utopias para viver na terra dos combates difíceis e das realidades exaltantes”, escreve Joffrin na apresentação do livro.
O estilo Libération de jornalismo foi levado às últimas consequências na edição de 20 de novembro de 2009. A capa era a mão esquerda de Thierry Henry, responsável pela classificação da França para a Copa do Mundo de 2010, num jogo contra a Irlanda. A falta não foi vista pelo juiz e a vergonhosa classificação serviu de pretexto ao jornal para fazer uma edição inteira em que todos os artigos e reportagens foram ilustradas por fotos em que as mãos dos personagens aparecem com destaque ou em corte especial.
Na matéria da página 8 em que a correspondente em São Paulo, Chantal Rayes trata do caso Battisti numa matéria intitulada “Lula, dernier recours de Battisti”, vê-se uma mão inconfundível com uma aliança e quatro dedos. Na página ao lado, a matéria sobre o Afeganistão mostra o presidente Karzai gesticulando com as duas mãos.
Um estilo Libé de fazer jornal. A antologia é desde já um clássico.
*** Publicado originalmente no Observatorio da Imprensa (www.observatoriodaimprensa.com.br)
quarta-feira, 11 de agosto de 2010
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