Para mostrar seu interesse pelo meio ambiente, o novo presidente francês, que toma posse amanhã, 15 de maio,
confirmou sua participação na Rio + 20. Vai ser a oportunidade de conhecer o
país do presidente Lula, que tanto admira.
Logo depois
de sua indicação pelo Partido Socialista, em outubro do ano passado, Hollande
encontrou o ex-presidente brasileiro na Espanha e saudou o homem que “soube
combinar uma extrema fidelidade à esquerda com um sucesso excepcional, tendo
deixado o poder com 80% de aprovação popular”. Lula é para Hollande “a esquerda
eficaz, a única que interessa”.
Les Lumières sont de retour
Depois de um longo período de trevas,
as Luzes voltaram. Parte dos franceses tinha a impressão de viver um longo
pesadelo no país de Voltaire, Montesquieu, Rousseau e Diderot, filósofos do século
das Luzes, assim chamado graças a esses pensadores dos conceitos de igualdade,
liberdade e direitos humanos, que se impuseram à Revolução Francesa.
Nos últimos cinco anos, « o país
dos direitos humanos », epíteto do qual os franceses muito se orgulham,
estigmatizava os estrangeiros e os imigrantes, clandestinos ou não. Os
oprimidos não se sentiam mais na meca dos direitos humanos. Pior, franceses
nascidos e criados na França eram estigmatizados por sua origem, « suspeita »
por princípio, pois seus pais eram imigrantes de diversas partes do mundo.
Além de adotar uma política interna de
divisão, digna da extrema direita, o presidente Sarkozy ganhou a alcunha de « presidente
dos ricos » ou « presidente bling-bling », por seu amor ao luxo,
à exibição e por sua conivência, próxima da promiscuidade, com os industriais e
homens poderosos, « les patrons du CAC 40 », índice que mede na
bolsa de valores as 40 maiores empresas francesas.
Ao saber do resultado da eleição que
dava Hollande como o vencedor, um sarkozysta entrevistado, sem se identificar
disse irritado à repórter de TV : « Vou fazer as malas e me exilar na
Suiça ». E não estava brincando. Como ele, dezenas de franceses começaram
a atravessar a fronteira para proteger seus euros das novas leis fiscais que
Hollande vai implantar para fazer os ricos pagaram parte do déficit da França,
que os menos afortunados já pagam de diversas formas, inclusive com a pior
delas : o desemprego.
Supermenteur
Dizer que Sarkozy mente mais que Jacques Chirac, que
era chamado por humoristas « supermenteur », não é novidade. Quase
toda vez que fazia um discurso ou falava em público, os jornais do dia seguinte
alinhavam mentiras do presidente Sarkozy, mesmo antes de declarar sua
candidatura a um segundo mandato. Durante a campanha, a taxa de mentiras
aumentou exponencialmente. Percebo que em exponencialmente, há mente. Mas a mentira não veio como um recurso de campanha. Está no DNA dele.
Numa das inúmeras vezes em que contou lorotas, Sarkozy
disse que estava em Berlim no dia da queda do muro. Ora, há uma foto dele junto
ao muro mas foi fácil provar que ele viajou a Berlim dois ou três dias depois,
quando fizeram a foto do então prefeito de Neuilly-sur-Seine. Vários de seus
acompanhantes ou pessoas que com ele trabalhavam confirmaram que no dia da
visita, o muro já estava em pedaços …
Outra vez em que foi pegado em flagrante de agressão à
verdade, Sarkozy contou em comício em
Marselha que estivera em Fukushima. Depois, na televisão, um jornal mostrou sua
ministra do meio ambiente, que o acompanhara ao Japão, explicando porque não
puderam nem se aproximar da zona do terremoto. Foram a Tóquio e não saíram de
lá. Ele justificou-se : « Dizer que fomos a Fukushima faz mais efeito
para reforçar o que eu queria dizer ».
Ah, bom ! Mentira agora é figura de linguagem.
Posse sem filhos
Ségolène se perguntava outro dia numa
entrevista no rádio se haveria um lugar protocolar para ela estar presente à
posse de François Hollande com quem tem quatro filhos. O protocolo pode enquadrá-la, quem sabe, como
ex-ministra, como ex-candidata do PS à eleição presidencial ou mesmo como
presidente da região Poitou-Charentes.
Ela disse que quer ir
à posse de François Hollande de quem foi a « compagne » por mais de
vinte anos, mas obviamente não quer ir na condição de « ex-compagne ». Por outro lado, ela garantiu que os filhos
do presidente não estarão presentes « pois não é uma festa de família, mas
uma festa protocolar da República francesa ».
Uma
jornalista no Palácio do Eliseu
A atual « compagne » de
Hollande, a jornalista Valérie Trierweiler informou que seus filhos (de uma
primeira união) não irão à posse. Quanto
ao modelo de primeira dama que ela tem em mente, ele será mais próximo da
engajada e insubmissa Danielle Mitterrand que das outras primeiras-damas-objeto-de-decoração.
Valérie Trierweiler diz que quer continuar sua carreira de jornalista pois
sempre trabalhou e seu trabalho faz parte de sua personalidade. Além do mais,
não quer viver às custas do contribuinte. Mas ela vai ter que convir que vai ser
difícil sair todo dia para trabalhar na revista « Paris Match » ou na
« Direct 8 » com guarda-costas
que necessariamente vão protegê-la a partir de agora.
Pensando na difícil arte de conciliar
trabalho e função de companheira do presidente, ela confidenciou que uma saída
pode ser a observação privilegiada do poder e a escrita de um diário, como
Eleanor Roosevelt.
De qualquer forma, a nova primeira-dama
e seu compagnon-presidente, que vivem juntos desde 2006, não pretendem se casar
para resolver problemas de protocolo. Pela primeira vez na história da
République, o protocolo do Palácio vai ter que desenvolver todo o savoir-faire
diplomático quando o novo presidente tiver que ser recebido no Vaticano, na
Inglaterra ou na Índia, por exemplo, países onde uma concubina não pode compartilhar
o mesmo quarto de um homem, mesmo sendo ele o presidente da República francesa.
Casamento
Irreverente
como sempre, o jornal de esquerda, fundado por Jean-Paul Sartre, noticiou a
decisão de Obama favorável ao casamento gay com uma foto dele e de Hollande em
que os dois dizem "sim", como num casamento. Essa
posição, anunciada no programa de François Hollande, levou no domingo, 13
de maio, milhares de católicos integristas às ruas de Paris. Esse é apenas um
dos pontos do programa do novo presidente que desagrada aos integristas. O
outro é sua visão de um fim de vida com dignidade, favorável à morte assistida,
diferente contudo da eutanásia. E, last but least, seu apoio à
manutenção do aborto, legalizado desde 1974.
Homer ou Merkhollande ?
Essa
é a questão que se colocam os observadores políticos diante do novo par que
dirige as duas maiores economias da Europa. « Homer », segundo a
jornalista do Le Monde, Sylvie Kaufmann,
seria uma bela homenagem a Homero, o poeta grego, e ao mesmo tempo à Grécia, hoje
em maus lençóis, origem da democracia.
O genial Jean-Luc Godard, em entrevista no ano passado, defendia um imposto
mínimo a ser pago para ajudar a Grécia a pagar sua dívida e se reerguer
economicamente. Segundo ele, o conjunto da civilização ocidental tem uma imensa
dívida com a Grécia, considerando o imenso legado dos filósofos e dos
pensadores da antiguidade. « Se a cada vez que se utiliza a palavra « logo »,
se pagar 10 euros à Grécia, a crise termina em um dia e a Grécia não precisa
vender o Partenon aos alemães. Temos a tecnologia necessária para localizar todos os « logo »
através do Google. Pode-se
até mandar as cobranças por iPhone. Cada vez que Angela Merkel diz aos gregos « nós
emprestamos dinheiro, logo vocês
devem nos reembolsar com juros » ... logo
ela deve pagar direitos autorais ».
Saint-Tropez vota Sarkozy
Nunca os jornais venderam tanto quanto
na campanha presidencial. Nunca se leu tanto a imprensa escrita ou online quanto
nas recentes eleições francesas. Nenhum povo é mais fanático por política e por
debate político que os franceses.
A eleição de Hollande, contudo, não é
uma unanimidade, longe disso. O presidente socialista é visto como uma ameaça
pelos ricos. Em Saint-Tropez, onde todos querem que « os ricos continuem
ricos », Sarkozy teve 79,09% dos votos. Um percentual perto do que teve na
cidade de Neuilly-sur-Seine, o maior PIB da França, da qual ele foi prefeito
por muitos anos.
Mas, prova de que os tempos mudaram, o
índice CAC 40, da Bolsa de Paris não caiu no dia seguinte. Ao
contrário. Ele fechou em alta de 1,5%. Diferentemente da vitória de Mitterrand, quando a bolsa de Paris caiu
21% no dia seguinte. Durante a campanha contra Mitterrand, a direita histérica prenunciava a invasão de Paris pelos
tanques soviéticos em caso de vitória dos socialistas ! Os tanques soviéticos não desceram os Champs Elysées (como as tropas alemães) e o muro caiu apenas oito anos depois.
Detalhe : o slogan de campanha de
Sarkozy foi o mesmo de Valéry Giscard d’Estaing em 1981, quando ele perdeu para
Mitterrand : La France forte.
Salário do presidente
Uma das medidas imediatas tomadas pelo presidente
Hollande a partir do dia 15 de maio : o presidente vai reduzir de 30% seu
salário e de seus ministros. Ele vai receber 13000 euros e não mais 19000, o
quanto ganhava Sarkozy desde 2007. Logo que assumiu o cargo, Nicolas Sarkozy
tomou a providência de aumentar sua remuneração de 172%. A desculpa é que ele
estava alinhando o salário do presidente francês aos dos outros chefes de
estado Europeu. Ah, bon.
Quanto ao salário dos presidentes das grandes empresas
que têm a participação total ou majoritária do Estado, ele não pode ser maior
do que vinte (20) vezes o menor salário da empresa.
Anaphore
Não confudir com « amphore » (ânfora), como
uma ministra de Sarkozy ao ouvir alguém elogiar a bela resposta de Hollande,
durante o debate entre os dois turnos com Sarkozy, à pergunta da jornalista
Laurence Ferrari de como ele veria sua presidência. Em sua resposta, Hollande
fez o que se chama um « anaphore », figura de linguagem que consiste
em repetir no início de frase uma palavra ou expressão.
François Hollande emendou dezesseis
vezes a expressão : « Moi, président de la République… », para
dizer o que faria e o que não faria em seu mandato, caso eleito. Foi um dos momentos culminantes do debate, em que o
candidato mostrou o perfil de um verdadeiro estadista.
François
Hollande, a vitória de um homem “normal”
Por Leneide Duarte-Plon (publicado no Observatório da
Imprensa em 06/05/2012)
Depois de três derrotas consecutivas (1995-2002-2007), a esquerda francesa elegeu no domingo (6/5) um socialista para presidente. François Hollande, 57 anos, é herdeiro político de outro François, Mitterrand, que governou a França por dois mandatos de sete anos, de 1981 a 1995.
Depois de três derrotas consecutivas (1995-2002-2007), a esquerda francesa elegeu no domingo (6/5) um socialista para presidente. François Hollande, 57 anos, é herdeiro político de outro François, Mitterrand, que governou a França por dois mandatos de sete anos, de 1981 a 1995.
Ao vencer Nicolas Sarkozy na eleição presidencial,
François Hollande contabilizou a segunda vitória sobre o atual presidente. A
primeira foi em 1999, quando o socialista ganhou a eleição para o Parlamento
europeu, deixando seu concorrente Sarkozy a ver navios. Logo depois, o deputado
europeu renunciou a seu mandato para assumir a vice-presidência da
Internacional Socialista. Em seguida, Hollande se elegeu deputado pela Corrèze.
O novo presidente eleito para um mandato de cinco anos
(a duração do mandato foi diminuída durante a presidência de Jacques Chirac)
teve uma vitória mais apertada do que o previsto pelos institutos de pesquisas,
51,6% a 48,4% para Nicolas Sarkozy. Um pouco depois da proclamação do
resultado, Hollande dirigiu-se à praça da catedral de Tulle, cidade em que foi
prefeito e onde dirige o conselho regional da Corrèze, e ali fez seu primeiro
discurso como presidente eleito.
François Hollande prometeu que todos os franceses
serão tradados com igualdade e que “nenhuma criança da República será
discriminada”. Disse que o primeiro dever de um presidente da República é
“fazer tudo para manter o modelo social francês e que a prioridade do novo
governo é a reorientação da Europa para reabilitar o emprego e o crescimento”.
Em tom emocionado, o novo presidente prometeu que
antes de tomar qualquer decisão se perguntará se ela é justa. “E ao final do
meu mandato me perguntarei se fiz tudo para fazer progredir a justiça e a
igualdade”, disse. Ao final do discurso, Hollande convidou sua mulher, a
jornalista Valérie Trierweiler, a subir no palco de onde saudou a multidão.
“Talento político”
A vitória dos socialistas na eleição de setembro para
o Senado, que pela primeira vez na Quinta República (1958 até hoje) tem maioria
de esquerda, foi o primeiro passo da volta dos socialistas ao poder, depois de
uma longa ausência.
Logo depois de sua indicação pelo Partido Socialista,
em outubro do ano passado, Hollande encontrou o ex-presidente Lula na Espanha e
saudou o homem que “soube combinar uma extrema fidelidade à esquerda com um
sucesso excepcional, tendo deixado o poder com 80% de aprovação popular”. Lula
é para Hollande “a esquerda eficaz, a única que interessa”.
Hollande, deputado e presidente do conselho regional
da Corrèze, no centro da França, começou a se preparar para uma candidatura
presidencial desde que deixou a direção do partido em 2008 e foi substituído
por Martine Aubry. Considerado um bon vivant e conhecido por suas boutades
engraçadas e rápidas, François Hollande emagreceu 10 quilos, mudou o penteado e
assumiu uma seriedade de circunstância.
François Hollande se apresentou como um “candidato
normal” para marcar sua oposição ao atual presidente. Sarkozy sempre foi
criticado pela esquerda por sua vontade de controlar tudo, um hiperpresidente
que quer ocupar todos os espaços. Além do mais, no início do mandato não soube
separar sua vida privada da vida pública, o que é imperdoável na política
francesa.
Durante a campanha, Hollande, ex-professor de economia do Instituto de
Estudos Politicos de Paris (Sciences Po), defendeu a necessidade de proteger o
euro com a volta do crescimento econômico.
Entrevistado na televisão, o ex-candidato do Partido
Socialista, em 1995 e 2002, Lionel Jospin, que se manteve silencioso durante a
campanha, disse no domingo toda a admiração que tem por François Hollande: “Ele
é o que tem mais talento político no Partido Socialista”. Ao deixar a direção
do PS para se tornar primeiro-ministro, em 1997, depois da vitória socialista
nas eleições legislativas, Jospin apoiou a candidatura de Hollande, que dirigiu
o PS por onze anos (de 1997 a 2008).
Um modelo
Filho de um médico de direita e de uma assistente
social de esquerda, o simpático e conciliador François estudou na prestigiosa
Sciences Po, além de se formar posteriormente na École Nationale
d’Administration (ENA), uma das grandes écoles por onde passa a nata dos
políticos franceses. Na sua turma, além de Ségolène Royal, com quem teve quatro
filhos, ele teve como colega o ex-primeiro-ministro Dominique de Villepin.
O temperamento conciliador de Hollande foi muitas
vezes apresentado como fraqueza por seus adversários de direita, que louvavam a
firmeza e experiência de Nicolas Sarkozy. Jacques Chirac, ao contrário, sempre
manteve relações cordiais com seu adversário de esquerda. Há poucos meses, na
abertura de uma exposição na Corrèze, região onde ambos têm raízes eleitorais,
o velho presidente disse intempestivamente que ia votar em Hollande.
A mãe de François Hollande, falecida há dois anos,
contou numa entrevista mostrada na TV durante a campanha que desde pequeno seu
filho dizia que seria presidente da República. “Nós não acreditávamos. E continuamos sem acreditar”, disse sorrindo Madame
Hollande.
Poucos dias antes da vitória, François Hollande disse
em uma entrevista na TV que caso vencesse pensaria no presidente Mitterrand,
seu modelo na política, e em sua mãe.
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