Alain Delon, Alain Prost e Charles Aznavour
são alguns dos ricos franceses que já moram na Suiça. Com a vitória do
socialista François Hollande e a futura implantação de seu programa fiscal, que
vai taxar pesadamente os mais ricos para financiar o programa de crescimento, a
criação de empregos e a manutenção do modelo social francês (saúde e educação
gratuita e de qualidade para todos), eles estão fazendo as malas para os
paraísos fiscais em torno da França : Luxemburgo e Suíça, principalmente.
Apesar de não ser um paraíso fiscal, a
Bélgica também atrai os ricos franceses por ser muito mais liberal em termos de
impostos. Além disso, Bruxelas está a um passo de Paris. Um advogado
especializado em direito tributário disse em uma entrevista que nunca seu
escritório trabalhou tanto quanto este ano, dando consultoria para quem quer
proteger seu dinheiro na Suiça, elegendo o país como residência principal para
escapar ao « efeito Hollande ».
Comentando a vitória dos socialistas, um
jornal de Portugal chegou a escrever que « os ricos vão fugir dessa França
absurda e igualitária que só pensa nos pobres ».
Sarkozy corre para o Marrocos …
No dia seguinte
à derrota, o presidente Sarkozy foi se reciclar num dos palácios do rei do
Marrocos, em Marrakech. Lá, ao abrigo dos paparazzi, ele descansa com a mulher,
Carla Bruni e com a filha Giulia, nunca vista em foto pelos franceses. Agora
que não é mais presidente pode ser que a menina venha a ser fotografada
livremente, já que ninguém mais pode acusar Sarko de usá-la como argumento eleitoral,
à moda americana, nem de misturar a vida pública com a vida privada,
inaceitável na política francesa.
E Carla
Bruni volta a cantar …
Aliás, um jornalista francês ao ter notícia
da vitória de Hollande sobre Sarkozy cometeu o que os franceses chamam de « phrase
assassine », essas tiradas envenenadas, típicas dos humoristas
políticos franceses de rádio e TV, como o insuperável Stéphane Guillon: « Não
sei se é uma boa notícia a derrota de Sarkozy. Agora, Carla Bruni volta a
cantar… »
Rio
trop cher
Um jornalista me contou que a comitiva
europeia que ia ao Rio para a Conferência Rio+20 foi reduzida drasticamente por
causa dos exorbitantes preços dos hoteis cariocas. Em tempos de crise europeia,
pagar hotel caro nos trópicos é um luxo que nem o interesse em salvar o planeta
justifica.
"Sans maîtres ni esclaves: nous n'aurons que ce que nous saurons prendre" (slogan anarquista)-Foto Leneide Duarte-Plon - 1° de maio de 2012-Paris
“Como tem paineis
de discussão política e debate cultural na televisão francesa!” Essa
observação que li numa das crônicas de Luis Fernando Veríssimo me fez refletir
o quanto eu passei a ver televisão desde que vim morar em Paris, em 2001.
Obviamente, a TV francesa tem também programas debiloides como a brasileira e a
italiana, mesmo que sejam em número muito menor. Sinal de que há franceses idiotizados
pela « máquina de fazer doido », como brasileiros e italianos. Não
são todos Sartres e Lévi-Strauss, saídos da Nomale Sup, eruditos e refinados
intelectualmente, como pensávamos ao ler Proust e Voltaire no curso literário
da Aliança Francesa do Rio.
Mas o que me faz ligar a TV são programas em
que se discute cultura e política, esta fazendo parte integrante da própria
concepção francesa de cultura.
Mas a televisão
como mídia não se presta a debates aprofundados, o tempo cronometrado não
permite que um intelectual mais rigoroso desenvolva um pensamento complexo. A
reflexão mais elaborada é incompatível com essa mídia, usada principalmente
para divertir e alienar populações no mundo inteiro. Por isso, filósofos dignos
deste nome (não confundir com o arroz de festa Bernard-Henri Lévy) nunca puseram
os pés num debate dessa mídia superficial e rápida. Penso em Derrida, Alain
Badiou e mesmo no psicanalista Jacques Lacan.
Lacan :
« Psicanálise é outra coisa »
O único programa de TV do qual Lacan
participou foi feito para ele se expressar, com o tempo necessário e com
perguntas do também psicanalista e genro Jacques-Alain Miller. O programa
passou em dois dias em 1974 e se chamava « Télévision ». Não é nem
divertido nem acessível. Trechos do programa podem ser visto na internet.
E por falar em Jacques Lacan, ele dizia sobre
a psicanálise, em entrevista a uma revista italiana, feita pelo jornalista
Emilio Granzotto : « Propor às pessoas ajudá-las significa um sucesso
assegurado e a clientela se acotovelando na porta. A psicanálise é outra coisa ».
Quando vejo pessoas que se dizem
psicanalistas dando entrevistas no Brasil dizendo que querem « o bem de
seus clientes, que os amam » penso em Lacan : « Psicanálise é
outra coisa ».
Deleuze : esquerda e direita é isso
Na França, a política interessa aos leitores
de jornais, aos ouvintes de rádio, aos telespectadores e aos leitores de
livros. Os livros que tratam de política são incontáveis, os jornalistas
políticos lançam quase um livro por ano e nenhum deles tem a pretensão de se
candidatar à Academia Francesa. Seriam nocauteados por grandes escritores-candidatos.
Como aconteceu recentemente com o jornalista Patrick Poivre d’Arvor que se
candidatou e teve apenas 4% dos votos. E a obra de PPDA, como é conhecido o
jornalista, não se resume a dois livros pífios. Ele escreveu romances e uma
polêmica biografia de Hemingway. Mas os acadêmicos acharam que o lugar dele não
é na Academia.
Aliás, na França, onde surgiu o conceito de
direita e esquerda na política, logo após a Revolução Francesa, ninguém ousaria
dizer, como se ouve no Brasil, que « esses dois conceitos estão
ultrapassados, não dão conta da complexidade do mundo contemporâneo ».
Para mim, isso é conversa de brasileiro de direita que não se assume. Aqui na
França, em política, esquerda é esquerda, direita é direita. E cientistas
sociais, sociólogos e filósofos nem discutem a fronteira entre as duas visões
de mundo e a atualidade da luta de classes.
A frase do filósofo francês Gilles Deleuze
define muito bem o que é ser de direita e ser de esquerda : « Ser de
esquerda é antes pensar o mundo, depois seu país, depois seus próximos, depois
pensar a si mesmo. Ser de direita é o inverso ». Simples assim.
Hollande :
ser de esquerda é isso
Ser de esquerda é dar o exemplo de sobriedade
na gestão das coisas do Estado. Por exemplo : para ir à reunião de chefes
de Estado em Bruxelas esta semana, François Hollande pegou o trem e voltou de
carro. Um jornal fez o
cálculo : se tivesse pegado o avião como seu predecessor, o Estado teria
gasto 20 mil euros. Com a segurança e os assessores viajando de
trem e de automóvel, a França gastou apenas 6 mil euros.
Como já comentei neste blog, um dos primeiros
atos do novo presidente francês foi baixar seu salário e o dos ministros de
30%, cumprindo promessa de campanha. A economia é simbólica, não salva a economia do país. Mas um governo é
feito também de atos simbólicos.
Além disso, os ministros tiveram de assinar
uma « Carta de deontologia », com os princípios que devem orientar o
exercício do poder. O primeiro-ministro Jean-Marc Ayrault frizou no texto :
exemplaridade, ausência de conflitos de interesses públicos e privados.
Além disso, Ayrault, que era líder dos
socialistas no Parlamento e prefeito de Nantes (na França a acumulação de
mandatos é legal e mesmo louvada por parte da classe política) quis cumprir
outra promessa de campanha de Hollande : a paridade total. Pela primeira
vez na história da República, o número de ministros homens e mulheres é igual. Dos
34 ministros, 17 são mulheres.
Nicolas Sarkozy, o presidente bling-bling (por
seu gosto pelos sinais exteriores de riqueza como Rolex, iates e por se definir
como “a direita descomplexada”, isto é, aquela que assume claramente suas
opções neoliberais), havia aumentado o salário do presidente (no caso o seu
próprio) de 172% (!) logo que assumiu em maio de 2007. Com o corte de 30%, Hollande,
que fez campanha como um presidente « normal » (leia-se discreto,
sóbrio e comedido), vai ganhar 13.500 euros líquidos por mês pois Sarkozy ganhava
19 mil líquidos. Esse salário era maior que o de Angela Merkel.
Com a redução, Hollande passou a ganhar um
pouco menos que sua colega alemã, com quem não tem sido fácil negociar novos
rumos para a Europa, principalmente os eurobonds. Mesmo com a discordância de
Merkel, Hollande conseguiu esta semana na cúpula informal dos dirigentes
europeus em Bruxelas impor a seus colegas o tema e a discussão dos eurobonds,
para mutualizar as dívidas dos países da zona do euro.
Já é um começo de vitória. A queda de braço com
Merkel continua.
A última obra-prima de
Leonardo da Vinci
*Texto publicado na Carta
Capital de 25 de abril de 2012
Leneide
Duarte-Plon, de Paris
(detalhe do quadro de Da Vinci - divulgação)
Alguma
obra pode resumir uma vida ? A resposta é afirmativa e a prova é o último quadro de Leonardo da Vinci, « A
virgem e o menino com Sant’Ana » (La vierge à l’Enfant avec sainte Anne). Quem
sustenta a tese é o curador da exposição “Sant’Ana, a última obra-prima de
Leonardo da Vinci », Vincent Delieuvin, conservador do departamento de pinturas
do museu do Louvre, para quem o quadro « resume uma longa meditação de
Leonardo sobre a natureza e a arte ».
Inaugurada em 29 de março, a magnífica
exposição, resultado de dois anos de restauração da obra, pode ser vista até 25
de junho. A apresentação de outras obras pintadas na mesma época por Leonardo da
Vinci permite ao curador demonstrar sua tese de que « A virgem e o menino
com Sant’Ana » é o ápice das pesquisas estéticas do artista. E também permite
mostrar que quem se aventurou a copiar o quadro ou tratar o mesmo tema foi
totalmente esmagado pela beleza dessa pintura em que a virgem e sua mãe têm
quase a mesma juventude. Ninguém jamais conseguiu superar o sublime rosto de
Maria por Leonardo. Mas, segundo especialistas, a influência deste quadro da
trindade, representada por duas mães diante de um menino-deus, pode ser vista
no século XVI em artistas como Michelangelo, Rafael ou Piero di Cosimo.
Ao
se deparar com o quadro restaurado pela italiana Cinzia Pasquali, assessorada
por uma comissão de experts apoiados nas mais avançadas tecnologias disponíveis
no Centro de Pesquisa e de Restauração dos Museus da França (C2RMF), o visitante
se diz que todo o esforço, os debates de especialistas e a montanha de dinheiro
gasto não foram em vão. A última obra-prima de Leonardo da Vinci está diante de
nós em todo seu esplendor, livre das manchas, das camadas de vernizes que
puxavam para o amarelo e se somavam ao ataque de insetos xilófagos que haviam
deixado rastros de minúsculos buracos invisíveis a olho nu.
« Quando a restauração de
« Sant’Anna » foi aprovada em 2009, pareceu-nos evidente fazer uma
exposição em torno desta obra-prima, que representa vinte anos da carreira de
Leonardo e revolucionou a história da arte », escreve Delieuvin. Ele
explica que as novas tecnologias permitiram a restauração das cores muito
próximas daquelas utilizadas pelo artista. A realidade é que o tempo e as
diversas camadas de verniz haviam transfigurado as cores e o famosíssimo
“sfumato” do gênio do Renascimento.
Iniciado nos dois primeiros anos do século
XVI, quando o Brasil acabava de ser descoberto, o quadro _ que trata de um tema
muito em voga naquele século, a virgem, sua mãe e o menino Jesus _ foi deixado
ligeiramente inacabado em 1519, quando
Leonardo morreu, hóspede de seu último
mecenas, o rei francês François 1er. Nos quase vinte anos em que concebeu e
realizou sua composição, o artista fez dezenas de desenhos, modificou a posição
dos personagens, incluiu no grupo João Batista menino e depois retirou-o,
optando por um cordeiro com o qual brinca o pequeno Jesus, que seria imolado, tal
qual um cordeiro na Páscoa judaica.
Ao atravessar os Alpes vindo de Florença, em
1516, Leonardo trazia no lombo de animais para o castelo de Amboise, na região
do rio Loire, três obras : o retrato da Gioconda, que acabara não
entregando ao marido da modelo, autor da encomenda, uma pintura que
representava São João Batista e « A virgem e o menino com
Sant’Anna ». Atualmente, as
três obras fazem parte do acervo do Museu do Louvre. Uma
delas, a Gioconda, tornou-se mesmo um dos quadros mais famosos do mundo, o que
Leonardo da Vinci nem de longe podia suspeitar ao chegar à França.
Para a atual exposição do Louvre, apresentada
como o acontecimento do ano nas artes plásticas, foram reunidas 135 obras entre
desenhos, documentos, livros, pinturas e até mesmo uma escultura em baixo
relevo em mármore, de Michelangelo, contemporâneo e rival de Leonardo. Muitos
dos desenhos são do próprio Leonardo e fazem parte dos estudos de detalhes do
quadro, preparatórios para o quadro do Louvre. Vinte e dois deles foram
emprestados pela coroa britânica pois pertencem à coleção da rainha Elizabeth
II. O mais importante
desenho de Leonardo tem o mesmo tamanho do quadro em torno do qual foi criada a
exposição. Ele representa Sant’Ana, a virgem, o menino e São João Batista, no
lugar do cordeiro, e pertence à National Gallery de Londres. Essa
obra é uma das inúmeras versões do artista em que ele « ensaiou » o
tema, finalmente pintado sobre madeira e que se tornou um de seus quadros mais
conhecidos e admirados, sua última obra-prima. Na exposição, podem-se admirar,
ainda, inúmeras cópias do quadro de Leonardo feitas por artistas anônimos do
próprio atelier do artista ou evidentes citações feitas por artistas mais ou
menos conhecidos. Particularmente belo é o desenho de Degas « Cabeças da
virgem e de Sant’Ana ». Exposto desde meados do século XIX no Salon Carré
do Louvre, a sala das obras-primas onde se encontrava também a Gioconda,
« Sant’Anna », como o quadro é chamado por museólogos, foi copiado por
artistas como Delacroix, Manet ou Carpeaux.
No prefácio do catálogo, o historiador de
arte Henri Loyrette ressalta que pela primeira vez depois da morte de Leonardo
da Vinci, « foram reunidos todos os os documentos espalhados por diversos
países que permitiram compreender e contar a fascinante gênese dessa obra-prima
agora restaurada ».
Para a exposição, o Louvre não poupou nenhum
esforço. Além dos outros quadros que ele possui de Leonardo, entre eles o São
João Batista e a Virgem dos Rochedos, o museu pediu emprestadas obras e a
colecionadores particulares e a diversos museus do mundo. Do Museu do Prado, o Louvre trouxe a irmã gêmea da
Gioconda. A tela, que até poucos anos era tida como uma cópia tardia do
famosíssimo quadro, é hoje considerada como um original feito simultaneamente
por um dos alunos de Leonardo, no atelier do mestre florentino, a partir do
mesmo modelo vivo.
A Gioconda do
Prado é bela, seu sorriso é enigmático, mas sua gêmea do Louvre ganha em
mistério e o “sfumato” revela a mão do mestre. A Gioconda do Louvre
não foi retirada da sala onde pode ser vista, fotografada e admirada
diariamente por milhares de visitantes vindos do mundo inteiro. Ao deixar a
exposição de Leonardo, vem uma súbita vontade de ir rever a Mona Lisa na outra
ala do gigantesco museu para compará-la a sua gêmea vinda da Espanha. Será que
ela é hoje inamovível e sua segurança é tão sofisticada que foi impossível
retirá-la por alguns meses ?
Leonardo da Vinci foi engenheiro, arquiteto, anatomista,
pintor, escultor, botânico, músico, poeta, filósofo e escritor. Ele inventou diversas
máquinas de guerra, um tipo de helicóptero e até mesmo a bicicleta. Trabalhando
sob o mecenato dos Médicis de Florença, dos Sforza de Milão e, finalmente, de
François 1er, rei da França, o artista é considerado um dos maiores
gênios da humanidade e um dos maiores pintores de todos os tempos.
No fim de sua vida, em conversa com François
1er que o nomeou « primeiro pintor, engenheiro e
arquiteto » de sua corte, o artista lamentou ter-se dedicado às ciências e
às pesquisas experimentais roubando, assim, tempo de sua atividade como pintor.
Por se dedicar a múltiplas atividades, Leonardo não deixou uma obra pictórica
numerosa : menos de vinte quadros são incontestavelmente obra das mãos do
mestre, um dos mais famosos canhotos da história da arte.