Quando a direita francesa laica
organizou mega-manifestações contra a
lei que daria direito ao casamento para pessoas do mesmo sexo (le mariage pour
tous), ela se uniu aos homofóbicos e fundamentalistas de todas as confissões :
católicos, judeus e muçulmanos. Mas combater o “mariage pour tous”, finalmente
aprovado pelo parlamento, era apenas um bom pretexto para a direita descer às
ruas e contestar o governo socialista.
Os políticos de direita pensam
que quando a esquerda está no poder ela não é legítima. Somente a direita tem
legitimidade para governar o país. O espírito de Pétain e Vichy estão presentes
numa direita rançosa e reacionária que mantém um ambíguo namoro com a
extrema-direita lepenista.
No Rio desde a semana passada,
vejo com apreensão as manifestações de rua. Não parecem muito claras as
reivindicações dos manifestantes. Que causa defendem? O que combatem? O que
reivindicam?
O “mariage pour tous” foi apenas
um pretexto para a direita e a extrema-direita agitarem a bandeira da homofobia
e mostrarem que não interiorizaram ainda a vitória dos socialistas. Falam de
Hollande como um “presidente ilegítimo”, um ditador que não ouve o povo nas
ruas (!).
No Brasil, onde os transportes
coletivos são chamados de públicos mas são 100% privados, o governo se retirou
totalmente de um serviço fundamental à população. É, pois, legítimo protestar
contra aumentos excessivos de transportes caros e desconfortáveis.
Na França, ao contrário, o metrô
e os ônibus de todas as cidades são um serviço público, organizado e eficaz,
com larga subvenção do governo. Ai do governo que pensar em privatizar a saúde,
educação ou os transportes. O dinheiro do contribuinte financia e garante a qualidade
e a universalidade desses serviços fundamentais.
Por que no Brasil não se propõe a
criação de empresas públicas de transportes, dirigidas pelo poder público? A
extinção do transporte privado (que chamamos de público quando na verdade são
apenas coletivos) seria um primeiro passo para se fazer o mesmo com a educação e
com a saúde.
Por que cidadãos brasileiros não
têm direito a educação e saúde gratuitos, universais e de qualidade?
On
vous parle du Brésil
Nas décadas de 60 e 70, Paris era
o epicentro das denúncias sobre torturas no Brasil. Miguel Arraes, Marcio
Moreira Alves e Violeta Arraes criaram o Front Brésilien d’Information- Frente
Brasileira de Informação (FBI) e um boletim informava a diáspora brasileira e os
franceses engajados na luta pelos direitos humanos. Tudo o que se passava no
Brasil, dirigido por generais que instauraram a tortura como arma de guerra,
saía do país de forma clandestina.
O cineasta Chris Marker, falecido no ano passado aos 91anos, fez em
1969 dois curta-metragens que comprei antes de embarcar para o Rio este mês: On vous parle du Brésil: tortures e On vous parle du Brésil: Carlos Marighela (sic).
Os documentários têm imagens que saíam com clandestinas do país. Um deles
mostra os presos políticos trocados pelo embaixador americano dando depoimentos
sobre torturas. Outro conta a prisão dos dominicanos e a execução de
Marighella.
Imaginei fazer uma sessão pública
e gratuita em uma sala de exibição, mesmo pequena, para os interessados. Um dos
filmes tem 17 minutos e o outro 20. Em tempo de comunicação expressa, onde os
meios se aceleram, um timing perfeito.
Em pouco mais de meia hora, a sessão está terminada.
Repare bem
Esse documentário de Maria de
Medeiros é uma pérola. Passou no Festival do Cinema Brasileiro de Paris este
ano com o título “Les yeux de Bacuri”. Fiz com ela uma entrevista para a Carta
Capital que segue abaixo:
Maria de Medeiros : « Dar
acesso à verdade é um ato democrático »
Leneide Duarte-Plon, de Paris
A atriz, cantora e cineasta
portuguesa Maria de Medeiros apresentou em Paris na segunda-feira, 22 de abril,
seu mais recente filme Repare bem (Les
yeux de Bacuri), no 15° Festival do Cinema Brasileiro de Paris. A atriz,
que já foi dirigida por Quentin Tarantino em Pulp Fiction e por Philip Kaufman em Henry and June, desta vez está por trás da câmera. Ela assina um
documentário inteligente, sutil, emocionante.
Seu documentário anterior, Capitães de abril, sobre a revolução dos
cravos, foi exibido na seleção oficial do Festival de Cannes de 2000 e recebeu
diversos prêmios, entre eles, o Grande Prêmio do Festival Internacional de São
Paulo, onde ela apresentou no ano passado seu novo filme, sem data para ser
lançado no Brasil.
Repare bem começa com cenas de Um dia inesquecível, de Ettore Scola. Desorientado, o espectador pode se perguntar se o projecionista não se enganou
de bobina. Depois de poucos minutos, corte para a Roma de hoje, o mesmo prédio
do filme de Scola, de arquitetura tipicamente fascista, com seus habitantes que
entram e saem. Num dos apartamentos, a ex-resistente e exilada Denise Crispim
conta a história de três mulheres, que tiveram suas vidas devastadas pela
ditadura brasileira : ela, sua filha Eduarda e sua mãe Encarnación.
A cineasta falou a Carta
Capital, num café parisiense, antes de embarcar para Barcelona :
“No documentário há a História
mas, por outro lado, é a história de uma família. É um filme que conta uma
história romanesca, digna de um livro, onde há uma grande generosidade humana,
a ideia de transmissão de valores », diz.
A avó, Encarnación, foi presa
pela ditadura, como Denise, que militava com seu companheiro Eduardo Collen
Leite, o Bacuri,. Logo depois, o guerrilheiro também cai nas garras do delegado
Sérgio Fleury. Encarnación foi trocada pelo embaixador suíço Giovanni Bücher e
embarcou para Santiago, onde Denise se juntou a ela com a filha Eduarda, que
não conheceu o pai. Eduardo foi trucidado por seus carrascos, depois de 109
dias de tortura.
Carta Capital : Por que você se interessa
pela história recente do Brasil ?
Maria de Medeiros : Sempre me interessei pelo
Brasil, pela cultura brasileira, a música, o cinema. Mas também a história. Nós
portugueses sempre tivemos muito contato com a história brasileira. Eu tinha
feito um filme sobre a revolução dos cravos, « Capitães de abril » e
essa foi a época em que meus pais voltaram da Áustria para Portugal e tive a
sorte de viver esse período revolucionário. Coincidiu com a minha descoberta da
música e da cultura brasileira. E coincidiu com o contacto com brasileiros no
exílio. Há tempo vinha pesquisando, com vontade de fazer alguma coisa no cinema
sobre esses resistentes que sempre me despertaram muita admiração.
CC : Como você conheceu a história do Bacuri, Eduardo Collen Leite ?
MM: Ana Petta uma amiga, atriz e
produtora de São Paulo, me colocou em contato com a Comissão de Anistia e
Reparação. A Comissão, que faz parte do Ministério da Justiça brasileiro, está
incentivando trabalhos em torno da questão da memória da ditadura, da reparação
e da reconstrução das pessoas que foram vítimas. Foi Ana que teve a ideia de me
propor essa história. Ela sabia que eu amo o Brasil me interesso muito pelo
país e, por outro lado, é uma história de exílio, de 40 anos de vida na Europa.
CC: Você já conhecia Denise Crispim?
MM: Foi o Paulo Abraão,
Secretário Nacional de Justiça, quem sugeriu a Denise Crispim. Eu já tinha
lido, sabe-se que foi de uma atrocidade que não se faz ideia. Nessa história
tem a linhagem de mulheres sobreviventes, a avó, mãe e a filha.
CC : Como você construiu o roteiro ? Havia um parti pris ?
MM : A construção do roteiro se
impôs a partir da coincidência incrível da Denise viver no edifício, em Roma,
onde o Ettore Scola filmou “Una giornata particolare” (Um dia inesquecível), um
filme eminentemente anti-fascista. O filme tem tudo a ver com a história que eu
ia contar. É uma coincidência espetacular. Para mim ficou muito claro que devia
começar por ali. E também estava reticente à ideia de usar imagens de arquivos
da ditadura no Brasil, sempre as mesmas,
os documentários mostram a polícia a cavalo, a repressão das manifestações. Achei divertido começar por alguma coisa que
desorientasse completamente o público.
CC : O parti pris de não usar voz
em off é muito inteligente…
MM : A televisão impõe certas
regras que quis evitar. Quis construir um objeto que tenha também uma
construção literária, como quando a gente lê um livro sem saber para onde se
vai. O livro vai nos guiando, no cinema de ficção também.
CC : Você teve um financiamento da Comissão de Anistia e Reparação. Não teme
que a direita acuse o filme de ser propaganda do governo e da luta armada?
MM : O financiamento foi mínimo
porque eles pensavam que fosse um curta-metragem e o filme tem uma hora e meia.
Então houve outros recursos que tive que completar. O filme não é propaganda da
luta armada, se trata de reparação à vítima da ditadura. É claro que há uma
vontade política neste momento que é exemplar para a Europa. Há muitos países
da Europa que não conseguem fazer esse trabalho de memória. A Espanha, por
exemplo, onde o juiz Garzón foi afastado por querer dar a palavra às vítimas da
Guerra da Espanha, muito mais antiga. Existe uma vontade política de permitir
aos brasileiros conhecer sua história e de o Estado brasileiro pedir desculpas
pela ferocidade com que as pessoas foram perseguidas e assassinadas.
CC : E já vem tarde…
MM : E já vem tarde. Na Argentina e
no Chile fizeram esse trabalho antes. É evidente que o passo seguinte seria
julgar as pessoas culpadas dessas atrocidades.
CC : O problema é que a lei de anistia brasileira anistiou os
torturadores também. Você acha que o Brasil pode chegar a mudar a lei e um dia
julgar os torturadores ?
MM : Eu espero. O Brasil está num
processo democrático estimulante para o mundo inteiro. O mundo tem os olhos
postos no Brasil não só, evidentemente, pela saúde econômica mas também pela
saúde democrática que exibe, no fundo. É
muito importante dar acesso à verdade, é um ato democrático muito importante.
CC : Como você avalia a luta da geração de Bacuri e de Denise Crispim
contra a ditadura, que gerou os órfãos, os torturados, os desaparecidos, os
assassinados sob tortura ou fuzilados como Marighella. Valeu a pena ?
MM : Ela valeu imenso a pena. A essa luta se devem justamente todas as
vitórias democráticas, toda a consciência democrática que existe hoje no Brasil
em todos os níveis. É natural que quando você vive num país seja crítico. Acho
saudável, melhor que o ultranacionalismo. Quando eu digo que o Brasil está
fantástico meus amigos brasileiros me dizem que falta muito, não é bem assim. É
normal ser crítico. Mas vendo de fora como eu, percebo uma consciência de uma
democracia da qual todo mundo está se beneficiando. Então acho que valeu a pena
a luta de todos os que fizeram a resistência. Havia maoístas, pessoas de
igreja, pessoas de tendências diversas lutando pela democracia.
CC : O que a Comissão da Verdade pode fazer pela recuperação da
memória ? Você acha que o trabalho dela vai ser realmente
importante ?
MM : Sem dúvida nenhuma. Creio que
todo esse trabalho é um despertar das consciências, manter as consciências
vivas. O perigo é deixar o povo adormecido, alienado. Um dos perigos que vejo
na Europa é a alienação. É muito fácil esquecer e acabar repetindo os mesmos
erros. Esse trabalho é para relembrar onde estão os perigos para que aquele
passado não se reproduza.
CC : Você acha que o filme vai encontrar um público amplo no Brasil ? Existe uma vontade de conhecer essa história
recente ?
MM : Enquanto realizadora, gostaria
de encontrar um público para o filme. Por um lado há a História no filme, mas
por outro lado é a história de uma família. O filme conta uma história
romanesca, digna de um livro, onde há uma generosidade humana, amor de pais
para filhos, a ideia de transmissão de valores. Da avó que defende as mesmas
ideias, são três gerações de mulheres. Há uma dimensão profundamente humana no
filme.
Dali
Na exposição de Salvador Dalí
no Beaubourg (Centre Georges Pompidou) descobri alguns quadros que não
conhecia.
Entre eles, um surpreendente.
Vemos uma silhueta de um homem, Jesus, e uma frase: “Parfois je crache par
plaisir sur le portrait de ma mère” (Às vezes, cuspo por prazer no retrato de
minha mãe).
A mãe de Jesus, um estorvo
para o filho?
Dalí, um iconoclasta de
carteirinha, estaria falando de sua própria mãe?
Estilista brasileira em Milão
O Brasil tem talentos que brilham
no exterior e que muitas vezes desconhecemos. Andreia Chaves é uma designer
brasileira que faz sucesso em Milão, capital italiana da moda. O site dela tem
sapatos geniais, verdadeiras esculturas.
Encontrei-a
em Paraty, no réveillon passado e conhecemos o namorado dela, um artista
irlandês, que faz magníficos móveis-esculturas, de formas puras e expõe em toda
a Europa. Verdadeiras obras de arte. Nos sites deles pode-se ter uma ideia do genial
trabalho de criação desses dois artistas:
www.josephwalshstudio.com e www.andreiachaves.com
Pinochetismo
Vi num documentário na televisão
francesa, em que o tema era a política e o futebol. Um dos personagens era o
nosso doutor Sócrates. Outro era o
chileno Carlos Caszely.
Pouco tempo antes da copa do
mundo na Alemanha Ocidental, em 1974, o time chileno foi levado ao Palácio do
Governo em Santiado para ser apresentado ao general Pinochet, chefe do golpe
que derrubara o president Allende, em setembro de 1973. O jogador Carlos
Caszely não somente não deu a mão ao ditador quando este se aproximou com a mão
estendida como interpelou-o. Disse-lhe que o país estava sofrendo, que havia
pessoas presas e perseguidas. Enquanto o jogador falava, Pinochet colocou os
dois dedos no ouvido e disse que não queria ouvir aquilo.
Algumas semanas depois, ao voltar
ao Chile, Caszely encontrou no aeroporto seu pai, sua mãe e sua irmã com os
rostos amargurados. Silenciosos, pareciam que tinham vivido uma tragédia e não
podiam comunicar o que viveram. Demoraram a poder contar ao filho o que se
passou depois de seu encontro com Pinochet : sua mãe fora barbaramente
torturada.
O santo rebelde
Enviado por um amigo,
ex-dominicano, João Caldas Valençça, o texto abaixo foi extraído do
documentário “Dom Helder Camara – O santo rebelde.”
"Sonhei
que o Papa enlouquecia
E ele mesmo ateava fogo ao Vaticano
E à Basílica de São Pedro
Loucura Sagrada!
Porque Deus atiçava o fogo que os
Bombeiros, em vão, tentavam extinguir
O Papa, louco, saía pelas ruas de Roma
Dizendo adeus aos embaixadores
Credenciados junto a ele
Jogando a Tiara ao Tibre
Espalhando pelos pobres, todos,
O dinheiro do Banco do Vaticano
Que vergonha para os cristãos!
Para que um Papa viva o evangelho
Temos que imaginá-lo em plena loucura."
E ele mesmo ateava fogo ao Vaticano
E à Basílica de São Pedro
Loucura Sagrada!
Porque Deus atiçava o fogo que os
Bombeiros, em vão, tentavam extinguir
O Papa, louco, saía pelas ruas de Roma
Dizendo adeus aos embaixadores
Credenciados junto a ele
Jogando a Tiara ao Tibre
Espalhando pelos pobres, todos,
O dinheiro do Banco do Vaticano
Que vergonha para os cristãos!
Para que um Papa viva o evangelho
Temos que imaginá-lo em plena loucura."
Jesuítas, dominicanos, beneditinos
Continuando no ambiente
eclesiástico, reproduzo uma piada contada por Eugênia Zerbini, filha do general
Euryale Zerbini e de Therezinha Zerbini:
Num grande concílio no Vaticano, queima a luz. Os jesuítas querem saber
de quem é a culpa. Os dominicanos começam a fazer um tratado sobre a luz e sua
expansão. Vem um beneditino, pega uma cadeira e troca a lâmpada.
Casanova, libertino individualista
A antítese do homem engajado,
Casanova entrou na prestigiosa coleção Pléiade. Como se sabe, o veneziano
escreveu num francês irretocável sua biografia Histoire de ma vie, obra de memorialista e ao mesmo tempo de
historiador do século XVIII. Individualista e um grande hedonista, Casanova
escreveu: “ Cultivar os prazeres dos sentidos foi, durante toda minha vida, meu
principal objetivo; nunca tive nenhum mais importante. Sentindo-me nascido para
o sexo diferente do meu, sempre o amei, e me dediquei a ser amado por ele da
forma mais intensa. Também amei a boa mesa com paixão, da mesma forma todos os
objetos feitos para excitar a curiosidade.
Correção :
Numa nota de meu último post
havia uma frase que saiu com um erro :
Um comentário:
As demandas das manifestações estão pulverizadas e o aumento das passagens dos transportes é uma delas, a que reconhece que o Poder não tem lateralidade qdo. se trata das demandas sociais. O estopim para eclosão nacional foi a postura arrogante dos governantes e políticos de todas as latitudes. A síntese do movimento exibida em faixas é "o povo unido não precisa de partido! Cantada aos berros na música do RAPPA : "Vem pra rua/que a rua/é a maior arquibancada do Brasil" E exibida no jogo do Brasil da Copa das Confederações ontem: "A manifestação não é contra a Seleção: é contra a Corrupção"
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