terça-feira, 16 de outubro de 2012

A la gauche du Christ




 Fotos Leneide Duarte-Plon: Convento Dominicano de La Tourette, França
Exatamente há 50 anos, dia 11 de outubro de 1962, era aberto o Concílio Vaticano II que « limpou a poeira do trono de São Pedro », segundo a expressão do papa João XXIII, que o convocou. O « aggiornamento » da Igreja mudou a face do cristianismo no século XX, promoveu o ecumenismo, reformou a liturgia, enfim, modernizou a instituição que se esclerosava.
Cinquenta anos depois, a igreja católica precisa de novo « aggiornamento » ? Segundo uma pesquisa para o jornal « La Croix » somente 6% dos franceses batizados vão à missa aos domingos. Mas entre a faixa etária de 25-34 anos, essa proporção cai para 1%. Antes de Vaticano II 35% das pessoas batizadas iam à missa aos domingos. Uma autoridade do Vaticano fala de « tsunami da secularização ». A moral pregada pela igreja é duramente questionada no mundo de hoje mas 25% dos franceses pensam ainda que a Igreja tem um papel importante « na luta contra a miséria e pela fraternidade ». Pas mal, um quarto dos interrogados ainda acredita na utilidade da instituição mesmo se 83% dos franceses rejeitam a ideia de qualquer intervenção política da Igreja, sobretudo num momento delicado de debate em torno do voto para aprovar o casamento homossexual no Parlamento francês, este mês.
Quando se comemora meio século do concílio histórico, acaba de ser lançado em Paris um livro deliciosamente intitulado A la gauche du Christ, les chrétiens de gauche en France de 1945 à nos jours, sob a direção de Denis Pelletier e Jean-Louis Schlegel. 
O livro revela que 22 de março de 1968 não foi apenas o dia em que os estudantes de Nanterre desencadearam a rebelião que ficou na história como  « Maio de 68 ». Esse também foi o dia em que o dominicano Jean Cardonnel, pregando a quaresma diante de uma multidão na Mutualité, em Paris, convocou um movimento coletivo para « paralisar, destruir os mecanismos de uma sociedade injusta, dominada pelo dinheiro e pelo poder ».  O percurso desse dominicano considerado um « padre vermelho », militante da teologia da libertação, é um dos momentos importantes para compreender o engajamento dos cristãos de esquerda, na França do século XX.

Ah, esses dominicanos rebeldes e engajados ! Na França de Paul Blanquart e Jean Cardonnel, como no Brasil de Frei Tito, Frei Betto, Frei Fernando e todos os outros que conheceram os porões da ditadura, a ordem teve um papel importante para mostrar que a Igreja não é feita apenas de colaboracionistas covardes como Dom Lucas Moreira Neves. Muitos dominicanos no Brasil estiveram e ainda estão « à la gauche du Christ ». Que paradoxalmente, no credo apostólico se encontra à direita de Deus Pai !




FlaXFlu – resposta a Cesar Benjamin

O editor Renato Guimarães, da Editora Revan e da revista Mirante (www.revistamirante.wordpress.com) me escreveu comentando o mail de Cesar Benjamin, publicado na última edição dos Bilhetes de Paris : 
« Li o comentário com o título acima, de Cesar Benjamin, que você divulga. Ele usa o velho recurso de desqualificar o adversário para aparentar que tem razão. Mas, desde logo, que cargo ou benesse oficial tem o próprio Leonardo Boff, que é o alvo direto do comentário? E em que se baseia CB para afirmar sem dúvida que “chegará a vez deles” – de FHC e outros políticos do PSDB ­– serem julgados pelo STF com igual rigor? Na verdade, ele ignora que esse processo dito do mensalão foi catapultado pela mídia mercantil e os partidos de direita que ela favorece numa tentativa de golpear contra Lula e o PT o processo político, em época de eleições. Talvez por ser simpático a essa campanha, CB ignora o fato. E quem está incensando o relator ministro Barbosa é essa mesma facção, com apoio na classe média conservadora, principalmente, em São Paulo. Mas,  se você ler a matéria que publiquei no Mirante com o título “Perto do abismo da jurisprudência”  (http://revistamirante.wordpress.com/2012/09/24/perto-do-abismo-na-jurisprudencia/) verá que está longe de mim qualquer intenção de acobertar corrupção de quem quer que seja. 


O que questiono, particularmente, é o momento agendado pelo Tribunal para levar os réus a julgamento – em época de eleições, com risco de favorecer um dos campos em disputa, num processo que já durava  sete anos e que sem prejuízo para a justiça poderia durar alguns meses mais – e a dispensa de prova para condenar, o que representa um tremendo retrocesso no Direito e põe em risco as instituições do país, inclusive do próprio STF. É problema do CB se ele repudia a esquerda, depois de iludir-se com o PT – do qual foi fundador entusiasta – e arrepender-se. Eu, que jamais tive essa ilusão, não tenho de que me arrepender. Mantenho minhas convicções de comunista e, coerente com elas, procuro participar da luta política em favor dos trabalhadores, do Brasil e da paz. Abraço, Renato

A arte de Maria Bonomi 



Encerrada dia 12 de outubro, a exposição de Maria Bonomi em Paris foi um enorme sucesso. Inaugurada em maio pelo embaixador José Mauricio Bustani, a mostra ocupou todo o espaço de exposição da bela Maison de L’Amérique Latine, no Boulevard Saint-Germain. A exposição revelou ao público francês uma artista consagrada no Brasil. Mas entre Maria e Paris já havia uma historia. Em 1967, ela foi premiada pela Bienal de Paris com a obra Muro de Berlim (foto).


Uma das mais belas obras da grandiosa exposição é a xilogravura « Balada do terror », feita para homenagear Dulce Maia, ex-militante da Vanguarda Popular Revolucionária (VPR). Outras obras feitas para falar dessa época de tortura e terrorismo de Estado foram batizadas pela artista de Calabouço e estavam numa sala pouco iluminada que recriava o clima dos porões da ditadura.
A mostra, que deveria terminar em setembro foi prolongada até 12 de outubro com a presença da artista em algumas visitas guiadas. Tive o prazer de fazer com ela duas visitas. A primeira, para escrever uma matéria sobre a abertura da exposição para a Folha de São Paulo. A segunda, pelo prazer de rever Maria e acompanhar meu marido que não poderia perder essa maravilhosa mostra.   


Marilyn-Joana em Versalhes

A ideia de Jean-Jacques Aillagon de trazer artistas contemporâneos para expor no Palácio de Versalhes, durante sua gestão (2007-2011) de presidente da instituição pública que dirige o Château e os jardins, teve continuação na sua sucessora, nomeada por Sarkozy. 

A exposição da artista portuguesa Joana Vasconcelos, de quem já conhecia obras expostas no Palazzo Grassi, em Veneza, foi um sucesso de público e crítica. Os escarpins de Marilyn, feitos de panelas e o helicóptero de Maria Antonieta (chamado Lilicoptère, foto) são algumas das mais incriveis obras de Joana. Segundo a artista, a rainha hoje se deslocaria em um helicóptero de plumas rosas, (um delírio genial) ou os objetos expostos no Jardim provaram a genialidade de Joana. 


As obras de Joana Vasconcelos fotografadas em Versailles estão no site http://www.vasconcelos-versailles.com/
Vale a pena a visita ao castelo com um toque contemporâneo.

Nobel europeu

O Prêmio Nobel da Paz dado à União Europeia pelo comitê Nobel foi muito elogiado na França. Depois das duas carnificinas do século XX os países europeus conseguiram construir a paz num espaço comum. Imperfeita ainda, a construção da Europa com diversos nacionalidades, línguas e culturas é um desafio que os europeus enfrentam há sessenta anos.
O Comitê Nobel justificou o Nobel da Paz 2012 à União Europeia « por  contribuir na sua atual forma, como nas que a precederam, há mais de seis décadas para a promoção da paz, da reconciliação, da democracia e dos direitos humanos no continente europeu ».
Não é pouca coisa quando se pensa nos ódios históricos que separaram e levaram a guerras terríveis países como a Alemanha e a França, para tomar apenas um exemplo.
A paz no planeta azul é um bem muito frágil. Basta lembrar que Rabin, Arafat e Shimon Peres receberam o Nobel da Paz de 1994 e a paz nunca veio. Israel continua avançando na colonização dos territórios do virtual Estado Palestino que hoje mais parece um queijo suíço.

A prostituição no masculino *Publicada na Carta Capital de 10-10-2012

Por Leneide Duarte-Plon, de Paris
A prostituição masculina na Paris do século XIX e dos primeiros anos do século XX era clandestina, mas abundante. Praticada intramuros, em hotéis especialmente previstos para encontros discretos de homens em busca dos chamados garçons de joie (rapazes alegres), a atividade era ilegal, ainda que mais ou menos tolerada. A pederastia, palavra empregada na época para designar o homossexualismo, embora bastante praticada, via-se hipocritamente reprimida. Esses lugares secretos funcionavam como as maisons closes da prostituição feminina.

No Hôtel Marigny, descrito em livro e exposição, o amigo Le Cuziat organizava sessões de Voyeurismo para Proust
O escritor francês Marcel Proust (1871-1922), um dos habitués dos garçons de joie, ia buscar nesses hotéis prazeres inconfessáveis na boa sociedade que ele  frequentava. Eventualmente, ele apenas praticava o voyeurismo de um ângulo privilegiado, como inspiração para as cenas de seus romances.
Uma exposição retrata em Paris os famosos hotéis de prazeres entre homens por meio de fotografias, objetos e um livro de arte organizado por Nicole Canet. Para escrever a obra, Nicole reuniu material iconográfico que abrange um século. E fez uma pesquisa detalhada nos arquivos da polícia de Paris com o objetivo de reconstituir a história da prostituição masculina na capital entre 1860 e 1960. O livro tem 376 páginas, 335 ilustrações e uma tiragem de 950 exemplares numerados, todos autografados pela autora. Pode ser adquirido na Amazon ou na própria galeria. O lugar da exposição, perto do Opéra de Paris, é uma galeria de arte erótica intitulada Au Bonheur du Jour. A exposição se chama Hôtels Garnis, Garçons de Joie, Prostitution Masculine: Lieux et Fantasmes à Paris de 1860 a 1960.
Foto: um dancing em Paris

Os famosos hotéis a que a exposição se refere são o Hôtel de Madrid, o Hôtel de l’Alma ou o Hôtel Marigny. Seria mera coincidência que tanto na língua de Shakespeare quanto na de Molière os rapazes dados a prazeres com o mesmo sexo sejam chamados de “garotos alegres” (gays, garçons de joie)?
Nicole Canet não esconde a felicidade em falar sobre seu livro, sua galeria e a exposição. “Os rapazes podiam estar apenas em hotéis para homens, mas havia também grupos de quatro ou cinco que faziam uma espécie de encenação, como se tratasse de pequenos sketches para os clientes masculinos dos bordéis de mulheres. E, em alguns casos, o cliente podia escolher entre um rapaz ou uma moça”, ela conta.
Os desenhos e as fotografias antigos da exposição, contudo, tratam apenas da prostituição masculina. Logo na entrada, o maior quadro é um retrato de Marcel Proust, o cliente mais célebre desses hotéis. Em Busca do Tempo Perdido relaciona fatos vividos, histórias ouvidas e cenas espionadas em momentos de voyeurismo no Hôtel Marigny. O que o escritor viveu nesses hotéis-bordéis, também chamados de hôtels de plaisir, possibilitou que estudasse as relações de classe e a vida noturna de Paris-Sodoma. O Hôtel Marigny era um de seus lugares favoritos.

Proust frequentava a fauna dos dancings, como na aquarela de Jean Auscher (1925), e se via às voltas com a figura do cafetão, à moda deste de 1900
O livro, lançado durante a abertura da exposição, em cartaz até 27 de outubro, conta que Marcel Proust foi muito próximo do dono do hotel, o belo Albert Le Cuziat. Em 1917, quando Le Cuziat resolveu abrir o Hôtel Marigny no número 11 da Rue de l’Arcade, decorou-o com muitos dos móveis que haviam pertencido ao escritor.
Em uma das salas secretas da exposição, ficam as fotos e os desenhos mais explícitos. Nelas, homens fantasiados de padre fazem sexo com jovens vestidos de colegiais. Noutras, dois jovens mancebos com corsetes e meias femininas se entregam a prazeres homossexuais. Dentro de uma cristaleira, alguns objetos eróticos são originários da coleção de Roger Peyrefitte, um conhecido escritor francês que assumia publicamente a homossexualidade.
Em 11 de janeiro de 1918, após receber uma denúncia anônima, a polícia francesa chegou de surpresa ao Marigny e encontrou Marcel Proust com três homens sentados à mesa, sobre a qual havia uma garrafa de champanhe. Os acompanhantes do escritor eram Léon Pernet, soldado de primeira classe do 140° Regimento de Infantaria, André Brouillet, cabo do 408° Regimento de Infantaria, e Albert Le Cuziat, gerente e dono do hotel. No documento da polícia que integra a exposição, Proust é descrito como “rentista”. O rico herdeiro vivia de renda e gostava de soldados.
O livro e a exposição dedicam um bom espaço aos prostitutos militares, que exerciam o métier em locais públicos ou nos hotéis. Havia em muitos homossexuais a fantasia de fazer sexo com homens fardados. Outros, militares homossexuais, ao retornar do front durante a Primeira Guerra Mundial, procuravam os garçons de joie. Alguns utilizavam seus dotes físicos para completar os soldos, quase sempre muito aquém de suas necessidades. “Os soldados podiam ganhar em uma hora o que o Estado lhes pagava em um mês”, conta Nicole Canet.
Segundo ela, os militares tinham boa cotação nos bordéis masculinos. O fato de terem acompanhamento médico permanente era uma garantia para os clientes. “O vigor deles era também muito apreciado. E os riscos sanitários, menores, pois passavam por controle médico bastante rígido. Cada regimento tinha sua enfermaria”, explica a autora.
O livro reproduz textos nos quais os vizinhos denunciam a existência desses lugares então considerados suspeitos. Um documento da polícia indica que adolescentes entre 12 e 14 anos exerciam a prostituição num desses hotéis. A denúncia recebida pela polícia dizia: “Vocês encontrarão um batalhão de menores usados para dar prazer a soldados, que poderiam estar servindo ao país de outra forma”.
O escritor homossexual Edward Prime-Stevenson escreveu, em 1909, no seu livro The Intersexes: “O trabalho do prostituto civil tem de rivalizar com a concorrência dos marinheiros e soldados em todas as cidades. De fato, a maior parte dos clientes prefere os prostitutos militares”. Jean Genet conta em seu Diário de um Ladrão como os prostitutos, exibicionistas e voyeurs usavam o espaço dos banheiros públicos das ruas de Paris para uma intensa atividade homossexual. A autora quis reconstituir com seu trabalho o ambiente que fascinou homens como Proust e Jean Genet, mas também o teórico Roland Barthes e o cineasta Pier Paolo Pasolini.



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