sábado, 26 de maio de 2012

« Efeito Hollande » : ricos correm para a Suíça


 
Alain Delon, Alain Prost e Charles Aznavour são alguns dos ricos franceses que já moram na Suiça. Com a vitória do socialista François Hollande e a futura implantação de seu programa fiscal, que vai taxar pesadamente os mais ricos para financiar o programa de crescimento, a criação de empregos e a manutenção do modelo social francês (saúde e educação gratuita e de qualidade para todos), eles estão fazendo as malas para os paraísos fiscais em torno da França : Luxemburgo e Suíça, principalmente.
Apesar de não ser um paraíso fiscal, a Bélgica também atrai os ricos franceses por ser muito mais liberal em termos de impostos. Além disso, Bruxelas está a um passo de Paris. Um advogado especializado em direito tributário disse em uma entrevista que nunca seu escritório trabalhou tanto quanto este ano, dando consultoria para quem quer proteger seu dinheiro na Suiça, elegendo o país como residência principal para escapar ao « efeito Hollande ».  
Comentando a vitória dos socialistas, um jornal de Portugal chegou a escrever que « os ricos vão fugir dessa França absurda e igualitária que só pensa nos pobres ».

Sarkozy corre para o Marrocos …

No dia seguinte à derrota, o presidente Sarkozy foi se reciclar num dos palácios do rei do Marrocos, em Marrakech. Lá, ao abrigo dos paparazzi, ele descansa com a mulher, Carla Bruni e com a filha Giulia, nunca vista em foto pelos franceses. Agora que não é mais presidente pode ser que a menina venha a ser fotografada livremente, já que ninguém mais pode acusar Sarko de usá-la como argumento eleitoral, à moda americana, nem de misturar a vida pública com a vida privada, inaceitável na política francesa.

E Carla Bruni volta a cantar …

Aliás, um jornalista francês ao ter notícia da vitória de Hollande sobre Sarkozy cometeu o que os franceses chamam de « phrase assassine », essas tiradas envenenadas, típicas dos humoristas políticos franceses de rádio e TV, como o insuperável Stéphane Guillon: « Não sei se é uma boa notícia a derrota de Sarkozy. Agora, Carla Bruni volta a cantar… »

Rio trop cher

Um jornalista me contou que a comitiva europeia que ia ao Rio para a Conferência Rio+20 foi reduzida drasticamente por causa dos exorbitantes preços dos hoteis cariocas. Em tempos de crise europeia, pagar hotel caro nos trópicos é um luxo que nem o interesse em salvar o planeta justifica.

Política na TV
"Sans maîtres ni esclaves: nous n'aurons que ce que nous saurons prendre" (slogan anarquista)-Foto Leneide Duarte-Plon - 1° de maio de 2012-Paris


“Como tem paineis de discussão política e debate cultural na televisão francesa!” Essa observação que li numa das crônicas de Luis Fernando Veríssimo me fez refletir o quanto eu passei a ver televisão desde que vim morar em Paris, em 2001. Obviamente, a TV francesa tem também programas debiloides como a brasileira e a italiana, mesmo que sejam em número muito menor. Sinal de que há franceses idiotizados pela « máquina de fazer doido », como brasileiros e italianos. Não são todos Sartres e Lévi-Strauss, saídos da Nomale Sup, eruditos e refinados intelectualmente, como pensávamos ao ler Proust e Voltaire no curso literário da Aliança Francesa do Rio.
Mas o que me faz ligar a TV são programas em que se discute cultura e política, esta fazendo parte integrante da própria concepção francesa de cultura.
Mas a televisão como mídia não se presta a debates aprofundados, o tempo cronometrado não permite que um intelectual mais rigoroso desenvolva um pensamento complexo. A reflexão mais elaborada é incompatível com essa mídia, usada principalmente para divertir e alienar populações no mundo inteiro. Por isso, filósofos dignos deste nome (não confundir com o arroz de festa Bernard-Henri Lévy) nunca puseram os pés num debate dessa mídia superficial e rápida. Penso em Derrida, Alain Badiou e mesmo no psicanalista Jacques Lacan.

Lacan : « Psicanálise é outra coisa »

O único programa de TV do qual Lacan participou foi feito para ele se expressar, com o tempo necessário e com perguntas do também psicanalista e genro Jacques-Alain Miller. O programa passou em dois dias em 1974 e se chamava « Télévision ». Não é nem divertido nem acessível. Trechos do programa podem ser visto na internet.
E por falar em Jacques Lacan, ele dizia sobre a psicanálise, em entrevista a uma revista italiana, feita pelo jornalista Emilio Granzotto : « Propor às pessoas ajudá-las significa um sucesso assegurado e a clientela se acotovelando na porta. A psicanálise é outra coisa ».
Quando vejo pessoas que se dizem psicanalistas dando entrevistas no Brasil dizendo que querem « o bem de seus clientes, que os amam » penso em Lacan : « Psicanálise é outra coisa ».  


Deleuze : esquerda e direita é isso

Na França, a política interessa aos leitores de jornais, aos ouvintes de rádio, aos telespectadores e aos leitores de livros. Os livros que tratam de política são incontáveis, os jornalistas políticos lançam quase um livro por ano e nenhum deles tem a pretensão de se candidatar à Academia Francesa. Seriam nocauteados por grandes escritores-candidatos. Como aconteceu recentemente com o jornalista Patrick Poivre d’Arvor que se candidatou e teve apenas 4% dos votos. E a obra de PPDA, como é conhecido o jornalista, não se resume a dois livros pífios. Ele escreveu romances e uma polêmica biografia de Hemingway. Mas os acadêmicos acharam que o lugar dele não é na Academia.
Aliás, na França, onde surgiu o conceito de direita e esquerda na política, logo após a Revolução Francesa, ninguém ousaria dizer, como se ouve no Brasil, que « esses dois conceitos estão ultrapassados, não dão conta da complexidade do mundo contemporâneo ». Para mim, isso é conversa de brasileiro de direita que não se assume. Aqui na França, em política, esquerda é esquerda, direita é direita. E cientistas sociais, sociólogos e filósofos nem discutem a fronteira entre as duas visões de mundo e a atualidade da luta de classes.
A frase do filósofo francês Gilles Deleuze define muito bem o que é ser de direita e ser de esquerda : « Ser de esquerda é antes pensar o mundo, depois seu país, depois seus próximos, depois pensar a si mesmo. Ser de direita é o inverso ». Simples assim.

Hollande : ser de esquerda é isso

Ser de esquerda é dar o exemplo de sobriedade na gestão das coisas do Estado. Por exemplo : para ir à reunião de chefes de Estado em Bruxelas esta semana, François Hollande pegou o trem e voltou de carro. Um jornal fez o cálculo : se tivesse pegado o avião como seu predecessor, o Estado teria gasto 20 mil euros. Com a segurança e os assessores viajando de trem e de automóvel, a França gastou apenas 6 mil euros.
Como já comentei neste blog, um dos primeiros atos do novo presidente francês foi baixar seu salário e o dos ministros de 30%, cumprindo promessa de campanha. A economia é simbólica, não salva a economia do país. Mas um governo é feito também de atos simbólicos.
Além disso, os ministros tiveram de assinar uma « Carta de deontologia », com os princípios que devem orientar o exercício do poder. O primeiro-ministro Jean-Marc Ayrault frizou no texto : exemplaridade, ausência de conflitos de interesses públicos e privados.
Além disso, Ayrault, que era líder dos socialistas no Parlamento e prefeito de Nantes (na França a acumulação de mandatos é legal e mesmo louvada por parte da classe política) quis cumprir outra promessa de campanha de Hollande : a paridade total. Pela primeira vez na história da República, o número de ministros homens e mulheres é igual. Dos 34 ministros, 17 são mulheres.
Nicolas Sarkozy, o presidente bling-bling (por seu gosto pelos sinais exteriores de riqueza como Rolex, iates e por se definir como “a direita descomplexada”, isto é, aquela que assume claramente suas opções neoliberais), havia aumentado o salário do presidente (no caso o seu próprio) de 172% (!) logo que assumiu em maio de 2007. Com o corte de 30%, Hollande, que fez campanha como um presidente « normal » (leia-se discreto, sóbrio e comedido), vai ganhar 13.500 euros líquidos por mês pois Sarkozy ganhava 19 mil líquidos. Esse salário era maior que o de Angela Merkel.
Com a redução, Hollande passou a ganhar um pouco menos que sua colega alemã, com quem não tem sido fácil negociar novos rumos para a Europa, principalmente os eurobonds. Mesmo com a discordância de Merkel, Hollande conseguiu esta semana na cúpula informal dos dirigentes europeus em Bruxelas impor a seus colegas o tema e a discussão dos eurobonds, para mutualizar as dívidas dos países da zona do euro.
Já é um começo de vitória. A queda de braço com Merkel continua.


A última obra-prima de Leonardo da Vinci
*Texto publicado na Carta Capital de 25 de abril de 2012

Leneide Duarte-Plon, de Paris
 (detalhe do quadro de Da Vinci -  divulgação)
Alguma obra pode resumir uma vida ? A resposta é afirmativa e a prova é o  último quadro de Leonardo da Vinci, « A virgem e o menino com Sant’Ana » (La vierge à l’Enfant avec sainte Anne). Quem sustenta a tese é o curador da exposição “Sant’Ana, a última obra-prima de Leonardo da Vinci », Vincent Delieuvin, conservador do departamento de pinturas do museu do Louvre, para quem o quadro « resume uma longa meditação de Leonardo sobre a natureza e a arte ».
 Inaugurada em 29 de março, a magnífica exposição, resultado de dois anos de restauração da obra, pode ser vista até 25 de junho. A apresentação de outras obras pintadas na mesma época por Leonardo da Vinci permite ao curador demonstrar sua tese de que « A virgem e o menino com Sant’Ana » é o ápice das pesquisas estéticas do artista. E também permite mostrar que quem se aventurou a copiar o quadro ou tratar o mesmo tema foi totalmente esmagado pela beleza dessa pintura em que a virgem e sua mãe têm quase a mesma juventude. Ninguém jamais conseguiu superar o sublime rosto de Maria por Leonardo. Mas, segundo especialistas, a influência deste quadro da trindade, representada por duas mães diante de um menino-deus, pode ser vista no século XVI em artistas como Michelangelo, Rafael ou Piero di Cosimo.
Ao se deparar com o quadro restaurado pela italiana Cinzia Pasquali, assessorada por uma comissão de experts apoiados nas mais avançadas tecnologias disponíveis no Centro de Pesquisa e de Restauração dos Museus da França (C2RMF), o visitante se diz que todo o esforço, os debates de especialistas e a montanha de dinheiro gasto não foram em vão. A última obra-prima de Leonardo da Vinci está diante de nós em todo seu esplendor, livre das manchas, das camadas de vernizes que puxavam para o amarelo e se somavam ao ataque de insetos xilófagos que haviam deixado rastros de minúsculos buracos invisíveis a olho nu. 
« Quando a restauração de « Sant’Anna » foi aprovada em 2009, pareceu-nos evidente fazer uma exposição em torno desta obra-prima, que representa vinte anos da carreira de Leonardo e revolucionou a história da arte », escreve Delieuvin. Ele explica que as novas tecnologias permitiram a restauração das cores muito próximas daquelas utilizadas pelo artista. A realidade é que o tempo e as diversas camadas de verniz haviam transfigurado as cores e o famosíssimo “sfumato” do gênio do Renascimento.
Iniciado nos dois primeiros anos do século XVI, quando o Brasil acabava de ser descoberto, o quadro _ que trata de um tema muito em voga naquele século, a virgem, sua mãe e o menino Jesus _ foi deixado ligeiramente inacabado em  1519, quando Leonardo morreu,  hóspede de seu último mecenas, o rei francês François 1er. Nos quase vinte anos em que concebeu e realizou sua composição, o artista fez dezenas de desenhos, modificou a posição dos personagens, incluiu no grupo João Batista menino e depois retirou-o, optando por um cordeiro com o qual brinca o pequeno Jesus, que seria imolado, tal qual um cordeiro na Páscoa judaica.
Ao atravessar os Alpes vindo de Florença, em 1516, Leonardo trazia no lombo de animais para o castelo de Amboise, na região do rio Loire, três obras : o retrato da Gioconda, que acabara não entregando ao marido da modelo, autor da encomenda, uma pintura que representava São João Batista e « A virgem e o menino com Sant’Anna ». Atualmente, as três obras fazem parte do acervo do Museu do Louvre. Uma delas, a Gioconda, tornou-se mesmo um dos quadros mais famosos do mundo, o que Leonardo da Vinci nem de longe podia suspeitar ao chegar à França.
Para a atual exposição do Louvre, apresentada como o acontecimento do ano nas artes plásticas, foram reunidas 135 obras entre desenhos, documentos, livros, pinturas e até mesmo uma escultura em baixo relevo em mármore, de Michelangelo, contemporâneo e rival de Leonardo. Muitos dos desenhos são do próprio Leonardo e fazem parte dos estudos de detalhes do quadro, preparatórios para o quadro do Louvre. Vinte e dois deles foram emprestados pela coroa britânica pois pertencem à coleção da rainha Elizabeth II. O mais importante desenho de Leonardo tem o mesmo tamanho do quadro em torno do qual foi criada a exposição. Ele representa Sant’Ana, a virgem, o menino e São João Batista, no lugar do cordeiro, e pertence à National Gallery de Londres. Essa obra é uma das inúmeras versões do artista em que ele « ensaiou » o tema, finalmente pintado sobre madeira e que se tornou um de seus quadros mais conhecidos e admirados, sua última obra-prima. Na exposição, podem-se admirar, ainda, inúmeras cópias do quadro de Leonardo feitas por artistas anônimos do próprio atelier do artista ou evidentes citações feitas por artistas mais ou menos conhecidos. Particularmente belo é o desenho de Degas « Cabeças da virgem e de Sant’Ana ». Exposto desde meados do século XIX no Salon Carré do Louvre, a sala das obras-primas onde se encontrava também a Gioconda, « Sant’Anna », como o quadro é chamado por museólogos, foi copiado por artistas como Delacroix, Manet ou Carpeaux.
No prefácio do catálogo, o historiador de arte Henri Loyrette ressalta que pela primeira vez depois da morte de Leonardo da Vinci, « foram reunidos todos os os documentos espalhados por diversos países que permitiram compreender e contar a fascinante gênese dessa obra-prima agora restaurada ».
Para a exposição, o Louvre não poupou nenhum esforço. Além dos outros quadros que ele possui de Leonardo, entre eles o São João Batista e a Virgem dos Rochedos, o museu pediu emprestadas obras e a colecionadores particulares e a diversos museus do mundo. Do Museu do Prado, o Louvre trouxe a irmã gêmea da Gioconda. A tela, que até poucos anos era tida como uma cópia tardia do famosíssimo quadro, é hoje considerada como um original feito simultaneamente por um dos alunos de Leonardo, no atelier do mestre florentino, a partir do mesmo modelo vivo.
A Gioconda do Prado é bela, seu sorriso é enigmático, mas sua gêmea do Louvre ganha em mistério e o “sfumato” revela a mão do mestre. A Gioconda do Louvre não foi retirada da sala onde pode ser vista, fotografada e admirada diariamente por milhares de visitantes vindos do mundo inteiro. Ao deixar a exposição de Leonardo, vem uma súbita vontade de ir rever a Mona Lisa na outra ala do gigantesco museu para compará-la a sua gêmea vinda da Espanha. Será que ela é hoje inamovível e sua segurança é tão sofisticada que foi impossível retirá-la por alguns meses ?
Leonardo da Vinci foi engenheiro, arquiteto, anatomista, pintor, escultor, botânico, músico, poeta, filósofo e escritor. Ele inventou diversas máquinas de guerra, um tipo de helicóptero e até mesmo a bicicleta. Trabalhando sob o mecenato dos Médicis de Florença, dos Sforza de Milão e, finalmente, de François 1er, rei da França, o artista é considerado um dos maiores gênios da humanidade e um dos maiores pintores de todos os tempos.
No fim de sua vida, em conversa com François 1er que o nomeou « primeiro pintor, engenheiro e arquiteto » de sua corte, o artista lamentou ter-se dedicado às ciências e às pesquisas experimentais roubando, assim, tempo de sua atividade como pintor. Por se dedicar a múltiplas atividades, Leonardo não deixou uma obra pictórica numerosa : menos de vinte quadros são incontestavelmente obra das mãos do mestre, um dos mais famosos canhotos da história da arte.

segunda-feira, 14 de maio de 2012

Hollande no Rio




Para mostrar seu interesse pelo meio ambiente, o novo presidente francês, que toma posse amanhã, 15 de maio, confirmou sua participação na Rio + 20. Vai ser a oportunidade de conhecer o país do presidente Lula, que tanto admira. Logo depois de sua indicação pelo Partido Socialista, em outubro do ano passado, Hollande encontrou o ex-presidente brasileiro na Espanha e saudou o homem que “soube combinar uma extrema fidelidade à esquerda com um sucesso excepcional, tendo deixado o poder com 80% de aprovação popular”. Lula é para Hollande “a esquerda eficaz, a única que interessa”.

Les Lumières sont de retour
Depois de um longo período de trevas, as Luzes voltaram. Parte dos franceses tinha a impressão de viver um longo pesadelo no país de Voltaire, Montesquieu, Rousseau e Diderot, filósofos do século das Luzes, assim chamado graças a esses pensadores dos conceitos de igualdade, liberdade e direitos humanos, que se impuseram à Revolução Francesa.
Nos últimos cinco anos, « o país dos direitos humanos », epíteto do qual os franceses muito se orgulham, estigmatizava os estrangeiros e os imigrantes, clandestinos ou não. Os oprimidos não se sentiam mais na meca dos direitos humanos. Pior, franceses nascidos e criados na França eram estigmatizados por sua origem, « suspeita » por princípio, pois seus pais eram imigrantes de diversas partes do mundo.
 Além de adotar uma política interna de divisão, digna da extrema direita, o presidente Sarkozy ganhou a alcunha de « presidente dos ricos » ou « presidente bling-bling », por seu amor ao luxo, à exibição e por sua conivência, próxima da promiscuidade, com os industriais e homens poderosos, « les patrons du CAC  40 », índice que mede na bolsa de valores as 40 maiores empresas francesas.
Ao saber do resultado da eleição que dava Hollande como o vencedor, um sarkozysta entrevistado, sem se identificar disse irritado à repórter de TV : « Vou fazer as malas e me exilar na Suiça ». E não estava brincando. Como ele, dezenas de franceses começaram a atravessar a fronteira para proteger seus euros das novas leis fiscais que Hollande vai implantar para fazer os ricos pagaram parte do déficit da França, que os menos afortunados já pagam de diversas formas, inclusive com a pior delas : o desemprego. 

Supermenteur


Dizer que Sarkozy mente mais que Jacques Chirac, que era chamado por humoristas « supermenteur », não é novidade. Quase toda vez que fazia um discurso ou falava em público, os jornais do dia seguinte alinhavam mentiras do presidente Sarkozy, mesmo antes de declarar sua candidatura a um segundo mandato. Durante a campanha, a taxa de mentiras aumentou exponencialmente. Percebo que em exponencialmente, há mente. Mas a mentira não veio como um recurso de campanha. Está no DNA dele.
Numa das inúmeras vezes em que contou lorotas, Sarkozy disse que estava em Berlim no dia da queda do muro. Ora, há uma foto dele junto ao muro mas foi fácil provar que ele viajou a Berlim dois ou três dias depois, quando fizeram a foto do então prefeito de Neuilly-sur-Seine. Vários de seus acompanhantes ou pessoas que com ele trabalhavam confirmaram que no dia da visita, o muro já estava em pedaços …
Outra vez em que foi pegado em flagrante de agressão à verdade, Sarkozy  contou em comício em Marselha que estivera em Fukushima. Depois, na televisão, um jornal mostrou sua ministra do meio ambiente, que o acompanhara ao Japão, explicando porque não puderam nem se aproximar da zona do terremoto. Foram a Tóquio e não saíram de lá. Ele justificou-se : « Dizer que fomos a Fukushima faz mais efeito para reforçar o que eu queria dizer ».
Ah, bom ! Mentira agora é figura de linguagem.

Posse sem filhos
Ségolène se perguntava outro dia numa entrevista no rádio se haveria um lugar protocolar para ela estar presente à posse de François Hollande com quem tem quatro filhos. O protocolo pode enquadrá-la, quem sabe, como ex-ministra, como ex-candidata do PS à eleição presidencial ou mesmo como presidente da região Poitou-Charentes. Ela disse que quer ir à posse de François Hollande de quem foi a « compagne » por mais de vinte anos, mas obviamente não quer ir na condição de « ex-compagne ». Por outro lado, ela garantiu que os filhos do presidente não estarão presentes « pois não é uma festa de família, mas uma festa protocolar da República francesa ».

Uma jornalista no Palácio do Eliseu
A atual « compagne » de Hollande, a jornalista Valérie Trierweiler informou que seus filhos (de uma primeira união) não irão à posse.  Quanto ao modelo de primeira dama que ela tem em mente, ele será mais próximo da engajada e insubmissa Danielle Mitterrand que das outras primeiras-damas-objeto-de-decoração. Valérie Trierweiler diz que quer continuar sua carreira de jornalista pois sempre trabalhou e seu trabalho faz parte de sua personalidade. Além do mais, não quer viver às custas do contribuinte. Mas ela vai ter que convir que vai ser difícil sair todo dia para trabalhar na revista « Paris Match » ou na « Direct 8 » com  guarda-costas que necessariamente vão protegê-la a partir de agora.
Pensando na difícil arte de conciliar trabalho e função de companheira do presidente, ela confidenciou que uma saída pode ser a observação privilegiada do poder e a escrita de um diário, como Eleanor Roosevelt.
De qualquer forma, a nova primeira-dama e seu compagnon-presidente, que vivem juntos desde 2006, não pretendem se casar para resolver problemas de protocolo. Pela primeira vez na história da République, o protocolo do Palácio vai ter que desenvolver todo o savoir-faire diplomático quando o novo presidente tiver que ser recebido no Vaticano, na Inglaterra ou na Índia, por exemplo, países onde uma concubina não pode compartilhar o mesmo quarto de um homem, mesmo sendo ele o presidente da República francesa.
Casamento 

Irreverente como sempre, o jornal de esquerda, fundado por Jean-Paul Sartre, noticiou a decisão de Obama favorável ao casamento gay com uma foto dele e de Hollande em que os dois dizem "sim", como num casamento. Essa posição, anunciada no programa de François Hollande, levou no domingo, 13 de maio, milhares de católicos integristas às ruas de Paris. Esse é apenas um dos pontos do programa do novo presidente que desagrada aos integristas. O outro é sua visão de um fim de vida com dignidade, favorável à morte assistida, diferente contudo da eutanásia. E, last but least, seu apoio à manutenção do aborto, legalizado desde 1974.  

Homer ou Merkhollande ?
Essa é a questão que se colocam os observadores políticos diante do novo par que dirige as duas maiores economias da Europa. « Homer », segundo a jornalista do Le Monde, Sylvie Kaufmann, seria uma bela homenagem a Homero, o poeta grego, e ao mesmo tempo à Grécia, hoje em maus lençóis, origem da democracia.
O genial Jean-Luc Godard, em entrevista no ano passado, defendia um imposto mínimo a ser pago para ajudar a Grécia a pagar sua dívida e se reerguer economicamente. Segundo ele, o conjunto da civilização ocidental tem uma imensa dívida com a Grécia, considerando o imenso legado dos filósofos e dos pensadores da antiguidade. « Se a cada vez que se utiliza a palavra « logo », se pagar 10 euros à Grécia, a crise termina em um dia e a Grécia não precisa vender o Partenon aos alemães. Temos a tecnologia necessária para localizar todos os « logo » através do Google. Pode-se até mandar as cobranças por iPhone. Cada vez que Angela Merkel diz aos gregos « nós emprestamos dinheiro, logo vocês devem nos reembolsar com juros » ...  logo ela deve pagar direitos autorais ».

Saint-Tropez vota Sarkozy

Nunca os jornais venderam tanto quanto na campanha presidencial. Nunca se leu tanto a imprensa escrita ou online quanto nas recentes eleições francesas. Nenhum povo é mais fanático por política e por debate político que os franceses.
A eleição de Hollande, contudo, não é uma unanimidade, longe disso. O presidente socialista é visto como uma ameaça pelos ricos. Em Saint-Tropez, onde todos querem que « os ricos continuem ricos », Sarkozy teve 79,09% dos votos. Um percentual perto do que teve na cidade de Neuilly-sur-Seine, o maior PIB da França, da qual ele foi prefeito por muitos anos.
Mas, prova de que os tempos mudaram, o índice CAC 40, da Bolsa de Paris não caiu no dia seguinte. Ao contrário. Ele fechou em alta de 1,5%. Diferentemente da vitória de Mitterrand, quando a bolsa de Paris caiu 21% no dia seguinte. Durante a campanha contra Mitterrand, a direita histérica prenunciava a invasão de Paris pelos tanques soviéticos em caso de vitória dos socialistas ! Os tanques soviéticos não desceram os Champs Elysées (como as tropas alemães) e o muro caiu apenas oito anos depois.
Detalhe : o slogan de campanha de Sarkozy foi o mesmo de Valéry Giscard d’Estaing em 1981, quando ele perdeu para Mitterrand : La France forte.

Salário do presidente

Uma das medidas imediatas tomadas pelo presidente Hollande a partir do dia 15 de maio : o presidente vai reduzir de 30% seu salário e de seus ministros. Ele vai receber 13000 euros e não mais 19000, o quanto ganhava Sarkozy desde 2007. Logo que assumiu o cargo, Nicolas Sarkozy tomou a providência de aumentar sua remuneração de 172%. A desculpa é que ele estava alinhando o salário do presidente francês aos dos outros chefes de estado Europeu. Ah, bon.
Quanto ao salário dos presidentes das grandes empresas que têm a participação total ou majoritária do Estado, ele não pode ser maior do que vinte (20) vezes o menor salário da empresa.

Anaphore

Não confudir com « amphore » (ânfora), como uma ministra de Sarkozy ao ouvir alguém elogiar a bela resposta de Hollande, durante o debate entre os dois turnos com Sarkozy, à pergunta da jornalista Laurence Ferrari de como ele veria sua presidência. Em sua resposta, Hollande fez o que se chama um « anaphore », figura de linguagem que consiste em repetir no início de frase uma palavra ou expressão. 
François Hollande emendou dezesseis vezes a expressão : « Moi, président de la République… », para dizer o que faria e o que não faria em seu mandato, caso eleito. Foi um dos momentos culminantes do debate, em que o candidato mostrou o perfil de um verdadeiro estadista.

François Hollande, a vitória de um homem “normal”
Por Leneide Duarte-Plon (publicado no Observatório da Imprensa em 06/05/2012)
Depois de três derrotas consecutivas (1995-2002-2007), a esquerda francesa elegeu no domingo (6/5) um socialista para presidente. François Hollande, 57 anos, é herdeiro político de outro François, Mitterrand, que governou a França por dois mandatos de sete anos, de 1981 a 1995.
Ao vencer Nicolas Sarkozy na eleição presidencial, François Hollande contabilizou a segunda vitória sobre o atual presidente. A primeira foi em 1999, quando o socialista ganhou a eleição para o Parlamento europeu, deixando seu concorrente Sarkozy a ver navios. Logo depois, o deputado europeu renunciou a seu mandato para assumir a vice-presidência da Internacional Socialista. Em seguida, Hollande se elegeu deputado pela Corrèze.
O novo presidente eleito para um mandato de cinco anos (a duração do mandato foi diminuída durante a presidência de Jacques Chirac) teve uma vitória mais apertada do que o previsto pelos institutos de pesquisas, 51,6% a 48,4% para Nicolas Sarkozy. Um pouco depois da proclamação do resultado, Hollande dirigiu-se à praça da catedral de Tulle, cidade em que foi prefeito e onde dirige o conselho regional da Corrèze, e ali fez seu primeiro discurso como presidente eleito.
François Hollande prometeu que todos os franceses serão tradados com igualdade e que “nenhuma criança da República será discriminada”. Disse que o primeiro dever de um presidente da República é “fazer tudo para manter o modelo social francês e que a prioridade do novo governo é a reorientação da Europa para reabilitar o emprego e o crescimento”.
Em tom emocionado, o novo presidente prometeu que antes de tomar qualquer decisão se perguntará se ela é justa. “E ao final do meu mandato me perguntarei se fiz tudo para fazer progredir a justiça e a igualdade”, disse. Ao final do discurso, Hollande convidou sua mulher, a jornalista Valérie Trierweiler, a subir no palco de onde saudou a multidão.
“Talento político”
A vitória dos socialistas na eleição de setembro para o Senado, que pela primeira vez na Quinta República (1958 até hoje) tem maioria de esquerda, foi o primeiro passo da volta dos socialistas ao poder, depois de uma longa ausência.
Logo depois de sua indicação pelo Partido Socialista, em outubro do ano passado, Hollande encontrou o ex-presidente Lula na Espanha e saudou o homem que “soube combinar uma extrema fidelidade à esquerda com um sucesso excepcional, tendo deixado o poder com 80% de aprovação popular”. Lula é para Hollande “a esquerda eficaz, a única que interessa”.
Hollande, deputado e presidente do conselho regional da Corrèze, no centro da França, começou a se preparar para uma candidatura presidencial desde que deixou a direção do partido em 2008 e foi substituído por Martine Aubry. Considerado um bon vivant e conhecido por suas boutades engraçadas e rápidas, François Hollande emagreceu 10 quilos, mudou o penteado e assumiu uma seriedade de circunstância.
François Hollande se apresentou como um “candidato normal” para marcar sua oposição ao atual presidente. Sarkozy sempre foi criticado pela esquerda por sua vontade de controlar tudo, um hiperpresidente que quer ocupar todos os espaços. Além do mais, no início do mandato não soube separar sua vida privada da vida pública, o que é imperdoável na política francesa.
Durante a campanha, Hollande,  ex-professor de economia do Instituto de Estudos Politicos de Paris (Sciences Po), defendeu a necessidade de proteger o euro com a volta do crescimento econômico.
Entrevistado na televisão, o ex-candidato do Partido Socialista, em 1995 e 2002, Lionel Jospin, que se manteve silencioso durante a campanha, disse no domingo toda a admiração que tem por François Hollande: “Ele é o que tem mais talento político no Partido Socialista”. Ao deixar a direção do PS para se tornar primeiro-ministro, em 1997, depois da vitória socialista nas eleições legislativas, Jospin apoiou a candidatura de Hollande, que dirigiu o PS por onze anos (de 1997 a 2008).
Um modelo
Filho de um médico de direita e de uma assistente social de esquerda, o simpático e conciliador François estudou na prestigiosa Sciences Po, além de se formar posteriormente na École Nationale d’Administration (ENA), uma das grandes écoles por onde passa a nata dos políticos franceses. Na sua turma, além de Ségolène Royal, com quem teve quatro filhos, ele teve como colega o ex-primeiro-ministro Dominique de Villepin.
O temperamento conciliador de Hollande foi muitas vezes apresentado como fraqueza por seus adversários de direita, que louvavam a firmeza e experiência de Nicolas Sarkozy. Jacques Chirac, ao contrário, sempre manteve relações cordiais com seu adversário de esquerda. Há poucos meses, na abertura de uma exposição na Corrèze, região onde ambos têm raízes eleitorais, o velho presidente disse intempestivamente que ia votar em Hollande.
A mãe de François Hollande, falecida há dois anos, contou numa entrevista mostrada na TV durante a campanha que desde pequeno seu filho dizia que seria presidente da República. “Nós não acreditávamos. E continuamos sem acreditar”, disse sorrindo Madame Hollande.
Poucos dias antes da vitória, François Hollande disse em uma entrevista na TV que caso vencesse pensaria no presidente Mitterrand, seu modelo na política, e em sua mãe.

sábado, 5 de maio de 2012

Pesadelo : Sarkozy reeleito com 50,001% dos votos



Todas as pesquisas e projeções de transferência de votos do primeiro para o segundo turno são passíveis de erro. Enquanto o resultado oficial não for divulgado, às 20 horas deste domingo, dia 6, todos os fantasmas são possíveis. O ator e diretor de cinema belga Lucas Belvaux disse ao Libération que tem um pesadelo : “neste domingo o presidente atual é reeleito com 50,001% dos votos”. 
Os institutos de pesquisa erraram em 2002 e não previram o  segundo turno com Jacques Chirac e Jean-Marie Le Pen. Apontaram Chirac e Lionel Jospin no segundo turno. Num ímpeto de rejeição das ideias fascistas de Le Pen e apoio aos valores republicanos representados por Chirac, milhões de franceses de esquerda e de direita foram às ruas dia 1° de maio de 2002 dizer « Não » às ideias do Front National. Foi um dia histórico e emocionante.
O resultado todos conhecem : Jacques Chirac foi eleito no segundo turno com 82% dos votos de todo o espectro politico francês. Apesar de reeleito presidente com votos de comunistas e socialistas que marcaram a rejeição a Le Pen, Chirac não teve a grandeza de fazer um governo de união nacional. Em seu livro de memórias lançado há dois anos ele disse lamentar esse erro. Continuou a governar com seu clã, a direita republicana francesa, e preparou a eleição de 2007 de um de seus ministros, o (espera-se) futuro desempregado Nicolas Sarkozy. 
O 1° de Maio é de esquerda ou de direita ?
 
 
No dia 1° de maio em Paris o céu estava azul e o sol brilhou o dia inteiro, apesar da temperatura amena. Na capital e nas principais cidades da França, os franceses de esquerda festejaram, como de hábito, o dia do trabalhador. Ou dia do trabalho, que tem uma história remota de lutas e reivindicações dos trabalhadores. 





Em Paris, a passeata organizada pelos sindicatos e partidos de esquerda saiu de Denfert Rochereau e desceu os Boulevares Saint-Michel e Saint-Germain para se dirigir à Place de la Bastille. As passeatas ou manifs são meticulosamente organizadas com reivindicações de diferentes grupos da sociedade, e também de sindicalistas de outros países. A manif é um momento de reunião de gente de todas as origens e idades em torno da defesa dos oprimidos do mundo inteiro, como os palestinos, 

do ideal de justiça social e de reivindicações de liberté, égalité, fraternité. Na manif, o humor e a crítica espelham a criatividade dos franceses.  




Todos os partidos de esquerda desfilaram com suas bandeiras e seus slogans defendendo desde os sans-papiers até o povo sírio. As diferentes « alas » desfilam com as bandeiras dos partidos, algumas têm música, outras repetem slogans reivindicatórios. Este ano havia uma batucada brasileira. 

 
Como todos os anos, o Front National, o partido de extrema-direita fundado por Jean-Marie Le Pen, fez  uma grande festa-comício no dia 1° de maio, para homenagear Joana d’Arc, que simboliza para eles a pátria, a nação francesa.

Para não ficar ausente do primeiro de maio, Sarkozy resolveu lançar um desafio à esquerda e convocou seus militantes a festejar o dia do trabalho, mas do « verdadeiro trabalho » num comício na Place du Trocadéro. Era uma maneira de declarar a guerra contra os sindicatos que em sua maioria convocaram os eleitores a votar no PS no segundo turno « para virar a página do sarkozysmo ».

O sentido do « vrai travail » passou a ser comentado, analisado, dissecado por todos os jornalistas políticos e o presidente e seus ministros tiveram que explicar que a expressão não foi das « mais felizes ».

Ao me dedicar o jornal Siné mensuel, o cartunista Mric resolveu gozar Sarkozy : desenhou uma caricatura de Sarko dizendo que « Lula c’est pas du vrai ». O velho e combativo Siné, que estava na manif autografando seu jornal, e se locomove com um respirador ligado no aparelho de oxigênio, apenas assinou e desenhou um coração. 

Casse-toi, pov’ con

Logo no início de seu mandato, um dia o presidente Sarkozy estava no Salão da Agricultura, uma passage obrigatória para os presidentes franceses e tentou dar a mão a alguém que retirou a mão.  Sem se dar conta que estava acompanhado de jornalistas, câmeras e microfones, ele disse uma frase grosseira : « Casse-toi pauvre con » (Dá o fora, cretino).
Essa frase se voltou contra ele pois passou a ser usada em todas as manifestações com uma ortografia que reproduz a linguagem falada : « Casse-toi pov’ con »  

Companheira de e não mulher de
Caso se confirmem as pesquisas e François Hollande seja eleito, ele será o segundo socialista a ocupar o Palácio do Eliseu durante a Quinta República (que começou em 1958). François Mitterrand, que governou por dois mandatos de sete anos, é a grande referência do virtual presidente que, se eleito, governará por cinco anos, a atual duração do mandato presidencial.
Os tempos mudaram. Se eleito, Hollande será o primeiro presidente francês a tomar posse tendo ao lado uma mulher com quem não é casado oficialmente. Ciosos de precisão, os franceses, tanto na imprensa quanto em conversas privadas, somente chamam de femme de ou mari de uma pessoa que é casada oficialmente. A atual compagne de François Hollande é a jornalista Valérie Trierweiler. François Hollande também viveu maritalmente por mais de vinte anos com Ségolène Royal, com quem teve quatro filhos, sem ser casado. Ele deve ser alérgico a casamento.
Outro sinal dos tempos : Sarkozy foi o primeiro presidente francês a se divorciar e a se casar no exercício do mandato. E foi também o primeiro presidente eleito a ter pai e mãe vivos. Foi também o primeiro presidente a ser pai durante o mandato. Sua filha com Carla Bruni-Sarkozy nunca foi fotografada, o que não causa nenhuma surpresa num país em que a vida privada dos políticos não interessa a ninguém.  
Aliás, li ontem que Vladimir Putin tem duas filhas que nunca apareceram em público. Os anglo-saxãos estão no extremo oposto dos russos e dos franceses pois não somente exibem suas mulheres e filhos como os utilizam para construir uma imagem de proximidade e identificação com os eleitores.

Contre-verité : suave eufemismo para men-ti-ra
No debate entre François Hollande e Nicolas Sarkozy, na quarta-feira, dia 2 de maio, visto por mais de 17 milhões de franceses, o futuro homem de negócios (ele disse que se perdesse iria « faire de l’argent », com toda a vulgaridade que lhe é própria) distorceu a verdade e desmentiu Hollande quando este dizia a verdade. Enfim, desenrolou argumentos de um típico homem de direita, tentando assustar seus eleitores com o futuro negro que espera a França, caso os franceses elejam um socialista neste domingo. No debate, Sarkozy mentiu. Mentiu muito. Distorceu os fatos e tentou torpedear o programa de Hollande já que sua herança é indefensável. Tentou convencer os franceses que tudo o que fez foi magnífico e  o que não foi feito foi culpa da crise mundial.
No dia seguinte, os jornais mais sérios dedicaram grande espaço para colocar o pingo nos is. Rue89, um excelente site jornalístico fez uma matéria especial com as pequenas e as grandes mentiras do debate. Libération, Le Monde e L’Humanité fizeram o mesmo.
Detalhe : a maioria dos jornalistas, prefere eufemisticamente falar de « contre-vérité », em vez de « mensonge ». Não é o caso do presidente Sarkozy que, sem nuances, acusou mais de uma vez seu debatedor de mentir ou de ser mentiroso. Os jornais provaram que sua relação com a verdade é … problemática. Aliás, em seus discursos, uma das frases preferidas desse conhecido pinóquio é : « Je vais vous dire la vérité »
 
Sarkozy prefere « cães de guarda »
(texto publicado no Observatório da Imprensa dia 4-05-2012)

Uma coisa é certa : se François Hollande for eleito presidente dia 6 de maio, o audiovisual público francês voltará a ser independente e a funcionar sem o contrôle total do presidente da República. 
Apesar de a França não ser uma ditadura nem uma república de bananas, se o vencedor for Nicolas Sarkozy (contrariando as pesquisas de opinião que o apontam como vencido no segundo turno), tudo permanece como ele mesmo dediciu, isto é, o presidente da República continuará a indicar o presidente da holding France Télévision e das estações de TV, além do presidente de Radio France, que agrupa todas as rádios públicas.
Por que tanta certeza ? A revista Télérama redigiu um Apelo pour um audiovisual independente e o submeteu à assinatura dos dez candidatos ao primeiro turno da eleição presidencial. Nove assinaram o Apelo, menos um, Nicolas Sarkozy. Et pour cause, foi ele mesmo quem decidiu no seu primeiro mandato, em março de 2009, subordinar a indicação e nomeação dos dirigentes do audiovisual público ao presidente da República, fazendo dos jornalistas do audiovisual verdadeiros « chiens de garde » de seus interesses. Recentemente, um documentário extraordinariamente bem feito, « Les nouveaux chiens de garde », mostrou como funciona a conivência entre jornalistas e o poder no tratamento da informação, de forma a que esteja sempre em sintonia com os interesses dos donos do poder.
Télérama considera que ao se recusar a assinar o apelo, Sarkozy prova que continua a « defender uma concepção arcaica dos laços entre o executivo e as redes de TV e rádios que pertencem ao Estado ». A revista critica a reforma do poderoso audiovisual público francês feita por Sarkozy em 2009, por pensar que ela marcou « um recuo das liberdades públicas e fez pairar uma suspeita permanente  sobre todas as decisões » tomadas pelos diretores nomeados, seja da TV seja das rádios. O poderoso audiovisual público francês é composto por France Télévision (que compreende os canais Outre-Mer 1ere, France 2, France 3, France 4, France 5 e France Ô, que representam 40% da audiência dos franceses) e Radio France (cinco estações de rádio que estão entre as de maiores audiências do país), além das estações de rádio que fazem programas em língua estrangeira (Radio France Internationale) e o canal de TV all news intenacional (France 24).
A seguir, a íntegra do Apelo por um audiovisual público independente, redigido em abril pela revista Télérama:
“O presidente da República nomeia ele próprio o presidente de France Télévisions, de Radio France e do Audiovisual Internacional da França (RFI e France 24), conforme a lei votada em março de 2009. Télérama denuncia esta lei desde que foi adotada pois ela restabeleceu, pela primeira vez desde 1982, um laço de dependência direta entre o executivo e os dirigentes das redes de TV e das  estações de rádios públicas. Esse modo de nomeação constitui um recuo das liberdades públicas. Deve ser suprimido e substituído por um outro processo que garanta a independência dos presidentes do audiovisual público e das sociedades que eles dirigem. Tanto na televisão quando no rádio ».
A vitória de François Hollande terá como imediata consequência a total independência do audiovisual público francês. E os atuais « chiens de garde », os jornalistas escolhidos pelo próprio presidente para defenderem os interesses do hóspede do Palácio do Eliseu, poderão ser substituídos por jornalistas pagos pelo dinheiro do contribuinte para informar dentro da deontologia da profissão e para criticar, inclusive o presidente da República e seus atos, quando julgarem conveniente. E os que permanecerem em seus cargos não se sentirão mais, daqui para a frente, na obrigação de dizerem « amém » a todos os atos e decisões do poder.