sábado, 5 de maio de 2012

Pesadelo : Sarkozy reeleito com 50,001% dos votos



Todas as pesquisas e projeções de transferência de votos do primeiro para o segundo turno são passíveis de erro. Enquanto o resultado oficial não for divulgado, às 20 horas deste domingo, dia 6, todos os fantasmas são possíveis. O ator e diretor de cinema belga Lucas Belvaux disse ao Libération que tem um pesadelo : “neste domingo o presidente atual é reeleito com 50,001% dos votos”. 
Os institutos de pesquisa erraram em 2002 e não previram o  segundo turno com Jacques Chirac e Jean-Marie Le Pen. Apontaram Chirac e Lionel Jospin no segundo turno. Num ímpeto de rejeição das ideias fascistas de Le Pen e apoio aos valores republicanos representados por Chirac, milhões de franceses de esquerda e de direita foram às ruas dia 1° de maio de 2002 dizer « Não » às ideias do Front National. Foi um dia histórico e emocionante.
O resultado todos conhecem : Jacques Chirac foi eleito no segundo turno com 82% dos votos de todo o espectro politico francês. Apesar de reeleito presidente com votos de comunistas e socialistas que marcaram a rejeição a Le Pen, Chirac não teve a grandeza de fazer um governo de união nacional. Em seu livro de memórias lançado há dois anos ele disse lamentar esse erro. Continuou a governar com seu clã, a direita republicana francesa, e preparou a eleição de 2007 de um de seus ministros, o (espera-se) futuro desempregado Nicolas Sarkozy. 
O 1° de Maio é de esquerda ou de direita ?
 
 
No dia 1° de maio em Paris o céu estava azul e o sol brilhou o dia inteiro, apesar da temperatura amena. Na capital e nas principais cidades da França, os franceses de esquerda festejaram, como de hábito, o dia do trabalhador. Ou dia do trabalho, que tem uma história remota de lutas e reivindicações dos trabalhadores. 





Em Paris, a passeata organizada pelos sindicatos e partidos de esquerda saiu de Denfert Rochereau e desceu os Boulevares Saint-Michel e Saint-Germain para se dirigir à Place de la Bastille. As passeatas ou manifs são meticulosamente organizadas com reivindicações de diferentes grupos da sociedade, e também de sindicalistas de outros países. A manif é um momento de reunião de gente de todas as origens e idades em torno da defesa dos oprimidos do mundo inteiro, como os palestinos, 

do ideal de justiça social e de reivindicações de liberté, égalité, fraternité. Na manif, o humor e a crítica espelham a criatividade dos franceses.  




Todos os partidos de esquerda desfilaram com suas bandeiras e seus slogans defendendo desde os sans-papiers até o povo sírio. As diferentes « alas » desfilam com as bandeiras dos partidos, algumas têm música, outras repetem slogans reivindicatórios. Este ano havia uma batucada brasileira. 

 
Como todos os anos, o Front National, o partido de extrema-direita fundado por Jean-Marie Le Pen, fez  uma grande festa-comício no dia 1° de maio, para homenagear Joana d’Arc, que simboliza para eles a pátria, a nação francesa.

Para não ficar ausente do primeiro de maio, Sarkozy resolveu lançar um desafio à esquerda e convocou seus militantes a festejar o dia do trabalho, mas do « verdadeiro trabalho » num comício na Place du Trocadéro. Era uma maneira de declarar a guerra contra os sindicatos que em sua maioria convocaram os eleitores a votar no PS no segundo turno « para virar a página do sarkozysmo ».

O sentido do « vrai travail » passou a ser comentado, analisado, dissecado por todos os jornalistas políticos e o presidente e seus ministros tiveram que explicar que a expressão não foi das « mais felizes ».

Ao me dedicar o jornal Siné mensuel, o cartunista Mric resolveu gozar Sarkozy : desenhou uma caricatura de Sarko dizendo que « Lula c’est pas du vrai ». O velho e combativo Siné, que estava na manif autografando seu jornal, e se locomove com um respirador ligado no aparelho de oxigênio, apenas assinou e desenhou um coração. 

Casse-toi, pov’ con

Logo no início de seu mandato, um dia o presidente Sarkozy estava no Salão da Agricultura, uma passage obrigatória para os presidentes franceses e tentou dar a mão a alguém que retirou a mão.  Sem se dar conta que estava acompanhado de jornalistas, câmeras e microfones, ele disse uma frase grosseira : « Casse-toi pauvre con » (Dá o fora, cretino).
Essa frase se voltou contra ele pois passou a ser usada em todas as manifestações com uma ortografia que reproduz a linguagem falada : « Casse-toi pov’ con »  

Companheira de e não mulher de
Caso se confirmem as pesquisas e François Hollande seja eleito, ele será o segundo socialista a ocupar o Palácio do Eliseu durante a Quinta República (que começou em 1958). François Mitterrand, que governou por dois mandatos de sete anos, é a grande referência do virtual presidente que, se eleito, governará por cinco anos, a atual duração do mandato presidencial.
Os tempos mudaram. Se eleito, Hollande será o primeiro presidente francês a tomar posse tendo ao lado uma mulher com quem não é casado oficialmente. Ciosos de precisão, os franceses, tanto na imprensa quanto em conversas privadas, somente chamam de femme de ou mari de uma pessoa que é casada oficialmente. A atual compagne de François Hollande é a jornalista Valérie Trierweiler. François Hollande também viveu maritalmente por mais de vinte anos com Ségolène Royal, com quem teve quatro filhos, sem ser casado. Ele deve ser alérgico a casamento.
Outro sinal dos tempos : Sarkozy foi o primeiro presidente francês a se divorciar e a se casar no exercício do mandato. E foi também o primeiro presidente eleito a ter pai e mãe vivos. Foi também o primeiro presidente a ser pai durante o mandato. Sua filha com Carla Bruni-Sarkozy nunca foi fotografada, o que não causa nenhuma surpresa num país em que a vida privada dos políticos não interessa a ninguém.  
Aliás, li ontem que Vladimir Putin tem duas filhas que nunca apareceram em público. Os anglo-saxãos estão no extremo oposto dos russos e dos franceses pois não somente exibem suas mulheres e filhos como os utilizam para construir uma imagem de proximidade e identificação com os eleitores.

Contre-verité : suave eufemismo para men-ti-ra
No debate entre François Hollande e Nicolas Sarkozy, na quarta-feira, dia 2 de maio, visto por mais de 17 milhões de franceses, o futuro homem de negócios (ele disse que se perdesse iria « faire de l’argent », com toda a vulgaridade que lhe é própria) distorceu a verdade e desmentiu Hollande quando este dizia a verdade. Enfim, desenrolou argumentos de um típico homem de direita, tentando assustar seus eleitores com o futuro negro que espera a França, caso os franceses elejam um socialista neste domingo. No debate, Sarkozy mentiu. Mentiu muito. Distorceu os fatos e tentou torpedear o programa de Hollande já que sua herança é indefensável. Tentou convencer os franceses que tudo o que fez foi magnífico e  o que não foi feito foi culpa da crise mundial.
No dia seguinte, os jornais mais sérios dedicaram grande espaço para colocar o pingo nos is. Rue89, um excelente site jornalístico fez uma matéria especial com as pequenas e as grandes mentiras do debate. Libération, Le Monde e L’Humanité fizeram o mesmo.
Detalhe : a maioria dos jornalistas, prefere eufemisticamente falar de « contre-vérité », em vez de « mensonge ». Não é o caso do presidente Sarkozy que, sem nuances, acusou mais de uma vez seu debatedor de mentir ou de ser mentiroso. Os jornais provaram que sua relação com a verdade é … problemática. Aliás, em seus discursos, uma das frases preferidas desse conhecido pinóquio é : « Je vais vous dire la vérité »
 
Sarkozy prefere « cães de guarda »
(texto publicado no Observatório da Imprensa dia 4-05-2012)

Uma coisa é certa : se François Hollande for eleito presidente dia 6 de maio, o audiovisual público francês voltará a ser independente e a funcionar sem o contrôle total do presidente da República. 
Apesar de a França não ser uma ditadura nem uma república de bananas, se o vencedor for Nicolas Sarkozy (contrariando as pesquisas de opinião que o apontam como vencido no segundo turno), tudo permanece como ele mesmo dediciu, isto é, o presidente da República continuará a indicar o presidente da holding France Télévision e das estações de TV, além do presidente de Radio France, que agrupa todas as rádios públicas.
Por que tanta certeza ? A revista Télérama redigiu um Apelo pour um audiovisual independente e o submeteu à assinatura dos dez candidatos ao primeiro turno da eleição presidencial. Nove assinaram o Apelo, menos um, Nicolas Sarkozy. Et pour cause, foi ele mesmo quem decidiu no seu primeiro mandato, em março de 2009, subordinar a indicação e nomeação dos dirigentes do audiovisual público ao presidente da República, fazendo dos jornalistas do audiovisual verdadeiros « chiens de garde » de seus interesses. Recentemente, um documentário extraordinariamente bem feito, « Les nouveaux chiens de garde », mostrou como funciona a conivência entre jornalistas e o poder no tratamento da informação, de forma a que esteja sempre em sintonia com os interesses dos donos do poder.
Télérama considera que ao se recusar a assinar o apelo, Sarkozy prova que continua a « defender uma concepção arcaica dos laços entre o executivo e as redes de TV e rádios que pertencem ao Estado ». A revista critica a reforma do poderoso audiovisual público francês feita por Sarkozy em 2009, por pensar que ela marcou « um recuo das liberdades públicas e fez pairar uma suspeita permanente  sobre todas as decisões » tomadas pelos diretores nomeados, seja da TV seja das rádios. O poderoso audiovisual público francês é composto por France Télévision (que compreende os canais Outre-Mer 1ere, France 2, France 3, France 4, France 5 e France Ô, que representam 40% da audiência dos franceses) e Radio France (cinco estações de rádio que estão entre as de maiores audiências do país), além das estações de rádio que fazem programas em língua estrangeira (Radio France Internationale) e o canal de TV all news intenacional (France 24).
A seguir, a íntegra do Apelo por um audiovisual público independente, redigido em abril pela revista Télérama:
“O presidente da República nomeia ele próprio o presidente de France Télévisions, de Radio France e do Audiovisual Internacional da França (RFI e France 24), conforme a lei votada em março de 2009. Télérama denuncia esta lei desde que foi adotada pois ela restabeleceu, pela primeira vez desde 1982, um laço de dependência direta entre o executivo e os dirigentes das redes de TV e das  estações de rádios públicas. Esse modo de nomeação constitui um recuo das liberdades públicas. Deve ser suprimido e substituído por um outro processo que garanta a independência dos presidentes do audiovisual público e das sociedades que eles dirigem. Tanto na televisão quando no rádio ».
A vitória de François Hollande terá como imediata consequência a total independência do audiovisual público francês. E os atuais « chiens de garde », os jornalistas escolhidos pelo próprio presidente para defenderem os interesses do hóspede do Palácio do Eliseu, poderão ser substituídos por jornalistas pagos pelo dinheiro do contribuinte para informar dentro da deontologia da profissão e para criticar, inclusive o presidente da República e seus atos, quando julgarem conveniente. E os que permanecerem em seus cargos não se sentirão mais, daqui para a frente, na obrigação de dizerem « amém » a todos os atos e decisões do poder.


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