Acabo de ler num blog que ao entregar a Legião de Honra à psicanalista e filósofa Julia Kristeva, Sarkozy pronunciou o nome de Roland Barthes (o semiólogo em cuja obra Kristeva é especializada) « Barthesse ». O que prova que em 55 anos de vida Nicolas Sarkozy nunca ouviu falar de Roland Barthes.
E ele gosta de dizer que tem cultura mas não gosta de se exibir !!! Bons tempos aqueles em que a direita francesa elegia homens como Georges Pompidou que respondia aos jornalistas recitando versos dos grandes poetas franceses.
O « cara » é também doutor
Esse é o título do texto que escrevi para a Carta Capital que está nas bancas sobre a cerimônia da entrega ao presidente Lula, do diploma de Doutor Honoris Causa, na Sciences Po, dia 27 de setembro. Eis a íntegra do artigo :
Doutor Lula
O ex-operário, monoglota e sem diploma universitário, é Doutor Honoris Causa da prestigiosa Sciences Po de Paris
Leneide Duarte-Plon, de Paris
Os intelectuais franceses de esquerda adoram Lula. O presidente brasileiro foi a primeira personalidade mundial eleita « Homem do Ano » pelos jornalistas do Le Monde (na revista Monde Magazine) inaugurando, em dezembro de 2009, essa distinção que, no fim do ano passado, consagrou o subversivo Julian Assange.
Os louros, títulos e homenagens continuam a chover no mundo inteiro sobre o presidente mais popular que o Brasil já teve, « the guy » segundo Barack Obama. Ainda no poder, Lula foi eleito Doutor Honoris Causa da Universidade de Coimbra e do Instituto de Estudos Políticos de Paris (por unanimidade), a prestigiosa universidade conhecida como Sciences Po pelos íntimos da cultura francesa.
Mas como frisou na terça-feira, 27 de setembro, ao receber em Paris o título na sede da Sciences Po, na Rue Saint-Guillaume, Lula achou por bem esperar o fim do mandato para receber as honrarias. Atribuiu, contudo, o mérito do prêmio « ao povo brasileiro, que vive um momento histórico de plenitude democrática ao provar que tem um lugar importante a ocupar no mundo » e que pode eleger governantes que querem « governar para todos e não apenas para 30% da população como se fazia antes ».
Aclamado por um auditório de estudantes, jornalistas, diplomatas e do corpo docente em toga, o presidente Lula entrou no auditório vestindo a toga preta de doutor e foi recebido sob aplausos ao som de « Olê, olê, olê, olá, Lula, Lula », cantado pelos brasileiros. O ex-ministro José Dirceu e o embaixador brasileiro em Paris José Maurício Bustani estavam na plateia. Quando terminou de ler seu texto em que fez um balanço de sua ação na criação de universidades e na área científica e social, o ex-presidente pediu uns minutos para falar aos presentes « olhos nos olhos ».
Sem a formalidade do discurso lido, Lula mencionou a presença de seu amigo e ex-primeiro-ministro português José Sócrates, ex-aluno de Sciences Po. Em seguida, falou da Grécia, da crise europeia e da posição privilegiada que o Brasil ocupa hoje. Pregou a renovação das instâncias internacionais para se adaptarem à nova realidade mundial e incitou os jovens a participarem cada vez mais da política para mudar o mundo e promover a justiça social. Não deixou de prestar homenagem a sua sucessora, « a primeira mulher a ocupar o cargo de presidente do Brasil, que resistiu à ditadura, foi presa e torturada ».
Lula sempre fica à vontade no seu tradicional « numéro de séduction », como dizem os franceses. Esbanjou simpatia e pelo permanente sorriso do diretor de Sciences Po, Richard Descoings, via-se que Lula atingiu seu objetivo : conquistou os ouvintes. Descoings apresentara Lula como alguém que « encarnou no Brasil e em seu governo os valores da Sciences Po, onde defendemos que o mérito pessoal não vem somente de um diploma universitário ». Jean-Claude Casanova, membro do Instituto da França e presidente da Fundação Nacional das Ciências Políticas foi quem pronunciou o elogio do novo Doutor Honoris Causa.
A espontaneidade, o carisma e o bom humor do homenageado, um verdadeiro mito para os alunos da instituição, impressionaram os que não o conheciam pessoalmente. Lula lembrou que antes de ganhar a primeira eleição para presidente perdeu muito. « Se quiserem conversar com alguém que tem muita experiência de derrotas, venham falar comigo. O importante é não desanimar e continuar lutando quando se tem um ideal ».
Alguns dias antes da atribuição do prêmio, Richard Descoings recebera a imprensa. A patética mídia nativa exibiu o onipresente preconceito de classes ao questionar o diretor de Sciences Po. A correspondente do jornal « O Globo » perguntou por que dar um prêmio ao presidente Lula e não ao ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. Outro jornalista atacou : « Por que premiar quem tolerou a corrupção ? » Alguém quis saber por que distinguir alguém que chamou Khadafi de « irmão ». Ousaram até o abjeto : « A distinção se insere na política de Sciences Po de discriminação positiva? »
Em artigo intitulado « Os escravagistas contra Lula », no qual comenta as perguntas dos representantes dos barões da imprensa nativa, o jornalista argentino do diário Página 12, Martín Granovsky escreveu : « Seria bom que soubesse que, antes de receber o doutorado Honoris Causa da Sciences Po, Lula deve pedir desculpas aos elitistas de seu país. Um trabalhador metalúrgico não pode ser presidente. Se por alguma casualidade chegou ao Planalto, agora deveria guardar recato. No Brasil, a casa grande das fazendas estava reservada aos proprietários de terras e escravos. Assim, Lula, agora, silêncio, por favor. Os da casa grande estão bravos ».
Sciences Po faz parte de uma instituição que engloba a Fundação Nacional de Ciências Políticas da França e o Instituto de Estudos Políticos de Paris, que tem 6 campi em cidades francesas. Essa instituição de excelência de ensino superior e de pesquisa científica se caracteriza por uma forte presença de alunos estrangeiros. Essa universidade, que tem 140 anos, tem 10 mil estudantes, dos quais 40% vêm de 130 países, entre eles, 150 do Brasil. Entre os ex-alunos, constam os ex-presidentes franceses Jacques Chirac e François Mitterrand, o príncipe Rainier III, de Mônaco, o ex-secretário-geral da ONU Boutros Boutros-Ghali e o escritor Marcel Proust.
No texto abaixo, a revista Carta Capital na versão online conta aos leitores com detalhes o que foi o vexame da imprensa brasileira em Paris. Show de preconceito de classe. Quem disse que Marx e a luta de classes estão superados ?
Lula em Paris: imprensa sabuja dá vexame
Redação Carta Capital 28 de setembro de 2011 às 16:53h
Circula há alguns dias na internet um debate sobre o mérito de o ex-presidente Lula ter recebido o título de Doutor Honoris Causa do Instituto de Estudos Políticos de Paris, mais conhecido como Sciences-Po, na terça-feira 27.Em seu blog Balaio do Kotscho, no R7, o experiente jornalista resume a vergonhosa cobertura dos colegas brasileiros. Confira:
Por que Lula e não Fernando Henrique Cardoso, seu antecessor, para receber uma homenagem da instituição?
Lula recebe título de Doutor "Honoris Causa" em Paris.
Começa assim, acreditem, com esta pergunta indecorosa, a entrevista de Deborah Berlinck, correspondente de O Globo em Paris, com Richard Descoings, diretor do Instituto de Estudos Políticos de Paris, o Sciences- Po, que entregou o título de Doutor Honoris Causa ao ex-presidente Lula, na tarde desta terça-feira. Para outro colega, pareceu estranho premiar um presidente que se orgulha de nunca ter lido um livro.
Resposta de Descoings:
“O antigo presidente merecia e, como universitário, era considerado um grande acadêmico (…) O presidente Lula fez uma carreira política de alto nível, que mudou muito o país e, radicalmente, mudou a imagem do Brasil no mundo. O Brasil se tornou uma potência emergente sob Lula, e ele não tem estudo superior. Isso nos pareceu totalmente em linha com a nossa política atual no Sciences- Po, a de que o mérito pessoal não deve vir somente do diploma universitário. Na França, temos uma sociedade de castas. E o que distingue a casta é o diploma. O presidente Lula demonstrou que é possível ser um bom presidente, sem passar pela universidade.”
A entrevista completa de Berlinck com Descoings foi publicada no portal de O Globo às 22h56 do dia 22/9. Mas a história completa do vexame que a imprensa nativa sabuja deu estes dias, inconformada por Lula ter sido o primeiro latino-americano a receber este título, que só foi outorgado a 16 personalidades mundiais em 140 anos de história da instituição, foi contada por um jornalista argentino, Martin Granovsky, no jornal Página 12.
Tomei emprestada de Mino Carta a expressão imprensa sabuja porque é a que melhor qualifica o que aconteceu na cobertura do sétimo e mais importante título de Doutor Honoris Causa que Lula recebeu este ano. Sabujo, segundo as definições encontradas no Dicionário Informal, significa servil, bajulador, adulador, baba-ovo, lambe-cu, lambe-botas, capacho.
Sob o título “Escravocratas contra Lula”, Granovsky relata o que aconteceu durante uma exposição feita na véspera pelo diretor Richard Descoings para explicar as razões da iniciativa do Science- Po de entregar o título ao ex-presidente brasileiro.
“Naturalmente, para escutar Descoings, foram chamados vários colegas brasileiros. O professor Descoings quis ser amável e didático (…). Um dos colegas perguntou se era o caso de se premiar a quem se orgulhava de nunca ter lido um livro. O professor manteve sua calma e deu um olhar de assombrado(…).
“Por que premiam a um presidente que tolerou a corrupção”, foi a pergunta seguinte. O professor sorriu e disse: “Veja, Sciences Po não é a Igreja Católica. Não entra em análises morais, nem tira conclusões apressadas. Deixa para o julgamento da história este assunto e outros muito importantes, como a eletrificação das favelas em todo o Brasil e as políticas sociais (…). Não desculpamos, nem julgamos. Simplesmente, não damos lições de moral a outros países.”
Outro colega brasileiro perguntou, com ironia, se o Honoris Causa de Lula era parte da ação afirmativa do Sciences Po. Descoings o observou com atenção, antes de responder. “As elites não são apenas escolares ou sociais”, disse. “Os que avaliam quem são os melhores, também. Caso contrário, estaríamos diante de um caso de elitismo social. Lula é um torneiro-mecânico que chegou à presidência, mas pelo que entendi foi votado por milhões de brasileiros em eleições democráticas.”
No final do artigo, o jornalista argentino Martin Granovsky escreve para vergonha dos jornalistas brasileiros:
“Em meio a esta discussão, Lula chegará à França. Convém que saiba que, antes de receber o doutorado Honoris Causa da Sciences Po, deve pedir desculpas aos elitistas de seu país. Um trabalhador metalúrgico não pode ser presidente. Se por alguma casualidade chegou ao Planalto, agora deveria exercer o recato. No Brasil, a Casa Grande das fazendas estava reservada aos proprietários de terra e escravos. Assim, Lula, silêncio por favor. Os da Casa Grande estão irritados.”
Desde que Lula passou o cargo de presidente da República para Dilma Rousseff há nove meses, a nossa grande imprensa tenta jogar um contra o outro e procura detonar a imagem do seu governo, que chegou ao final dos oito anos com índices de aprovação acima de 80%.
Como até agora não conseguiram uma coisa nem outra, tentam apagar Lula do mapa. O melhor exemplo foi dado hoje pelo maior jornal do País, a Folha de S. Paulo, que não encontrou espaço na sua edição de 74 páginas para publicar uma mísera linha sobre o importante título outorgado a Lula pelo Instituto de Estudos Políticos de Paris.
Em compensação, encontrou espaço para publicar uma simpática foto de Marina Silva ao lado de Fernando Henrique Cardoso, em importante evento do instituto do mesmo nome, com este texto-legenda:
“AFAGOS – FHC e Marina em debate sobre Código Florestal no instituto do ex-presidente; o tucano creditou ao fascínio que Marina gera o fato de o auditório estar lotado.”
Assim como decisões da Justiça, critérios editoriais não se discute, claro.
Enquanto isso, em Paris, segundo relato publicado no portal de O Globo pela correspondente Deborah Berlinck, às 16h37, ficamos sabendo que:
“O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva foi recebido com festa no Instituto de Estudos Políticos de Paris – o Sciences- Po -, na França, para receber mais um título de doutor honoris causa, nesta terça-feira. Tratado como uma estrela desde sua entrada na instituição, ele foi cercado por estudantes e, aos gritos, foi saudado. Antes de chegar à sala de homenagem, em um corredor, Lula ouviu, dos franceses, a música de Geraldo Vandré, “para não dizer que eu não falei das flores”.
“A sala do instituto onde ocorreu a cerimônia tinha capacidade para 500 pessoas, mas muitos estudantes ficaram do lado de fora. O diretor da universidade, Richard Descoings, abriu a cerimônia explicando que a escolha do ex-presidente tinha sido feita por unanimidade.”
Em seu discurso de agradecimento, Lula disse:
“Embora eu tenha sido o único governante do Brasil que não tinha diploma universitário, já sou o presidente que mais fez universidades na história do Brasil, e isso possivelmente porque eu quisesse que parte dos filhos dos brasileiros tivesse a oportunidade que eu não tive.”
Para certos brasileiros, certamente deve ser duro ouvir estas coisas. É melhor nem ficar sabendo.
Daniel Cohn-Bendit não perdeu a indignação
Um vídeo de Daniel Cohn-Bendit, ex-enfant terrible de Maio de 1968 na França que recomendo com entusiasmo mostra o vigor do deputado do Parlamento europeu.
Cohn-Bendit faz nesse vídeo um discurso inflamado no Parlamento chamando Lady Ashton à responsabilidade. Lady Catherine Ashton, ministra das relações exteriores da União Europeia, é responsável por uma política externa em relação a Israel e à Palestina no mínimo ambígua.
Cohn-Bendit (pronuncia-se o e como e mesmo) que o também deputado europeu Le Pen insiste em chamar de Cohn-Bandit (dizendo o e como se fosse um a, o que torna a pronúncia igual a “bandit”, bandido), prova que os anos não pesam sobre ele como sobre outros intelectuais judeus franceses que foram de esquerda e se tornaram filossemitas (denominação do filósofo israelense Ivan Segré, no seu livro La réaction philosémite). Esses intelectuais franceses, antigos militants de esquerda, tornaram-se filossemitas e se alinham incondicionalmente com a política racista e imperialista do atual governo israelense.
Veja aqui
Carla Bruni-Sarkozy écrit au mari de Rafah Nached
Carla Bruni-Sarkozy escreveu ao marido da psicanalista síria Rafah Nached, presa no aeroporto de Damasco pouco antes de tomar o avião para Paris, em setembro, onde sua filha daria à luz uma menina. Eis a carta em francês para os leitores (grande maioria) que falam e lêem a língua de Flaubert.
La Règle du jeu et le Lacan quotidien publient, en exclusivité, la lettre de Carla Bruni-Sarkozy au Docteur Abdallah, l’époux de Rafah Nached, la psychanalyste syrienne arrêtée le 10 septembre.
Paris, le 2 octobre 2011
Cher Docteur ABDALLAH,
J’ai appris que votre épouse, le Docteur Rafah NACHED, a disparu dans la nuit du 10 septembre, et que vous avez été 5 jours sans savoir ce qu’il était advenu d’elle. Il ne m’est pas difficile d’imaginer dans quelle angoisse vous et votre famille avez vécu ces moments.
Depuis lors, vous avez été averti qu’elle avait été arrêtée par des services de la sécurité militaire, et qu’elle était désormais emprisonnée. Vous avez le droit de lui faire deux visites d’une demi-heure par semaine. La dernière fois, vous avez constaté qu’elle était trop épuisée pour se tenir debout le temps de la visite. Elle souffre en effet de troubles cardiaques, et tous ceux qui la connaissent sont inquiets de son état de santé.
Je suis atterrée par ce qui lui arrive. J’ai pu constater que Rafah NACHED a beaucoup d’amis à Paris, où elle s’est formée comme psychanalyste. Il me paraît inconcevable que cette clinicienne, qui se voue à la thérapeutique et à l’étude, soit une menace pour l’ordre public, pour la sécurité de l’Etat.
Rafah NACHED, cette femme libre et accomplie, dont la notoriété est internationale, dont la vie et les travaux honorent la Syrie, les femmes syriennes et arabes, et toutes les femmes, connaît aujourd’hui un sort injustifiable. C’est pourquoi j’ose espérer que ceux qui peuvent rendre Rafah NACHED aux siens le feront sans attendre plus longtemps.
Cher Docteur Addallah, depuis l’arrestation de Rafah NACHED, votre petite-fille est née. Sans doute ne l’aura-t-on pas dit à votre épouse. Mais, dans sa cellule où elle est emprisonnée, elle n’est pas seule. Des milliers d’amis, connus ou inconnus, pensent à elle chaque jour à travers le monde, et n’auront de cesse d’agir pour que, très vite, elle retrouve la liberté, et puisse embrasser la petite Indya.
Avec toute mon admiration pour le courage de Rafah et le vôtre, je vous adresse à tous les deux mes sentiments de solidarité et de profonde sympathie.
Carla BRUNI-SARKOZY
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