segunda-feira, 24 de outubro de 2011

Linchar ou julgar ?

Alguém escreveu num jornal francês que começa mal uma futura democracia que lincha o ditador em vez de enviá-lo a julgamento por seus crime. O jornalista Alberto Dines escreve em recente artigo : « A figura do juiz, a noção de justiça e o rito do julgamento constituem os elementos precursores da civilização do convívio, base da nossa existência. Todos atropelados por este sistema de desforras que se supunha interrompido ».
A reconstrução da Líbia deve começar pela construção do Estado de direito tripudiado por Muamar Kadafi. Pena que os revolucionários líbios que derrubaram o regime estejam impregnados pelos métodos do ditador.

Hollande, presidente ?
Todos os vencidos do primeiro turno da primária do Partido Socialista declararam apoio a François Hollande, que acabou vencendo Martine Aubry, no segundo turno. A surpresa do primeiro turno foi a revelação de Arnaud Montebourg, que surgiu como o terceiro homem. Montebourg havia sido o porta-voz de Ségolène Royal na campanha presidencial de 2007 e na época declarara que « o maior defeito de Royal é seu companheiro”. François Hollande ainda vivia com ela e os quatro filhos do casal. Agora, Montebourg, que representa a ala mais à esquerda do Partido, teve 17% dos votos no primeiro turno, deixando Ségolène em quarto lugar com menos de 7%, ela que fora indicada em uma primária em 2006 com 60% dos votos !
Em abril de 2002, fui, com jornalistas brasileiros, à sede do Partido Socialista ver o encontro de Lula (então candidato à presidência, em outubro do mesmo ano) com o então candidato Lionel Jospin, a quem Lula apoiava, e com o primeiro-secretário do PS, François Hollande.
Lula não tinha ainda sido presidente e todos acreditávamos que Lionel Jospin iria vencer Jacques Chirac algumas semanas depois. O 21 de abril de 2002 foi um traumatismo para o PS e para a esquerda francesa. Jospin foi eliminado no primeiro turno, Jean-Marie Le Pen disputou o segundo turno com Chirac, que acabou se beneficiando dos votos de todos os franceses anti-fascistas e foi eleito por 82% dos eleitores. No primeiro turno Chirac tivera apenas 19,88%, Jean-Marie Le Pen, 16,86% e Lionel Jospin, 16,18% ! Ao ter confirmação do resultado, Jospin anunciou que se afastava da vida política. Do outro lado do Atlântico, em outubro do mesmo ano, Lula foi eleito presidente para seu primeiro mandato.
Este ano, Hollande quer evitar novo trauma e uma ausência da esquerda no segundo turno. A filha de Le Pen, Marine, pode surprender e afastar Sarkozy ou Hollande do segundo turno. Há eleitores de esquerda que esperam as vésperas da eleição para decidirem se fazem um voto útil logo no primeiro turno ou se votam no candidato mais à esquerda, Jean-Luc Mélenchon, ex-PS, atual candidato do Front de Gauche (que reúne seu partido Parti de Gauche ao Partido Comunista Francês). Nesta eleição, votar útil pode ser uma maneira de dizer « não » ao perigo da extrema-direita fascisante representada por Marine Le Pen.

La Muette, uma clínica sob medida para Carla Bruni
Uma cantora sem voz que tem um bebê numa clínica que se chama « La Muette ». Uma piada de bandeja para os humoristas franceses.
A revista italiana « Grazia », que tem versão em francês, fez uma pesquisa. « Você se interessa em saber o peso e com que tamanho nasceu a filha dos Sarkozy ? » « Quer ver foto da criança ? » 86% dos ouvidos disseram « não ». « Quer que o pai fale sobre o acontecimento ? » 87% disseram não.
Os franceses acham que um bebê é um assunto da vida privada e não querem que a filha do casal seja usada para fins político-eleitorais. O Palácio do Eliseu nem sequer ousou dar a notícia do nascimento oficialmente. A comunicação do nascimento da pequena Giulia é toda extra-oficial, sai no blog da mãe ou em frases que escapam em encontros informais do presidente.
A ultra-nacionalista Marine Le Pen já protestou contra esse nome. « Por que ela não deu um nome francês à filha ? » perguntou em entrevista a xenófoba presidente do Front National, candidata à presidência da República em 2012.

As lágrimas de Ségolène
Ségolène Royal chorou no domingo à noite, no primeiro turno da primária. Ela que foi a candidata do Partido Socialista a presidente em 2007 _ com 60% dos votos dos militantes socialistas, vencendo Dominique Strauss-Kahn e Laurent Fabius, dois pesos-pesados do PS _ ficou este ano em quarto lugar na votação do primeiro turno, no domingo, 9 de outubro. Magros 6,8%.
A indicação do candidato socialista à presidência foi aberta este ano a todos os eleitores franceses e não apenas aos inscritos no PS, ao contrário da escolha para 2007. Mas mesmo sem esperança de ver a mãe sentada na cadeira presidencial no Elysée, os quatro filhos de Ségolène ainda podem ver o pai presidente da República : François Hollande tem grandes chances de derrotar Sarkozy. Se a eleição fosse hoje, Hollande ganharia folgado de Nicolas Sarkosy, segundo as pesquisas : 62% contra 38%, no segundo turno.
Segundo o Le Monde, na recente viagem da presidente brasileira à Europa, Sarkozy tentou incluir um encontro com Dilma mas a chancelaria brasileira declinou do convite alegando dificuldades na agenda da presidente. Ainda segundo o jornal, de passagem por Paris para receber o diploma de Doutor Honoris Causa do Instituto de Estudos Políticos (Sciences Po), o presidente Lula foi convidado a ir ao Palácio do Eliseu para um encontro com Sarkozy. Lula aceitou e Sarkozy pôde pavonear para os fotógrafos apertando a mão do « cara ».

O Nariz, de Gogol a Chostakovitch
 « O Nariz », ópera que o compositor Dimitri Chostakovitch escreveu em 1930, aos 24 anos, em Leningrado, baseada na obra de Nicolau Gogol (escrita em 1836), com o objetivo de renovar o mundo da ópera é satírica, grotesca e surrealista, como a obra que lhe deu origem. Os dois narizes, tanto o de Gogol quanto o de Chostakovitch estavam muito à frente da época em que foram escritos. Quase cem anos antes do movimento surrealista, Gogol já era surrealista. Já a ópera de Chostakovitch continua a parecer surpreendentemente moderna e revolucionária 80 anos depois de ter sido realizada.
A montagem atualmente em cartaz em Lyon, na França, do diretor sul-africano William Kentridge, com a regência da orquestra da Ópera de Lyon, pelo maestro Kazushi Ono, foi apresentada no Festival de Aix-en-Provence neste verão europeu e recebeu tantos elogios da crítica que logo depois já era difícil encontrar lugar para a programação de outono dos espetáculos em Lyon (de 8 a 20 de outubro), que estrou dia 8 de outubro com ingressos esgotados.
O espetáculo foi definido por um crítico como « um fogo de artifício permanente, um cyclone musical vanguardista que devasta tudo por onde passa, um barulho de marchas grotescas, galopes e polkas alucinadas ». A mise-en-scène de uma ópera surrealista como « O Nariz » não poderia deixar de ser inovadora e totalmente surpreendente. Foi exatamente esse o desafio de William Kentridge : surpreender, encantar. Para isso, ele usa de todos os recursos cênicos modernos, slides, sombras chinesas, projeções de imagens que transformam o palco num espetáculo multimídia extraordinariamente vivo e moderno.
A história é estritamente fiel ao texto de Gogol : o personagem principal,  professor Platon Kovaliov, descobre um belo dia que seu nariz desaparecera. A busca do nariz perdido é o tema da ópera, um assunto tão pouco « operístico » quando se pensa nas óperas do repertório clássico. Talvez « O Nariz » esteja para o repertório tradicional de ópera como um quadro de Mondrian está para um Rembrandt. Não há comparação possível e todos dois são obras de arte.
O nariz perdido se transforma imediatamente em um personagem autônomo que Kovaliov tenta recuperar numa busca que dura duas horas no palco e 24 horas na história da ópera. Ora o nariz aparece no pão que o barbeiro vai comer, ora aparece como um conselheiro do Estado, ora passa montado num cavalo. Num lapso de tempo, a imprensa, a polícia, a mulher do barbeiro, a amada do professor e sua futura sogra, os passantes, a cidade inteira tomam conhecimento do sumiço do nariz que nada mais é que uma metáfora da modernidade, fascinante e inatingível.
Ao desconstruir a ópera tradicional, Chostakovitch era tão moderno e subversivo que a crítica soviética official não suportou a audácia do “Nariz” e proibiu-o. A ópera só pôde voltar a ser encenada na União Sovética em 1974, um ano após a morte do compositor.
A obra, uma  raridade nos repertórios das capitais europeias, faz sua estreia em grande estilo no repertório da belíssima Ópera de Lyon, cuja arquitetura antiga recebeu o toque de Jean Nouvel, numa cúpula em vidro e metal que não foi unanimemente apreciada.
A história sem pé nem cabeça de um nariz desaparecido que termina por reencontrar seu lugar entre duas bochechas é excelente pretexto para conhecer ou reencontrar Chostakovitch. E um bom motivo para ler « O Nariz » de Gogol, origem de toda essa aventura operística movimentada e extremamente moderna.  

Brasileiros nas ruas por educação e saúde gratuitas

Por enquanto, esse título é um sonho.
 A classe média brasileira se habituou a pagar pelo que os povos das grandes democracias têm de graça, pagos pelos impostos de todos : saúde e educação públicas de qualidade.
Meu filho me manda a crônica de Fernanda Torres numa revista brasileira. Em um trecho, ela escreve : « A urbe dos cariocas é um ambiente hostil. O trânsito desesperado e os assaltos corriqueiros são a prova desse tormento. A doçura da natureza contrasta com a tensão violenta dos bairros. O Rio herdou o carma de ter sido a capital do Império e da República do último país das Américas a decretar o fim da escravidão. Crescemos sem dar conta da desigualdade, e o troco dessa derrota são a hostilidade e a insegurança das ruas ».
Acho que ninguém herda carma nenhum, muito menos uma cidade. O que se herdou foi a passividade, a resignação. Herdamos o gosto pela praia, pelo chope, pelo farniente. Aceitamos situações insustentáveis, que nenhum povo civilizado suportaria. Até quando o povo brasileiro vai ver  passivo a violência das grandes cidades como uma fatalidade?
O slogan do novo governo Dilma, “país rico é país sem pobreza” é um começo. Mas ninguém muda um país com slogans. Sinto, contudo, que as coisas começam a mudar desde Lula. O problema é que temos no mínimo 100 anos de atraso, de resignação às desigualdades, à falta de segurança crônica nas nossas grandes cidades, fruto dessas desigualdades.
Quando os indignados brasileiros irão para as ruas pedindo liberdade de ir e vir em total segurança nas grandes cidades ? Quando irão para as ruas exigir educação e saúde públicas de qualidade para todos ?
Sair às ruas para exigir o fim da corrupção é um bom começo. Quando serão feitas passeatas por segurança nas ruas das grandes cidades brasileiras ? Quando os cariocas, paulistas e outros brasileiros indignados exigirão em passeatas pacíficas  saúde e escola gratuitas e de qualidade para todos os brasileiros ?
Concretistas brasileiros em Paris
(Íntegra do texto publicado na Folha de São Paulo) 
Seis grandes artistas desembarcaram esta semana na Galeria Gagosian, numa das mais belas exposições consagradas ao Brasil feitas em Paris nos últimos anos. Quarenta obras de Lygia Clark, Amilcar de Castro, Sérgio Camargo, Hélio Oiticica, Lygia Pape e Mira Schendel foram reunidas num espaço de 300 metros quadrados na exposição Brazil-Reinvention of the Modern. A mostra, que fica aberta até o dia 5 de novembro, é a realização de um sonho da diretora da galeria, Serena Cattaneo Adorno, tornado realidade graças a colecionadores, que preferem se manter anônimos, e à Fundação Sérgio Camargo.
Para Camargo e Lygia Clark, que moraram em Paris, é uma volta à cidade onde se formaram. Lygia Clark, que estudou com Fernand Léger em Paris, é uma artista-chave do século XX e tem uma obra inclassificável, segundo o crítico Paulo Venancio Filho, autor do texto que será publicado no catálogo (que não ficou pronto mas será lançado na Feira Internacional de Arte Contemporânea de Paris, em outubro). « Os Bichos, as famosas esculturas que Lygia Clark realizou nos anos 1950, ocupam um lugar central nas transformações que mudaram a escultura do século XX », escreve o crítico, que faz uma análise da obra de cada artista da exposição Brazil-Reinvention of the Modern.
Cada um dos seis artistas tem o nome dentro de uma das letras de Brazil no belo folder da exposição, que atraiu na noite de quarta-feira, 27, quase quinhentas pessoas, europeus e brasileiros, ao « quartier » onde estão localizadas as mais prestigiosas galerias parisienses, a dois passos do Palácio do Eliseu.
Os que descobriam o neoconcretismo brasileiro se extasiavam com obras até então desconhecidas, onde se percebe a influência de Mondrian, o primeiro artista citado tanto no Manifesto Neoconcreto quanto na famosa Teoria do não-objeto, escrita por Ferreira Gullar em 1959. « Para o neoconcretismo a arte começa com Mondrian e nenhum outro », escreve o crítico Paulo Venancio Filho.
Pela primeira vez a Galeria Gagosian expõe artistas brasileiros. E  fez sua estreia com os mais representativos do neoconcretismo que, segundo o crítico « não podem estar ausentes de nenhum acervo internacional de importância ».
Venancio destaca que ainda hoje « se percebe e se surpreende com a inquietude, a voracidade, a liberdade de atitudes, procedimentos e problemas artísticos que envolviam os artistas neoconcretos ». Para ele, o experimentalismo mais radical de Hélio Oiticica, Lygia Clark e Lygia Pape encontra continuidade na pesquisa não menos radical de Sergio Camargo, Mira Schendel e Amílcar de Castro, « não como continentes estanques mas vasos comunicantes ».
Como a política da galeria é de sigilo absoluto em torno de preços, de compradores e dos colecionadores que emprestaram as obras, ela não comunica nem que obras estão à venda nem o valor de nenhuma das que serão vendidas durante essa exposição. « A única coisa que posso dizer é que uma grande parte está à venda, mas nossa política é não comentar preços. O sigilo faz parte do negócio », diz à Ilustrada Serena Cattaneo Adorno.
Paulo Venancio Filho enfatiza em seu excelente texto que esta brilhante geração de artistas do neoconcretismo brasileiro, « deslocada num centro artístico então periférico e precário, sentindo como poucas a determinação desse momento histórico de inovação e experimentação, em conjunto e individualmente, foi capaz de produzir uma obra que hoje é histórica: um dos capítulos mais originais e radicais da arte moderna”.

 Terça-feira, 11 de Outubro de 2011   |   ISSN 1519-7670 - Ano 16 - nº 663 - 11/10/2011



IMPRENSA FRANCESA
Sarkozy, o fim de um fascínio
Por Leneide Duarte-Plon em 11/10/2011 na edição 663 do Observatório da imprensa

Nicolas Sarkozy está no olho do furacão: denúncias de comissões de vendas de armas para financiamento ilegal da campanha de Edouard Balladur, que Sarkozy apoiou em 1995; denúncias de financiamento ilegal de sua própria campanha em 2007, entre outros problemas que desgastam o fim do mandato presidencial.
Políticos próximos do presidente estão sendo pouco a pouco atingidos por diversas denúncias. Ele próprio teria recebido financiamento ilegal para sua campanha da proprietária da L’Oréal, Liliane Bettencourt. Diversos livros de jornalistas políticos contêm revelações e denúncias altamente tóxicas contra o presidente e seu clã.
Na semana retrasada, o clima de fim de mandato, ou de fim de reinado como querem os franceses, era evidente nas capas das revistas semanais. L’Express,Le Point,Marianne eLe Nouvel Observateur deram capas que não escapavam à temática de fim de festa: os títulos variavam de “Parfum de fin de règne” a “La chute du clan”, com fotos de Sarkozy e seus amigos envolvidos nas denúncias que geraram diversos processos na Justiça.
Mas a mais chocante de todas as capas foi a da semanal Les Inrockuptibles, uma revista feita para um público mais jovem, cuja redação se posiciona claramente à esquerda, como a maioria das outras revistas semanais francesas. A capa da Les Inrockuptibles (Les Inrock, para os íntimos) era chocante: para ilustrar a matéria principal de 14 páginas sobre a eleição primária do Partido Socialista para escolher o candidato que vai enfrentar Sarkozy (cujo primeiro turno foi no domingo, 9/10), a foto mostrava dois pés que caminham, um dos quais está prestes a esmagar um homenzinho, como se esmaga uma barata. O homenzinho é Sarkozy. O título principal da capa, criativa e engraçada mas terrivelmente cruel, é: “Primária PS : Você não quer mais Sarkozy, vá votar”.
Pesquisas desfavoráveis
Acusado pela esquerda de sucatear o serviço público em geral (escolas e hospitais em particular), Sarkozy parece ter perdido o encanto que o levou a seduzir parte dos jornalistas franceses que se renderam ao seu marketing de candidato “moderno”. Apesar de pertencer ao mesmo partido de seu antecessor Jacques Chirac, a UMP (Union pour un Mouvement Populaire), Sarkozy se apresentava como a grande novidade da política francesa, o candidato “da ruptura”. Ora, a ruptura era apenas mais dinamismo, comparado ao velho Chirac.
A situação da direita francesa é de tal forma crítica que o clima deletério pode ameaçar a candidatura Sarkozy à presidência em maio do ano que vem. Como ele ainda não se declarou oficialmente candidato, e só vai fazê-lo em fevereiro de 2012, analistas políticos já levantam a hipótese de uma candidatura de Alain Juppé (ex-primeiro ministro e atual chanceler), por exemplo. Juppé se declara fiel a Sarkozy mas não exclui uma candidatura se “por algum motivo, o presidente não se candidatar”. Uma pesquisa da semana passada de ViaVoice para o jornal Libération indicava que 68% dos franceses pensam que o presidente vai perder se for o candidato da direita em 2012.
Em eleição histórica, há duas semanas, o Senado ganhou maioria de esquerda, algo inédito na Quinta República. O fato de Sarkozy ser hoje visto como o presidente que governa para os ricos talvez explique. Seu projeto desencantou muitos dos que votaram nele e hoje, em fim de mandato, menos de um terço dos consultados dizem aprovar seu governo. Na pesquisa ViaVoice Libération de 1° de outubro, Sarkozy tinha 33% de opinião positiva e 64% de opinião negativa. Numa pesquisa anterior do Figaro, ele tivera 26% de opiniões positivas contra 72% de negativas.
Desejo de alternância
Na imprensa, seu grande e indefectível apoio continua sendo o jornal Le Figaro, cujo dono é Serge Dassault, também proprietário da indústria de armas que fabrica os aviões Rafale, que Sarkozy ainda não conseguiu vender para nenhum país, apesar de todos os seus esforços. O Figaro é tão sarkozista que os jornalistas e políticos mais críticos o chamam de “boletim oficial da UMP”, o partido do presidente. 
O resto da imprensa parece que se cansou dos factoides do presidente hiperativo e a enorme mobilização de eleitores para a primária do PS mostra um desejo de alternância que só pode ser saudável para a democracia. Afinal, o último presidente de esquerda, François Mitterrand, foi eleito há 30 anos.



quarta-feira, 5 de outubro de 2011

Sarkozy, o intelectual


Acabo de ler num blog que ao entregar a Legião de Honra à psicanalista e filósofa Julia Kristeva, Sarkozy pronunciou o nome de Roland Barthes (o semiólogo em cuja obra Kristeva é especializada) « Barthesse ». O que prova que em 55 anos de vida Nicolas Sarkozy nunca ouviu falar de Roland Barthes.
E ele gosta de dizer que tem cultura mas não gosta de se exibir !!! Bons tempos aqueles em que a direita francesa elegia homens como Georges Pompidou que respondia aos jornalistas recitando versos dos grandes poetas franceses.

O « cara » é também doutor

Esse é o título do texto que escrevi para a Carta Capital que está nas bancas sobre a cerimônia da entrega ao presidente Lula, do diploma de Doutor Honoris Causa, na Sciences Po, dia 27 de setembro. Eis a íntegra do artigo :
Doutor Lula
O ex-operário, monoglota e sem diploma universitário, é Doutor Honoris Causa da prestigiosa Sciences Po de Paris
Leneide Duarte-Plon, de Paris
 Os intelectuais franceses de esquerda adoram Lula. O presidente brasileiro foi a primeira personalidade mundial eleita « Homem do Ano » pelos jornalistas do Le Monde (na revista Monde Magazine) inaugurando, em dezembro de 2009, essa distinção que, no fim do ano passado, consagrou o subversivo Julian Assange.
Os louros, títulos e homenagens continuam a chover no mundo inteiro sobre o presidente mais popular que o Brasil já teve, « the guy » segundo Barack Obama. Ainda no poder, Lula foi eleito Doutor Honoris Causa da Universidade de Coimbra e do Instituto de Estudos Políticos de Paris (por unanimidade), a prestigiosa universidade conhecida como Sciences Po pelos íntimos da cultura francesa.
Mas como frisou na terça-feira, 27 de setembro, ao receber em Paris o título na sede da Sciences Po, na Rue Saint-Guillaume, Lula achou por bem esperar o fim do mandato para receber as honrarias. Atribuiu, contudo, o mérito do prêmio « ao povo brasileiro, que vive um momento histórico de plenitude democrática ao provar que tem um lugar importante a ocupar no mundo » e que pode eleger governantes que querem « governar para todos e não apenas para 30% da população como se fazia antes ».
Aclamado por um auditório de estudantes, jornalistas, diplomatas e do corpo docente em toga, o presidente Lula entrou no auditório vestindo a toga preta de doutor e foi recebido sob aplausos ao som de « Olê, olê, olê, olá, Lula, Lula », cantado pelos brasileiros. O ex-ministro José Dirceu e o embaixador brasileiro em Paris José Maurício Bustani estavam na plateia. Quando terminou de ler seu texto em que fez um balanço de sua ação na criação de universidades e na área científica e social, o ex-presidente pediu uns minutos para falar aos presentes « olhos nos olhos ».
Sem a formalidade do discurso lido, Lula mencionou a presença de seu amigo e ex-primeiro-ministro português José Sócrates, ex-aluno de Sciences Po. Em seguida, falou da Grécia, da crise europeia e da posição privilegiada que o Brasil ocupa hoje. Pregou a renovação das instâncias internacionais para se adaptarem à nova realidade mundial e incitou os jovens a participarem cada vez mais da política para mudar o mundo e promover a justiça social. Não deixou de prestar homenagem a sua sucessora, « a primeira mulher a ocupar o cargo de presidente do Brasil, que resistiu à ditadura, foi presa e torturada ».
Lula sempre fica à vontade no seu tradicional « numéro de séduction », como dizem os franceses. Esbanjou simpatia e pelo permanente sorriso do diretor de Sciences Po, Richard Descoings, via-se que Lula atingiu seu objetivo : conquistou os ouvintes. Descoings apresentara Lula como alguém que « encarnou no Brasil e em seu governo os valores da Sciences Po, onde defendemos que o mérito pessoal não vem somente de um diploma universitário ». Jean-Claude Casanova, membro do Instituto da França e presidente da Fundação Nacional das Ciências Políticas foi quem pronunciou o elogio do novo Doutor Honoris Causa.
A espontaneidade, o carisma e o bom humor do homenageado, um verdadeiro mito para os alunos da instituição, impressionaram os que não o conheciam pessoalmente. Lula lembrou que antes de ganhar a primeira eleição para presidente perdeu muito. « Se quiserem conversar com alguém que tem muita experiência de derrotas, venham falar comigo. O importante é não desanimar e continuar lutando quando se tem um ideal ».
Alguns dias antes da atribuição do prêmio, Richard Descoings recebera a imprensa. A patética mídia nativa exibiu o onipresente preconceito de classes ao questionar o diretor de Sciences Po. A correspondente do jornal « O Globo » perguntou por que dar um prêmio ao presidente Lula e não ao ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. Outro jornalista atacou : « Por que premiar quem tolerou a corrupção ? » Alguém quis saber por que distinguir alguém que chamou Khadafi de « irmão ». Ousaram até o abjeto : « A distinção se insere na política de Sciences Po de discriminação positiva? »
Em artigo intitulado « Os escravagistas contra Lula », no qual comenta as perguntas dos representantes dos barões da imprensa nativa, o jornalista argentino do diário Página 12, Martín Granovsky escreveu : « Seria bom que soubesse que, antes de receber o doutorado Honoris Causa da Sciences Po, Lula deve pedir desculpas aos elitistas de seu país. Um trabalhador metalúrgico não pode ser presidente. Se por alguma casualidade chegou ao Planalto, agora deveria guardar recato. No Brasil, a casa grande das fazendas estava reservada aos proprietários de terras e escravos. Assim, Lula, agora, silêncio, por favor. Os da casa grande estão bravos ».

Sciences Po faz parte de uma instituição que engloba a Fundação Nacional de Ciências Políticas da França e o Instituto de Estudos Políticos de Paris, que tem 6 campi em cidades francesas. Essa instituição de excelência de ensino superior e de pesquisa científica se caracteriza por uma forte presença de alunos estrangeiros. Essa universidade, que tem 140 anos, tem 10 mil estudantes, dos quais 40% vêm de 130 países, entre eles, 150 do Brasil. Entre os ex-alunos, constam os ex-presidentes franceses Jacques Chirac e François Mitterrand, o príncipe Rainier III, de Mônaco, o ex-secretário-geral da ONU Boutros Boutros-Ghali e o escritor Marcel Proust.
No texto abaixo, a revista Carta Capital na versão online conta aos leitores com detalhes o que foi o vexame da imprensa brasileira em Paris. Show de preconceito de classe. Quem disse que Marx e a luta de classes estão superados ?

Lula em Paris: imprensa sabuja dá vexame

Redação Carta Capital 28 de setembro de 2011 às 16:53h
Circula há alguns dias na internet um debate sobre o mérito de o ex-presidente Lula ter recebido o título de Doutor Honoris Causa do Instituto de Estudos Políticos de Paris, mais conhecido como Sciences-Po, na terça-feira 27.
Em seu blog Balaio do Kotscho, no R7, o experiente jornalista resume a vergonhosa cobertura dos colegas brasileiros. Confira:
Por que Lula e não Fernando Henrique Cardoso, seu antecessor, para receber uma homenagem da instituição?
Lula recebe título de Doutor "Honoris Causa" em Paris. 
 
Começa assim, acreditem, com esta pergunta indecorosa, a entrevista de Deborah Berlinck, correspondente de O Globo em Paris, com Richard Descoings, diretor do Instituto de Estudos Políticos de Paris, o Sciences- Po, que entregou o título de Doutor Honoris Causa ao ex-presidente Lula, na tarde desta terça-feira. Para outro colega, pareceu estranho premiar um presidente que se orgulha de nunca ter lido um livro.
Resposta de Descoings:
“O antigo presidente merecia e, como universitário, era considerado um grande acadêmico (…) O presidente Lula fez uma carreira política de alto nível, que mudou muito o país e, radicalmente, mudou a imagem do Brasil no mundo. O Brasil se tornou uma potência emergente sob Lula, e ele não tem estudo superior. Isso nos pareceu totalmente em linha com a nossa política atual no Sciences- Po, a de que o mérito pessoal não deve vir somente do diploma universitário. Na França, temos uma sociedade de castas. E o que distingue a casta é o diploma. O presidente Lula demonstrou que é possível ser um bom presidente, sem passar pela universidade.”
A entrevista completa de Berlinck com Descoings foi publicada no portal de O Globo às 22h56 do dia 22/9. Mas a história completa do vexame que a imprensa nativa sabuja deu estes dias, inconformada por Lula ter sido o primeiro latino-americano a receber este título, que só foi outorgado a 16 personalidades mundiais em 140 anos de história da instituição, foi contada por um jornalista argentino, Martin Granovsky, no jornal Página 12.
Tomei emprestada de Mino Carta a expressão imprensa sabuja porque é a que melhor qualifica o que aconteceu na cobertura do sétimo e mais importante título de Doutor Honoris Causa que Lula recebeu este ano. Sabujo, segundo as definições encontradas no Dicionário Informal, significa servil, bajulador, adulador, baba-ovo, lambe-cu, lambe-botas, capacho.
Sob o título “Escravocratas contra Lula”, Granovsky relata o que aconteceu durante uma exposição feita na véspera pelo diretor Richard Descoings para explicar as razões da iniciativa do Science- Po de entregar o título ao ex-presidente brasileiro.
“Naturalmente, para escutar Descoings, foram chamados vários colegas brasileiros. O professor Descoings quis ser amável e didático (…). Um dos colegas perguntou se era o caso de se premiar a quem se orgulhava de nunca ter lido um livro. O professor manteve sua calma e deu um olhar de assombrado(…).
“Por que premiam a um presidente que tolerou a corrupção”, foi a pergunta seguinte. O professor sorriu e disse: “Veja, Sciences Po não é a Igreja Católica. Não entra em análises morais, nem tira conclusões apressadas. Deixa para o julgamento da história este assunto e outros muito importantes, como a eletrificação das favelas em todo o Brasil e as políticas sociais (…). Não desculpamos, nem julgamos. Simplesmente, não damos lições de moral a outros países.”
Outro colega brasileiro perguntou, com ironia, se o Honoris Causa de Lula era parte da ação afirmativa do Sciences Po. Descoings o observou com atenção, antes de responder. “As elites não são apenas escolares ou sociais”, disse. “Os que avaliam quem são os melhores, também. Caso contrário, estaríamos diante de um caso de elitismo social. Lula é um torneiro-mecânico que chegou à presidência, mas pelo que entendi foi votado por milhões de brasileiros em eleições democráticas.”
No final do artigo, o jornalista argentino Martin Granovsky escreve para vergonha dos jornalistas brasileiros:
“Em meio a esta discussão, Lula chegará à França. Convém que saiba que, antes de receber o doutorado Honoris Causa da Sciences Po, deve pedir desculpas aos elitistas de seu país. Um trabalhador metalúrgico não pode ser presidente. Se por alguma casualidade chegou ao Planalto, agora deveria exercer o recato. No Brasil, a Casa Grande das fazendas estava reservada aos proprietários de terra e escravos. Assim, Lula, silêncio por favor. Os da Casa Grande estão irritados.”
Desde que Lula passou o cargo de presidente da República para Dilma Rousseff há nove meses, a nossa grande imprensa tenta jogar um contra o outro e procura detonar a imagem do seu governo, que chegou ao final dos oito anos com índices de aprovação acima de 80%.
Como até agora não conseguiram uma coisa nem outra, tentam apagar Lula do mapa. O melhor exemplo foi dado hoje pelo maior jornal do País, a Folha de S. Paulo, que não encontrou espaço na sua edição de 74 páginas para publicar uma mísera linha sobre o importante título outorgado a Lula pelo Instituto de Estudos Políticos de Paris.
Em compensação, encontrou espaço para publicar uma simpática foto de Marina Silva ao lado de Fernando Henrique Cardoso, em importante evento do instituto do mesmo nome, com este texto-legenda:
“AFAGOS – FHC e Marina em debate sobre Código Florestal no instituto do ex-presidente; o tucano creditou ao fascínio que Marina gera o fato de o auditório estar lotado.”
Assim como decisões da Justiça, critérios editoriais não se discute, claro.
Enquanto isso, em Paris, segundo relato publicado no portal de O Globo pela correspondente Deborah Berlinck, às 16h37, ficamos sabendo que:
“O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva foi recebido com festa no Instituto de Estudos Políticos de Paris – o Sciences- Po -, na França, para receber mais um título de doutor honoris causa, nesta terça-feira. Tratado como uma estrela desde sua entrada na instituição, ele foi cercado por estudantes e, aos gritos, foi saudado. Antes de chegar à sala de homenagem, em um corredor, Lula ouviu, dos franceses, a música de Geraldo Vandré, “para não dizer que eu não falei das flores”.
“A sala do instituto onde ocorreu a cerimônia tinha capacidade para 500 pessoas, mas muitos estudantes ficaram do lado de fora. O diretor da universidade, Richard Descoings, abriu a cerimônia explicando que a escolha do ex-presidente tinha sido feita por unanimidade.”
Em seu discurso de agradecimento, Lula disse:
“Embora eu tenha sido o único governante do Brasil que não tinha diploma universitário, já sou o presidente que mais fez universidades na história do Brasil, e isso possivelmente porque eu quisesse que parte dos filhos dos brasileiros tivesse a oportunidade que eu não tive.”
Para certos brasileiros, certamente deve ser duro ouvir estas coisas. É melhor nem ficar sabendo.

Daniel Cohn-Bendit não perdeu a indignação
Um vídeo de Daniel Cohn-Bendit, ex-enfant terrible de Maio de 1968 na França que recomendo com entusiasmo mostra o vigor do deputado do Parlamento europeu.
Cohn-Bendit faz nesse vídeo um discurso inflamado no Parlamento chamando Lady Ashton à responsabilidade. Lady Catherine Ashton,  ministra das relações exteriores da União Europeia, é responsável por uma política externa em relação a Israel e à Palestina no mínimo ambígua.
Cohn-Bendit (pronuncia-se o e como e mesmo) que o também deputado europeu Le Pen insiste em chamar de Cohn-Bandit (dizendo o e como se fosse um a, o que torna a pronúncia igual a “bandit”, bandido), prova que os anos não pesam sobre ele como sobre outros intelectuais judeus franceses que foram de esquerda e se tornaram filossemitas (denominação do filósofo israelense Ivan Segré, no seu livro La réaction philosémite). Esses intelectuais franceses, antigos militants de esquerda, tornaram-se filossemitas e se alinham incondicionalmente com a política racista e imperialista do atual governo israelense.

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Carla Bruni-Sarkozy écrit au mari de Rafah Nached

Carla Bruni-Sarkozy escreveu ao marido da psicanalista síria Rafah Nached, presa no aeroporto de Damasco pouco antes de tomar o avião para Paris, em setembro, onde sua filha daria à luz uma menina. Eis a carta em francês para os leitores (grande maioria) que falam e lêem a língua de Flaubert.

La Règle du jeu et le Lacan quotidien publient, en exclusivité, la lettre de Carla Bruni-Sarkozy au Docteur Abdallah, l’époux de Rafah Nached, la psychanalyste syrienne arrêtée le 10 septembre.

Paris, le 2 octobre 2011
Cher Docteur ABDALLAH,
J’ai appris que votre épouse, le Docteur Rafah NACHED, a disparu dans la nuit du 10 septembre, et que vous avez été 5 jours sans savoir ce qu’il était advenu d’elle. Il ne m’est pas difficile d’imaginer dans quelle angoisse vous et votre famille avez vécu ces moments.
Depuis lors, vous avez été averti qu’elle avait été arrêtée par des services de la sécurité militaire, et qu’elle était désormais emprisonnée. Vous avez le droit de lui faire deux visites d’une demi-heure par semaine. La dernière fois, vous avez constaté qu’elle était trop épuisée pour se tenir debout le temps de la visite. Elle souffre en effet de troubles cardiaques, et tous ceux qui la connaissent sont inquiets de son état de santé.
Je suis atterrée par ce qui lui arrive. J’ai pu constater que Rafah NACHED a beaucoup d’amis à Paris, où elle s’est formée comme psychanalyste. Il me paraît inconcevable que cette clinicienne, qui se voue à la thérapeutique et à l’étude, soit une menace pour l’ordre public, pour la sécurité de l’Etat.
Rafah NACHED, cette femme libre et accomplie, dont la notoriété est internationale, dont la vie et les travaux honorent la Syrie, les femmes syriennes et arabes, et toutes les femmes, connaît aujourd’hui un sort injustifiable. C’est pourquoi j’ose espérer que ceux qui peuvent rendre Rafah NACHED aux siens le feront sans attendre plus longtemps.
Cher Docteur Addallah, depuis l’arrestation de Rafah NACHED, votre petite-fille est née. Sans doute ne l’aura-t-on pas dit à votre épouse. Mais, dans sa cellule où elle est emprisonnée, elle n’est pas seule. Des milliers d’amis, connus ou inconnus, pensent à elle chaque jour à travers le monde, et n’auront de cesse d’agir pour que, très vite, elle retrouve la liberté, et puisse embrasser la petite Indya.
Avec toute mon admiration pour le courage de Rafah et le vôtre, je vous adresse à tous les deux mes sentiments de solidarité et de profonde sympathie.
Carla BRUNI-SARKOZY