Sartre X Lanzmann
Há gigantes e anões. Sartre era um gigante. Claude Lanzmann…
Ambos viveram com Simone de Beauvoir. Sartre foi para Beauvoir o que os dois filósofos definiram como « amour nécessaire ». Lanzmann foi um « amour contingent », amores passageiros, paralelos ao « necessário », que tanto Beauvoir quanto Sartre teorizaram e praticaram durante toda a vida.
Entrevistei Lanzmann para a Folha de São Paulo este ano. Ele vai participar da Flip e diz em sua biografia (Lebre da Patagônia, publicado no Brasil pela Companhia das Letras) que considera Sartre « le plus grand écrivain français ». Ele conta que quando foram a Israel, Sartre lhe disse que não queria nenhum encontro com « gente de uniforme ». « Nem mesmo do sexo feminino », recomendou o filósofo a Lanzmann, « propagandista quase oficial do Exército israelense », como ele mesmo se define (p. 313 da edição francesa) no seu livro.
Entre 1970 e 1974, Sartre deu entrevistas a John Gerassi. O livro acaba de sair e se chama Les entretiens de Sartre avec John Gerassi (Edições Grasset). De Claude Lanzmann, Sartre diz no livro : « Ele é um bom burguês que faz a apologia de Israel sem ver o que se passa com os pobres palestinos, expulsos de suas casas, sem indenização, seus filhos expulsos das escolas por estrangeiros armados até os dentes. Lanzmann vê os israelenses como vítimas do Holocausto. E para ele quem quer que critique a política israelense é antissemita ».
Até hoje Lanzmann faz parte do grupo de intelectuais judeus franceses que perseguem todos os que, como Eyal Sivan, ousam denunciar a colonização e o apartheid imposto aos árabes israelenses. Sivan é um cineasta judeu israelense, que morou na França e recebeu o prêmio de Roma, do Ministério da Cultura, em 1990. Foi professor na Sorbonne e fez Route 181, com o cineasta palestino Michel Khleifi, um documentário sobre Israel-Palestina. Entrevistei Sivan para o Jornal do Brasil quando seu filme foi lançado na França.
Sivan é um antissionista militante que denuncia a utilização política da memória do genocídio judaico durante a Segunda Guerra e prega a desobediência civil. Ele é um dos participantes da campanha de boicote a produtos israelenses vindos das colônias, chamada Boycott, désinvestissement et sanctions, que tem o apoio do bispo Desmond Tutu, prêmio Nobel da Paz, do embaixador Stéphane Hessel, autor do livro « Indignez-vous », dos escritores Tarik Ali, Eduardo Galeano, Arundhati Roy, dos cineastas Jean-Luc Godard e Ken Loach, entre muitos outros.
Por suas posições antissionistas Eyal Sivan sofreu ameaças de morte em Paris e deixou a França. Ele é colaborador assíduo da revista De l’autre côté, editada pela Union Juive Française pour la Paix.
Un bateau français pour GAZA
Dia 18 de junho um barco francês se juntará a outros na direção de Gaza. Un bateau français pour Gaza (www.unbateaupourgaza.fr) é uma iniciativa de 60 associações, sindicatos e partidos políticos, com o apoio de alguns políticos.
Na França, a defesa da criação do Estado Palestino é uma causa que reúne inúmeras associações, entre elas a Union Juive Française pour la Paix que milita por uma paz justa no Oriente Médio « sem ocupação, nem colônias, nem estradas de contorno, nem muros, nem barreiras militares (check points) nem mil e uma humilhações impostas aos palestinos e a quem quer visitar a Cisjordância e Gaza. Somente com uma paz justa poderemos romper a espiral da violência e do terror do terrorismo de Estado israelense ou do terrorismo dos grupos armados palestinos. O direito internacional e as resoluções da ONU devem se impor. A paz não é o apartheid à israelense. Saber viver é saber viver juntos”.
Democracia relativa - Estado étnico
O respeitado historiador israelense Ilan Pappé, professor de História e Diretor do Centro Europeu para Estudos Palestinos da Universidade de Exeter e autor de livros formidáveis, entre eles « Le nettoyage ethnique de la Palestine » (A limpeza étnica da Palestina) escreveu sobre a revolução egípcia no artigo Revolução no Egito é ruim para Israel : Israel é um lugar onde todos os generais que ordenaram o massacre de manifestantes palestinos e judeus contra a ocupação agora concorrem ao mais alto cargo, o de chefe do estado-maior das forças armadas.
Um deles é Yair Naveh, que deu ordens, em 2008, para matar palestinos suspeitos até mesmo quando eles podiam ser presos de maneira pacífica. Ele não vai para a cadeia, mas a jovem Anat Kamm, que tornou públicas essas ordens, enfrenta agora nove anos de prisão por revelá-las ao diário israelense Haaretz. Nenhum general ou político israelense passará um único dia na prisão por requisitar tropas para disparar contra manifestantes desarmados, civis inocentes, mulheres, velhos e crianças. A luz que irradia do Egito e da Tunísia é tão intensa que também ilumina os espaços mais escuros da "única democracia do Oriente Médio" [como Israel se autodenomina].
(…)
De um jeito ou de outro, o grito da Praça Tahrir é um aviso de que as falsas mitologias da "única democracia do Oriente Médio", do fundamentalismo cristão hardcore (muito mais sinistro e corrupto do que a Fraternidade Muçulmana), do lucro da cínica corporação das indústrias militares, do neo-conservadorismo e do lobby brutal não vão garantir a sustentabilidade da relação especial entre Israel e Estados Unidos para sempre ».
Tomara que ele tenha razão…
Outro historiador israelense, Schlomo Sand, professor de História na Universidade de Tel-Aviv escreveu uma carta aberta ao Ministro das Relações Exteriores Francês, Alain Juppé, publicada no jornal L’Humanité, o único jornal francês que cobre de forma equilibrada o conflito Israel-Palestina. O título já diz muito ; « Israel não pode ser reduzido a um Estado Judaico ». Na carta, o historiador diz : « Nenhum dirigente palestino responsável poderá reconhecer Israel como Estado judaico e hipotecar dessa forma os direitos fundamentais dos israelenses árabes (20% da população de Israel).
Em outro trecho de sua carta, Schlomo Sand escreve : « Imaginemos que Nicolas Sarkozy exija da comunidade internacional o reconhecimento da França como Estado gaulês-católico, isto é, etnorreligioso e não mais como a República francesa, a que reúne todos os franceses e francesas. Estou seguro de que a maior parte das pessoas compreenderia o objetivo do presidente e reprovaria, sem que seja necessário dizer mais nada ».
Segundo Sand, um Estado sob medida para uma comunidade étnica aliena uma grande parte de seus cidadãos. Ele termina a carta dizendo : « O futuro de Israel dependerá da criação de um Estado Palestino e o reconhecimento de Israel como Estado de todos os seus cidadãos constitui uma garantia para sua segurança e perenidade ».
Drummond, Quintana, Torres: um clube seleto
Antonio Torres entrou para o seleto clube do qual fizeram parte Mário Quintana e Carlos Drummond de Andrade, dois grandes poetas nunca eleitos para a Academia Brasileira de Letras. Quintana, porque foi preterido, perdendo para nulidades. Drummond por nunca ter querido apresentar a candidatura. Uma Academia capaz de eleger o general Aurélio de Lyra Tavares (membro da junta militar que governou por alguns meses antes da posse de Médici), « poeta » que se assinava Adelita, e José Sarney não era digno de recebê-lo, deveria cogitar Drummond com seus botões.
Otto Lara Resende, grande escritor e acessoriamente jornalista, querido amigo, foi eleito para a cadeira número 40 da Academia, em 1980. Ao morrer em 1992, a cadeira número 40 foi ocupada pelo novo eleito, o « jornalista » Roberto Marinho. Um amigo disse com propriedade: « O Otto é o único escritor eleito duas vezes para a Academia. A primeira vez por sua obra. A segunda, pelos discursos que escreveu para o « jornalista » Roberto Marinho”.
O « escritor » Roberto Marinho publicou em vida um livro, a coletânea de discursos (escritos pelo seu ghost-writer, conhecido pelo nome de Otto Lara Resende). Não conheço a obra póstuma deste « jornalista ». Vai ver que é fabulosa.
Leio os artigos de intelectuais sobre a morte de Jorge Semprun, grande intelectual, resistente ao nazi-fascismo, espanhol que fixou residência na França depois de voltar do campo de concentração de Buchenwald. Um grande humanista, como salientaram todos. Um grande escritor também, além de roteirista de cinema, tendo trabalhado com Costa-Gavras no roteiro de grandes filmes deste cineasta. Nunca foi eleito para a Academia Francesa, antro de reacionários, por « seu passado comunista ».
Preciso acrescentar algo mais ???
*** Publicado na Ilustríssima da Folha de São Paulo em 12 de Junho de 2011 |
2 comentários:
Olá!
Trabalho numa escola de francês em Nice que anima um excelente blog sobre a Cultura francesa. Deixo aqui o link um artigo sobre o grande especialista que foi Jean Paul Sartre traduzido em português. Espero que possam fazer uma visita!
Abraços
Me retifico - o grande existencialista que foi Sartre!
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