Quase quatro meses depois da posse de François Hollande, os franceses já começam a se mostrar impacientes. Querem resultados. E rápidos. A crise está instalada na Europa, a França ultrapassou o número assustador de 3 milhões de desempregados e os franceses cobram solução para a crise. Tanto o presidente socialista quanto seu primeiro-ministro, Jean-Marc Ayrault, já perderam vários pontos nas pesquisas de opinião.
Nesse momento de primeira grande queda de popularidade
o presidente francês iria ser recebido na Embaixada do Brasil dia 7 de
setembro, no tradicional coquetel que comemora a data nacional. Depois de
confirmar a presença do presidente francês – a primeira vez que um presidente viria
a essa comemoração na embaixada do Brasil – nossa representação diplomática
avisou que o presidente Hollande não poderá comparecer por problemas de agenda.
A crise não deixa tempo para mais nada. Nem mesmo para
reforçar os louvados laços de amizade com o Brasil que podem levar a
proveitosas vendas do Rafale.
O fantasma
de Yasser Arafat
A viúva de Yasser Arafat, morto na França em 2004,
entrou na Jusiça francesa com uma ação para investigar as circunstâncias da
morte do líder palestino. A tese de um envenenamento foi levantada com a descoberta
de polonium, uma substância radioativa, nos objetos pessoais de Arafat.
Desde sua morte, os líderes palestinos sempre se disseram
convencidos de que Arafat fora assassinado pelos serviços secretos israelenses.
Uma das hipóteses é que tenha sido envenenado por seu dentista, que morreu
pouco tempo depois. Nesta quarta-feira, dia 5, as autoridades palestinas
autorizaram a ida de juízes franceses para continuar as investigações em
Ramallah, onde Arafat está enterrado.
O polonium foi a substância usada em 2006, em Londres,
para matar Alexandre Litvinenko, ex-espião russo que se tornara um opositor
incômodo para Vladimir Putin.
Madame e seu
mordomo, seu médico e o bobo da corte
Os ricos vivem uma vida tão distante da nossa
realidade de assalariados de classe média que fica difícil imaginar em que
gastam os milhões de euros que ganham por ano. A dona da L’Oréal, Liliane
Bettencourt, por exemplo, que há alguns anos tem sua vida privada exposta na
imprensa devido a processos na Justiça, viaja quase sempre acompanhada de seu
médico, assalariado por contrato de 40 mil euros por mês.
Madame Bettencourt, a mulher mais rica da França e
quarta fortuna do país, está com 90 anos e foi interditada judicialmente por
sua filha única. Antes de chegarem a um acordo, houve muito desentendimento e uma
batalha de advogados. Desde o ano passado, o neto mais velho é seu tutor e se
encarregou de substituir advogados
espertos e afastar pessoas de seu séquito – mordomo, enfermeiro, secretárias - ávidas
em tirar o máximo proveito da proximidade de Madame, aproveitando-se da
fragilidade causada pela doença de Alzheimer.
Liliane tinha até mesmo um « bobo » na sua
corte : o fotógrafo e romancista François-Marie Banier, que recebeu muitos
milhões de euros de presente de sua amiga, além de obras de arte e seguros de
vida. Banier, que divertia muito a amiga Liliane com sua verve e seu senso de
humor, viu-se privado de frequentar a casa da milionária e ainda responde a
processo na Justiça.
O affaire Liliane Bettencourt interessa enormemente à
imprensa porque tem todos os ingredientes das grandes sagas. Mas além do aspecto familiar, um outro affaire Bettencourt também envolveu a
milionária : ela teria participado do financiamento da campanha de Nicolas
Sarkozy com somas acima do limite legal. O ex-presidente e sua corte sempre
negaram. Mas a Justiça investiga.
A elegância e a discrição de Liliane e de seu marido,
Andé Bettencourt, já falecido - que além de industrial foi ministro de De
Gaulle e de Pompidou - não impediram que os franceses acompanhassem sua degradação
física e mental para constatar que mesmo se suas origens a distinguem da
maioria dos cidadãos, um destino comum iguala todos os seres humanos.
Sarkozy e o Fouquet's = Maria Antonieta e seu brioche
Ao aceitar o convite para um almoço de imprensa no
restaurante Le Diane, do Hôtel Le Fouquet’s Barrière, um cinco estrelas nos Champs
Elysées, sabia que faria parte de um grupo de jornalistas que não se
arrepender de dedicar algumas horas à cozinha estrelada do chef Jean-Yves Leurenguer.
En effet, como diriam os franceses. Fomos brindados por uma amostra do que a cozinha francesa tem de melhor, a
excelência famosa no mundo inteiro. E no fim do almoço, fizemos uma
visita guiada.
Foi no Fouquet’s que o então
vitorioso candidato Sarkozy foi comemorar com um grupo seleto de milionários
sua vitória em 2007. O Fouquet’s virou uma espécie de brioche de Maria
Antonieta na biografia de Sarkozy. Foi um erro que ele não cometeria novamente, dizem seus amigos.
A carga simbólica de uma comemoração com a nata da elite econômica francesa
ficou como marca de uma presidência voltada para proteger os ricos, sobretudo
do pagamento de impostos, com leis fiscais escancaradamente favoráveis às
grandes fortunas.
Mas, apesar de ter ficado indelevelmente associado à
monstruosa gaffe presidencial, o hotel e o restaurante merecem a visita de quem
estiver de passagem por Paris com uma consistente conta bancária. Pratos como a selle d'ageau au basilic, parfumée aux artichauts poêlés à cru et gnocchis valem a visita. A decoração é chic sem extravagâncias.
Bem situado, o hotel está perto de todas as butiques
de luxo do que os franceses chamam de « triangle d’or ». E tem um spa
e uma piscina com todos os serviços para quem quer praticar exercícios, além da
possibilidade da assistência de um coach.
Um luxo só.
A
dependência das novas tecnologias
O dramaturgo italiano Romeo Castellucci, que trouxe
este ano ao Festival de Teatro de Avignon « The Four Seasons
Restaurant » fez um sucesso extraordinário no ano passado, no mesmo
festival com “Sul concetto di volto nel figlio di Dio”, peça genial e polêmica,
sobre a qual fiz matéria para a « Carta Capital » e reproduzi aqui no
blog.
Em longa entrevista no « Libération »,
Castellucci diz que vivemos hoje a condição de espectadores permanentes.
« A imagem tornou-se um autêntico campo de batalha. Não acredito nem um
pouco na liberdade da Internet e das novas tecnologias. O efeito delas é antes
de tudo de controle social. A esfera privada não existe mais. Eles inventaram
uma necessidade. Exatamente como a publicidade faz : criar necessidades
que não existem. Agamben e outros já falaram de « bio política ». É
uma nova fronteira um tanto assustadora ».
Ascensão e
queda de Jean-Luc Delarue
O talentoso apresentador de TV francesa, Jean-Luc
Delarue, produtor de diversos programas de televisão de grande sucesso, num
formato criado por ele próprio, morreu há alguns dias de câncer, aos 48 anos. A descida aos
infernos de Delarue, que se tornou uma star da televisão nos últimos vinte
anos, começara um pouco antes, ao ser preso acusado de deter grande quantidade de
cocaína em sua casa. Delarue consumia vinte gramas de cocaína por semana, o que
o fazia gastar 8 mil euros por mês, segundo
declarou aos policiais.
Lutando contra o vício, um ano antes de ter seu câncer
diagnosticado, o apresentador, já afastado do canal público onde apresentava
seu programa, fez um « tour de France » num miniônibus para falar em
escolas de todo o país alertando os jovens e adolescentes para o perigo das
drogas. Não viveu muito tempo "limpo" para testemunhar.
CHARLES, PRÍNCIPE DE GALES
O príncipe mal-amado
Leneide
Duarte-Plon
*Publicado em 04/09/2012 na
edição 710 do Observatório da Imprensa
Charles, o destino de um príncipe, o
documentário inglês de Andrew Orr e Olivier Mille, que o canal France 3 exibiu
na semana passada, suscita a imediata interrogação: qual o interesse em contar
aos espectadores, durante duas horas, a vida do príncipe de Gales, filho de
Elizabeth II?
Ao final do programa, podemos constatar como a
engrenagem midiática pode ser seletiva e privilegiar os escândalos em
detrimento de interesses mais nobres. Charles é um homem inteligente e
sensível, formado em Cambridge, onde se especializou em arqueologia e
arquitetura, e preocupado com o destino que o homem reserva ao planeta. O
príncipe é um personagem muito mais complexo e interessante do que se pode
imaginar, a partir do tratamento que lhe dispensa a mídia em geral.
O herdeiro do trono da Inglaterra tem 64 anos e nunca
interessou muito os jornalistas, por não provocar grandes escândalos. Seu
casamento com a princesa Diana elevou-o à condição de alvo para os paparazzi,
muito mais pela beleza, carisma e fotogenia da mulher que tinha a seu lado do
que por um interesse nos atos e projetos do príncipe. Além disso, apenas a
relação paralela que Charles manteve com a amiga Camilla, com quem se casou
posteriormente, interessou durante certo tempo a uma certa imprensa, ávida por
escândalos.
Rainha longeva
Introvertido e alheio à vida mundana e superficial que
fizeram a glória de outros nobres desocupados mundo afora, Charles seguiu
construindo sua biografia de homem discreto e reservado. Extremamente crítico
da qualidade da arquitetura londrina do pós-guerra, um dos melhores momentos do
filme é quando ele percorre o Tâmisa de barco, apontando monstrengos pesados
construídos às margens do rio, explicando por que são inadequados na paisagem
urbana, e diz : “Os franceses não teriam permitido essa agressão a Paris”.
O documentário analisa a difícil relação de Charles
com seu pai, um homem duro e exigente, que nunca entendeu o temperamento
romântico do príncipe, que teve em seu padrinho, Lord Mountbatten, um
verdadeiro mentor. O assassinato de Mountbatten, primo da Rainha Elizabeth, por
uma bomba do IRA, em 1979, deixou em Charles um enorme vazio. Sua avó materna,
morta em 2002, aos 102 anos, foi a outra grande referência na vida do príncipe,
presença que compensava as longas ausências da mãe.
Educado para ocupar o trono da Inglaterra, o príncipe
Charles teve de construir seu próprio destino para, enquanto espera, não se
limitar a cumprir um protocolo exigente e devorador que muitos meses antes lhe
traça cada minuto de sua vida. Interessado na agricultura tradicional, na
humanização da vida nas cidades, Charles sempre se engajou em causas
ecológicas, sabedor que os países desenvolvidos precisam dar marcha a ré no
modelo poluidor e insustentável.
Durante o governo de Margaret Thatcher, chegou a
incomodar politicamente ministros da primeira-ministra conservadora. Um deles
aparece no documentário criticando a atuação política do príncipe, que ia de
encontro à política de Thatcher para os trabalhadores de um determinado setor
da economia.
Se Elizabeth for tão longeva quanto sua mãe, o
príncipe Charles corre o risco de desaparecer antes dela. Ficará a memória de
um humanista, um homem culto e profundamente consciente dos perigos que ameaçam
a Terra com a mudança climática, o aumento da demanda alimentar e o
desenvolvimento urbano.
***
[Leneide Duarte-Plon é jornalista, em Paris]
Nenhum comentário:
Postar um comentário