segunda-feira, 18 de outubro de 2010

O câncer de Mitterrand

Soube que a saúde da candidata do PT, dada como curada de um câncer, tem sido um argumento "politico" de campanha no Brasil. Nesse momento de vale tudo, vale a pena relembrar a história de outro câncer, o do presidente François Mitterrand, que governou a França de 1981 a 1995, dois mandatos de sete anos.

Eleito em maio de 1981, François Mitterrand foi o primeiro socialista a ganhar uma eleição presidencial sob a Quinta República, inaugurada pelo general De Gaulle.

O presidente Georges Pompidou morrera em abril de 74 de um câncer linfático no exercício da presidência. No mesmo ano, Giscard d’Estaing, do partido de centro-direita foi eleito presidente, vencendo Mitterrand, o candidato do Partido Socialista. Ao vencer Giscard em maio de 1981, Mitterrand se compromete a divulgar um boletim de saúde semestral. Seu médico, Claude Gubler, passa a divulgar o boletim do presidente de seis em seis meses. Acontece que em setembro de 1981, o médico descobriu que o presidente tinha um câncer da próstata. E ninguém ficou sabendo.

Falsos boletins foram divulgados pelo Palácio do Eliseu durante muitos anos. Em 1992, os franceses descobrem que o presidente vai ser operado de um câncer que viria a matá-lo em 1996, um ano depois de terminar o segundo mandato. Dez dias depois da morte do presidente, o médico lança o livro « Le grand secret », contando a mentira de Estado da qual foi cúmplice, pois teve de falsificar boletins médicos. O livro se tornou logo um best-seller, foi proibido e, depois de um processo contra o médico por desrespeito ao segredo profissional, foi relançado.

Apesar da doença, Mitterrand realizou um governo que mudou o país : graças à sua promessa de campanha, o Parlamento votou a abolição da pena de morte. O governo Mitterrand promoveu, ainda, o aumento do salário mínimo, nacionalizou empresas, aboliu o monopólio estatal sobre o audiovisual francês e instituiu o ISF, imposto sobre a fortuna. E seu primeiro-ministro Pierre Mauroy instituiu um grande avanço social, a aposentadoria aos 60 anos, que Sarkozy está alterando agora com uma lei polêmica.

A reforma das aposentadorias

A França está em greve. A maioria dos serviços estão perturbados por greves em diversos setores da economia contra a reforma da previdência. Nesta terça-feira, dia 19, os franceses vão sair em passeatas por mais de 200 cidades. Será a terceira manifestação em uma semana com milhões de pessoas nas ruas (a soma de todas as passeatas do país ).

Na terça-feira, dia 12 de outubro (que aqui não é feriado), os franceses desceram mais uma vez às ruas para protestar contra a reforma das aposentadorias, vista como um retrocesso. Até hoje, a idade legal era de 60 anos e agora passa a 62 anos. Mas para se aposentar com o teto máximo (que na França não é o salário integral) a idade minima passa de 65 a 67 anos. A lei foi votada pela Assembléia Nacional (deputados) e confirmada pelo Senado esta semana.

Contra a reforma da aposentadoria, mais de três milhões de pessoas foram às ruas dia 12 em todo o país, uma greve geral foi iniciada e neste sábado, dia 16, novas passeatas foram realizadas em toda a França. Como milhares de pessoas, a diretora do Théâtre du Solei, Ariane Mnouchkine, saiu com sua troupe na passeata parisiense. Mnouchkine se posiciona totalmente contra essa reforma vista pelos franceses como uma regressão : « Eles sabem que daqui a dez anos ela será ultrapassada. É preciso fazer uma reforma, todo mundo está de acordo. Mas não se deve sacrificar sempre os mesmos. Chega de injustiças e de arrogância ».

O geógrafo e antropólogo Emmanuel Todd é mais contundente. Todd, autor de « Après la démocratie », diz : « Um economista vindo de Marte não compreenderia porque na França se defende o aumento da duração de trabalho para as pessoas já idosas, uma vez que não se consegue criar empregos para os jovens. Em termos de economia, a reforma não tem nenhum sentido. O governo quer dar a impressão de que enfrenta a realidade, mas foge dela. O que me choca é o espaço que se dá às novas gerações. É preciso lembrar que o futuro de uma sociedade são os jovens e não os velhos ».

Mulheres no poder

As mulheres estão chegando ao poder. O Brasil é o oitavo colocado em porcentagem de mulheres nos comitês executivos de empresas, à frente da Espanha, Alemanha e Índia. O universo estudado inclui empresas que estão nas principais bolsas de valores do mundo e a fonte é uma reportagem do Le Monde sobre as mulheres.

Em 2010, a Suécia tem 17% de mulheres nesses comitês executivos, os Estados Unidos, 14%, a Inglaterra 14%, a Noruega 12%, a Rússia 11%, a China 8%, a França 7% e o Brasil 6%.

Além de estar em 8° lugar nesse ranking, o Brasil pode, em 31 de outubro, vir se juntar à Alemanha e a outros países dirigidos por mulheres.

PV também quer aborto legalizado

Já que os fariseus (os franceses diriam Tartufos) trouxeram a discussão sobre o aborto para a campanha do segundo turno, é muito bom saber que o PV tem esse artigo no seu programa. As mulheres brasileiras das classes mais desfavorecidas poderiam, caso o programa fosse implantado, ser preservadas de uma morte por aborto praticado em condições precárias.

Programa do PV, capítulo 7, letra g

Programa: 7 - Reprodução Humana e Cidadania Feminina

1. Uma política de reprodução humana deve levar em conta a necessidade de estabelecer um sistema efetivo e democrático de acesso às práticas e técnicas de planejamento familiar livre e informado, que se baseie na contínua educação de homens e mulheres para a contracepção e o combate às DST's/AIDS. Constituem elementos para essa política:

g) legalização da interrupção voluntária da gravidez com um esforço permanente para redução cada vez maior da sua prática através de uma campanha educativa de mulheres e homens para evitar a gravidez indesejada.

O aborto mal praticado é responsável por grande número de mortes no Brasil. Vale lembrar o editorial do Le Monde que dizia : “O Brasil, primeiro país católico do mundo, tem seus arcaísmos e seus tabus, que se pode, segundo o ponto de vista de cada um, aceitar ou criticar. É pena que esse grave problema, em vez de suscitar um verdadeiro debate, seja utilizado como uma máquina de guerra eleitoral ».

É preciso que o Brasil consiga fazer a real separação da Igreja do Estado e legalize o aborto para que todas as mulheres, inclusive as que morrem nas mãos de curiosas, possam ter a opção de abortar dentro da legalidade e com segurança.

É lamentável que o Brasil seja dominado por esses vendedores de ilusão, párocos, pastores, bispos, que Jesus chamaria de « sepulcros caiados », como chamou os fariseus de seu tempo. Esses que proliferam no Brasil exploram a ignorância e o obscurantismo.


Israel expulsa Nobel da Paz


A irlandesa Mairead Maguire, prêmio Nobel da Paz de 1976 por sua ação na Irlanda do Norte, ficou presa no aeroporto de Tel-Aviv de onde foi expulsa no início de outubro. Diante da Suprema Corte que julgou seu caso, Mairead Maguire acusou Israel de ser um Estado « que impõe o apartheid e a limpeza étnica » ao povo palestino.

O jornalista israelense Gideon Lévy escreveu no jornal Haaretz : « Uma detentora do prêmio Nobel da paz está numa prisão israelense e ninguém parece dar atenção. Não temos vergonha, não dizemos nada. É uma situação que só pode acontecer em Israel, na Coréia do Norte, na Birmânia e no Irã ».

Homens e deuses

O filme "Des hommes et des dieux" foi escolhido para concorrer ao Oscar, depois de receber o Grand Prix em Cannes este ano. O magnífico filme de Xavier Beauvois conta a historia história verídica do assassinato de seis monges franceses na Argélia, em 1996, trata de violência e fanatismo, (sem cenas explícitas), e da recusa dos monges de Tibéhirine de ceder ao medo e à violência daquele momento em que o exército argelino enfrentava os grupos de fanáticos islâmicos que fizeram milhares de mortos.

O filme está fazendo uma carreira extraordinária e inesperada na França, levando-se em conta a seriedade do tema, a sobriedade da direção e ausência de qualquer apelo grande público. Des hommes et des dieux é de uma rara beleza e já foi visto por quase dois milhões de espectadores. As críticas são unânimes em elogios à direção, ao roteiro e ao desempenho dos atores, sobretudo de Michael Lonsdale e Lambert Wilson.

Em tempos de padres pedófilos, o diretor Xavier Beauvois, que não é católico, fez o filme de que a igreja precisava para reabilitar certos valores do cristianismo como a solidariedade, a tolerância e a convivência com outras religiões. O filme é o quinto de Beauvois.

A imprensa francesa deu grande espaço para a análise do sucesso de grande público de um filme sem efeitos especiais, sem sexo, sem imagens espetaculares, totalmente fora dos padrões das grandes bilheterias.

Um reencontro com o grande cinema francês, em meio a tanta mediocridade produzida na terra de Truffault e Godard.

Madame Sarkozy recebe no Elysée*

Leneide Duarte-Plon, de Paris

Quando um canal de TV pública (a França tem diversos e até 1987 todos os canais de televisão eram estatais subordinados à ORTF – Office de radiodiffusion télévision française) faz um documentário sobre a esposa do presidente em exercício para mostrá-la sob ângulos desconhecidos mas sempre favoráveis, como não reagir com críticas ou com ironia ?

Pois não foi outra a reação da imprensa francesa ao documentário La voie de Carla (O caminho de Carla), título que faz um trocadilho com voix, voz. O autor do perfil da primeira-dama, Marc Berdugo, deve ter-se achado genial pela « trouvaille ». Desde o início, tem-se a impressão de que se trata de obra de encomenda. Mas nada disso. No Eliseu, ninguém nunca encomendou nada. Que perfídia. O autor diz que o filme foi uma idéia totalmente sua pois conheceu Carla há vinte anos quando ela era manequim e ele estudante de jornalismo. Ah, bom.

No texto em que comenta o documentário sobre Madame Sarkozy, o jornal Libération adotou o tom irreverente que o caracteriza. A começar pelo título, Madame est servie, frase que as empregadas ou os mordomos dizem para avisar à patroa que a mesa está posta. Mas a frase tem um duplo sentido. Alguém está a serviço dos interesses de madame.

O documentário mostra uma primeira-dama elegante e discreta em seus deslocamentos no estrangeiro ou recebendo em jantares de gala no Eliseu. Poliglota, ela conversa com a rainha da Inglaterra em inglês e se dirige aos italianos da cidade de Áquila num italiano perfeito de quem nasceu em Turim. Além do mais, ela é capaz de encantar um público americano no Radio City Music Hall ao cantar ao lado de Dave Stewart num espetáculo em homenagem aos 91 anos de Nelson Mandela, em julho deste ano. A fina flor da música americana como Aretha Franlin, Steve Wonder e Cyndi Lauper subiu ao palco naquela noite.

Quando aparece no camarim e quando a escuta na platéia, o marido presidente é um fã discreto mas subjugado pelo charme de madame. Eles trocam palavras carinhosas, carícias e atenções o tempo todo em que ele aparece.

E aparece pouco pois o filme foi feito como hagiografia de madame. Que, aliás, pode ser vista em uma saída noturna do Samu Social, grupo de trabalhadores sociais que recolhem pessoas sem-teto das ruas de Paris para levá-las para abrigos aquecidos. Carla se veste de uniforme de trabalho, põe um boné e fica ao lado dos profissionais, agachada, discreta, tentando passar despercebida, enquanto eles tentam convencer um sem-abrigo a passar a noite num local fechado e protegido. Para Madre Teresa de Calcutá é um passo.

Em recente artigo sobre a mídia brasileira, o jornalista Mino Carta escreveu : « Resta ver se o Brasil estaria maduro para uma tevê estatal, nascida do entendimento de que esta há de ser uma instituição permanente a servir à nação em lugar do governo do momento. -Sinceramente, não aposto nesta maturidade ». Leia a íntegra do artigo de Mino Carta aqui: http://www.observatoriodaimprensa.com.br/artigos.asp?cod=611IMQ003

Pois se nem mesmo a França, uma democracia mais que calejada, berço da revolução chamada francesa que nos deu a declaração dos direitos humanos, está madura, como estaria o Brasil ? Se o diretor-geral de France Télévision, a holding que engloba todos os canais públicos, é escolhido pelo próprio Sarkozy, que independência tem ele para fazer uma televisão totalmente desvinculada do poder ?

* Publicado no Observatório da Imprensa em 13-10-10

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