Li na imprensa brasileira e na
francesa dados sobre desaparecimentos no Estado do Rio de Janeiro. Os números revelam
a violência de que muito se fala. Mas será que se faz o bastante para
combatê-la?
Deu na Carta Capital online: “O caso de Amarildo foi o único a ganhar
visibilidade entre os 6.034 desaparecimentos contabilizados entre novembro de 2012 e outubro de 2013,
pelo Instituto de Segurança Pública (ISP) – não há dados mais recentes disponíveis.
Desde o primeiro ano do governo Sérgio Cabral, as estatísticas do ISP
(vinculado à SSP-RJ) apontam quase 40 mil desaparecidos”.
Esses números são tão escandalosos
que esperamos que estejam errados. Quarenta mil desaparecidos
em dois mandatos de Cabral?
No Le Monde, o correspondente no Brasil, Nicolas Bourcier, fez em janeiro um belo perfil de Elizabete de
Souza Gomes da Silva. O título era “Veuve courage”. Ela contava a saga da busca
do corpo de Amarildo, seu marido desaparecido nas mãos da polícia. Apesar de o
Brasil ser uma democracia, a polícia, que torturava na ditadura, nunca deixou
de torturar. Até porque sempre torturou pessoas socialmente desfavorecidas. Bete
disse ao jornalista: “Eu não paro de pedir o corpo de meu marido. Não pararei
enquanto eles não me disserem o que fizeram dele”.
Lembrou-me as mulheres dos
desaparecidos da ditadura, Eunice Paiva procurando por Rubens Paiva, e a viúva
de Virgílio Gomes da Silva, o Jonas da
ALN, procurando o corpo do marido. Eles só estavam desaparecidos para a
família. Os militares sabiam onde os haviam enterrado.
Bourcier fala de 25 mil
desaparecidos desde o início do ano 2000, no Rio de Janeiro, um estado que ele
qualifica de “blasé en matière de violence”.
O perigo é quando ficamos blasés em matéria de violência.
Aimer, boire et chanter
A morte do genial cineasta Alain
Resnais aos 91 anos, em Paris _ em plena atividade e já preparando um novo
filme depois de premiado em fevereiro no Festival de Berlim por Aimer, boire et chanter _ nos faz pensar
em Manoel de Oliveira, de 105 anos, o primeiro cineasta centenário em atividade
na história do cinema. Quando Oliveira começou a fazer cinema os filmes ainda
eram mudos.
A longevidade é um mistério e
uma dádiva dos deuses quando se pode manter a atividade de toda a vida, como
Resnais e Oliveira. O segredo de Resnais foi resumido, quem sabe, no título de
seu último fime. Amar, beber e cantar pode ser “a” receita da longevidade.
Certamente, a Cinemateca
Francesa promoverá em breve um ciclo Resnais. Será imperdível. O ciclo Oliveira,
em 2008, comemorava os 100 anos do cineasta. Na ocasião, o jovem centenário foi
apresentado pelo escritor, italiano com o coração português, Antonio Tabucchi, que
faleceu pouco tempo depois. No mesmo ano, Oliveira recebeu uma Palma de Ouro em
Cannes, das mãos de Michel Piccoli, pelo conjunto de sua obra.
Encontro nos meus papéis a
lista dos seis filmes que Serge Tubiana, diretor da Cinémathèque Française,
levaria para uma ilha deserta. Fiz a pergunta a ele quando o entrevistei para
uma revista brasileira. Tubiana escreveu: Mizoguchi (Rue de la
honte); Eastwood (Million dollar baby); Godard (Pierrot le fou); Bergman (Fanny
et Alexandre); Rossellini (Voyage en Italie) e John Ford (La prisonnière du
désert).
Na lista, um único francês,
Godard, jovem octogenário que vive isolado na Suiça, às margens do Lago
Léman. Como Tubiana, Godard foi crítico de cinema, antes de se tornar cineasta,
um dos mais admirados por seus colegas de diversas gerações.
Godard é um gênio que, como
Resnais, nunca levou multidões ao cinema, mas sempre despertou verdadeiro culto
em cinéfilos e cineastas do mundo todo.
Dia 10 de março vou levar uma
flor a Resnais, quando ele chegar ao cemitério de Montparnasse, depois da missa
de corpo presente.
Dia Internacional da mulher em Gaza
Uma delegação de 100 europeias
vai celebrar o Dia Internacional da mulher em Gaza, para demonstrar
solidariedade aos 1,8 milhão de palestinos, homens, mulheres e crianças que
vivem na maior prisão a ceu aberto do mundo. A Coalizão Internacional das Mulheres tem encontro marcado dia 6 de
março no Cairo e em Rafah. De lá, as militantes seguem para Gaza.
Manifestação pela Palestina, Paris, janeiro de 2009. Foto Leneide Duarte-Plon
A delegação de mulheres, que
programou a viagem para denunciar o bloqueio a Gaza, tem representantes da
França, dos Estados Unidos, Bélgica, Argélia, Irlanda, Inglaterra, Suiça e
Luxemburgo. A delegação argelina, que tem à frente a heroína da luta pela
independência Djamila Bouhired, passará primeiro por Paris, onde é admirada por todos os que lutaram contra a colonização. Mais informações :
Um palazzo em Fiano Romano
Antes de se casar com o
cineasta italiano Giuseppe De Santis, a atriz Gordana De Santis usava seu nome
iugoslavo, Miletic. Passou a usar o nome do marido e hoje, além de continuar a
trabalhar no cinema italiano, é reverenciada por todos como a viúva do grande
diretor do neo-realismo, morto em 1997.
Gordana vive em Fiano Romano, a
uns 30 quilômetros de Roma, uma pequena cidade suficientemente perto da capital
para quem precisa da vida cultural, mas suficientemente afastada para quem quer
curtir a paz longe do insensato mundo. O escritório do palazzo em que Gordana vive é
decorado com fotos e prêmios que De Santis recebeu na Itália e no mundo.
O
terceiro filme do cineasta, Riso amaro
(Arroz amargo), de 1949, revelou o talento da atriz Silvana Mangano e foi
indicado ao Oscar de melhor roteiro. Anos depois, no festival de Veneza, ele recebeu
um leão de ouro por sua obra.
Situado no número 1 da Piazza
Giuseppe De Santis, o palazzo tem 450 metros quadrados de área habitável, além
de 150 metros quadrados de varanda na cobertura, da qual se descortina toda a
beleza da região de Fiano Romano.
Decorado com bom gosto e requinte pela atriz,
ela pensa que não tem mais necessidade de tanto espaço e resolveu colocá-lo à
venda. O preço parece uma piada quando se pensa nos apartamentos da Zona Sul do
Rio vendidos por quantias surrealistas.
O palazzo foi construído no século
XVI por um aluno de um dos arquitetos que sucederam a
Michelangelo na construção do Palazzo Farnèse, em Roma. Pois bem, esse palazzo que
pertenceu a Giuseppe De Santis pode ser comprado por 1.200.000 euros, o preço
de um apartamento de três quartos no Leblon.
Dos mais simples.
Pulseira preventiva
A França vai eleger no fim do mês, em dois turnos, prefeitos de
todas as cidades. Prefeito francês pode ser vitalício pois não há limite de
mandatos. Esse é um dos entraves para a
renovação dos políticos e uma das falhas da democracia francesa, além do
acúmulo de mandatos. Prefeito-deputado e prefeito-senador, exercendo os dois
cargos, é uma tradição que vai acabar com uma lei votada pelos socialistas.
Em Paris, os moradores votam
para eleger o prefeito (maire) de seu arrondissement (são vinte na cidade) e o
partido majoritário em toda a cidade determina o prefeito da capital. Duas
mulheres são as mais fortes candidatas a prefeito de Paris: Nathalie
Kociusko-Moriset (UMP, direita) e Anne Hidalgo (PS, esquerda). Segundo as
sondagens, esta deve suceder a Bertrand Delanoë, o atual prefeito, também do
Partido Socialista.
O atual prefeito do 14e
arrondissement, onde mora uma amiga nossa, resolveu conquistar os moradores de
mais de 65 anos. Régine R. recebeu um telefonema oferecendo um bracelete para a
eventualidade de esquecer onde está ou até mesmo quem é. “Seria desagradável
estar fazendo compras e ser surpreendido por uma amnésia”, observou a moça da
mairie do 14e arrondissement que lhe telefonou para oferecer o bracelete. Uma
oferta aos idosos, claro. Em caso de emergência, basta apertar um botão e uma
pessoa da prefeitura do arrondissement virá ajudar o idoso a reencontrar sua
casa e seus familiares.
Régine R. agradeceu, disse que
não precisaria do bracelete tão cedo. No entanto, seria muito bem-vindo um
rapaz para ajudá-la a carregar suas garrafas de água mineral Badoit, pesadas
demais. No dia seguinte, apareceu um rapaz mandado pela prefeitura com suas
garrafas de Badoit.
O que não fazem os prefeitos
para agradar ao eleitorado?
Um comentário:
Oi, Leneide, como vai? Aqui é Carlos Tautz, do Instituto Democracia e da Comissão da verdade do Sindicato dos Jornalistas do Município do Rio. Nós conversamos por email há uns meses, quando da tua intervenção na Com da Verdade de SP. Na época, vc falou do lançamento do teu livro em abril, s/ o gal. Paul Aussaresses. Bom, além da Comissão do Sindicato e do Mais Democracia, também integro um coletivo de pesquisa - com acadêmicos brasileiros de várias áreas - que se chama Mais Verdade e, nestas condições, eu gostaria de te convidar a lançar teu no auditório do Sindicato, na mesma data em que poderíamos fazer um debate com um dos professores que integram o Coletivo, o Renato Lemos/UFRJ. Ele pesquisa o complexo industrial-militar no Brasil e Paul Aussaresses se encaixa como uma luva nessa investigação. Podemos conversar por email (o meu é carlostautz01@gmail.com) ou Skype (carlos.tautz1)? Abraço, Tautz
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