segunda-feira, 25 de fevereiro de 2008

Bilhetes de Paris

Berlusconi e Sarkozy

O jornalista Robert Maggiori, professor de filosofia e intelectual respeitado, escreveu esta semana no jornal Libération um artigo para criticar o presidente francês, tendo como pretexto a reação de estudantes e professores, em janeiro deste ano, à ida do papa Bento XVI à Universidade La Sapienza de Roma.
A separação da igreja e do Estado, prevista pela lei de 1905, voltou a ocupar um grande espaço no debate político depois que Sarkozy, que se diz católico, fez diversas referências ao papel civilizatório da religião e falou explicitamente de Deus. Seus discursos, feitos em Roma e em Riad, indignaram os defensores da laicidade “à la française”.
Em Roma, estudantes e professores escreveram nos muros da universidade La Sapienza: “A ciência é leiga”. Formou-se um verdadeiro movimento anti-papa e o Vaticano anulou a visita de Bento XVI, que tem-se revelado um grande reacionário sobre todos os temas ligados a família, aborto, homossexualismo, procriação assistida e eutanásia.
Esse papa não escreveu recentemente que a única igreja de Cristo na terra é a Igreja Católica? Os protestantes da Europa protestaram, absolutamente chocados com esse retrocesso no ecumenismo iniciado por João XXIII.
Antes de comentar o incidente entre os defensores da laicidade e o Vaticano, Maggiori desenha um retrato do presidente francês Nicolas Sarkozy, aproximando-o do italiano Silvio Berlusconi.
Reproduzo a comparação entre Berlusconi e Sarkozy no texto de Maggiori: “O mesmo populismo, o mesmo autocratismo, o mesmo histrionismo, o mesmo gosto imoderado pelos holofotes, a mesma maneira de tratar os colaboradores e aliados como vassalos, a mesma vontade de controlar a informação (controle efetivo para um, mas em latência para outro) a mesma incultura literária e filosófica – dá para imaginar um deles com um livro na mão? – a mesma habilidade retórica, a mesma maneira de exibir a riqueza. Mas um ponto comum merece ser destacado: divorciados e pais de filhos de mulheres diferentes – situação que a Santa Igreja romana não aprecia muito – eles afirmam as virtudes da religião e tentam desqualificar a laicidade”.
Nós que conhecemos outro populista com um gosto imoderado pelos holofotes, temos outro modelo para aproximar de Nicolas Sarkozy. Fernando Collor de Mello e Nicolas Sarkozy se assemelham em muitos aspectos (exibicionismo às câmeras na prática do cooper é apenas um detalhe em comum), entre eles a incultura e a demagogia. Fora outras semelhanças que os jornais não ousam publicar, mas que se comenta nos salões de Paris.
A nossa sorte é que Collor não terminou o mandato, expulso do palácio por um impeachment, inexistente no direito francês.

Nicolas Premier

Saiu este mês um livro chamado "Chroniques du règne de Nicolas Ier", de Patrick Rambaud (que foi Prix Goncourt em 1997 pelo livro “La Bataille”).
O livro é uma paródia dos textos de Saint-Simon e descreve Nicolas Ier e sua corte com um texto absolutamente delicioso. Jamais o sobrenome Sarkozy é mencionado (como Bonaparte se tornou Napoleão Ier, esse suspeito de querer inaugurar uma dinastia, pode vier a ser Nicolas Ier). Ele é tratado no livro como Notre Maître Absolu, Son Ombrageuse Majesté, Notre Fortifiant Leader, Notre Rusé Souverain, Notre Leader Maximum etc.
O memorialista faz dele um personagem embriagado de si mesmo, atraído por tudo o que brilha e, além do mais, inculto. Os personagens do governo são descritos como uma caricatura dos nobres das antigas cortes francesas. Tudo com um tom satírico.
O Nicolas real e de carne e osso vai inspirar muitos outros livros.
Ele não foi capaz de ficar consultando os SMS do celular enquanto esperava no Vaticano a entrada de Bento XVI?

“Président bling bling”

Você sabe quem é bling bling?
Adivinhou. Bling bling é o novo apelido que a imprensa francesa deu a Sarkozy pelo seu “gosto pelo luxo”. A onomatopéia não é nova, como explica o jornal Le Monde. Ela vem do mundo dos rappers e designa o barulho das pulseiras de ouro (ou colares) que chacoalham nos braços e nos pescoços dos que os usam.
Mas foi Libération quem chamou pela primeira vez o hóspede do Eliseu de “président bling bling”. A Time explicou que o termo é usado em francês para “descrever atitudes de nouveau riche como as do presidente Sarkozy que usa roupas caras, óculos de marca conhecida e relógios caros e extravagantes”.
O que tornou Sarkozy um presidente bling bling? Os relógios de luxo (Rolex), óculos Ray-Ban e o fim de semana, logo depois de eleito, no iate de um milionário, depois de festejar a vitória no Fouquet’s (um restaurante de altíssimo luxo) ao lado de um pequeno grupo de rich and famous.
Agora, o presidente se casou com uma top model que ele tem que esconder para não chocar mais ainda a opinião pública francesa, que não lhe perdoa o exibicionismo de sua vida privada. O casamento foi feito na mais discreta intimidade, sem nenhuma foto em nenhum jornal e a primeira dama literalmente se esconde para não aumentar a queda vertiginosa do marido nas pesquisas de opinião. O nível de aprovação do presidente não pára de cair.
O brilho e o luxo do “presidente bling bling” contrasta com a perda de poder aquisitivo da maioria dos franceses, que esperam ainda as promessas do candidato de que seria o “presidente do poder aquisitivo”.

Lula na Guiana

Os telejornais franceses mostraram o presidente Lula em camisa, ao lado do presidente francês Sarkozy, de terno e gravata. O encontro era em território francês, na fronteira com o Brasil.
Mas foi o enviado especial do jornal Libération, Antoine Guiral, quem relatou o detalhe. Vale a pena reproduzir o que diz o jornal na matéria: En Guyane, Lula traverse le fleuve et Sarkozy, des “difficultés”.
“Logo que desembarcou no território francês, Lula roubou a cena a seu anfitrião. Foi aclamado por uma multidão que dizia seu nome, mas não dizia o de Sarkozy. Em sua fala, Lula zombou das promessas dos presidentes franceses lembrando que, há dez anos, “outras fotos e outros discursos foram feitos aqui” sem que a ponte sobre o Rio Oiapoque fosse construída (segundo Sarkozy será em 2010)”.
Decididamente, Sarkozy está passando por momentos difíceis. Nesse caso, seria melhor não aparecer ao lado de um presidente popular como Lula.

Robbe-Grillet: imortal malgré lui

Eleito imortal no dia 25 de março de 2004, Alain Robbe-Grillet morreu esta semana sem ter degustado a “imortalidade” da Academia Francesa, o templo das letras francesas.
Ele não queria vestir o fardão, não queria portar a espada, nem submeter-se à cerimônia formal e totalmente anacrônica para seu espírito iconoclasta. E também não queria fazer um discurso com o elogio de Maurice Rheims (que o precedeu na cadeira que ocuparia) e muito menos ter que submeter seu discurso à academia antes de lê-lo. Resultado: nunca assumiu a cadeira.
O inventor do Nouveau Roman chegou a ser convidado a assumir em traje civil pela secretária perpétua da Academia, Hélène Carrère d’Encausse. Mas como ele queria que um canal de televisão filmasse e ela não o permitiu, fez-se um impasse.

terça-feira, 19 de fevereiro de 2008

NICOLAS SARKOZY E A IMPRENSA

Questões éticas sobre assuntos privados
Observatório da Imprensa
Por Leneide Duarte-Plon, de Paris em 19/2/2008

O código de ética que rege o funcionamento de uma mídia na internet deve ser diferente da ética de um órgão impresso? Em outras palavras, um jornal ou revista pode na sua versão online publicar notícias que não publicaria na sua versão impressa?

A respeitada e considerada revista de esquerda Le Nouvel Observateur – mesmo que seja acusada por muitos de ser "gauche caviar", o que corresponde mais ou menos à nossa "esquerda festiva" – transformou-se em revista people, como a classifica Carla Bruni em sua primeira entrevista exclusiva (dada à L’Express) depois de se tornar Madame Sarkozy?

A publicação na semana passada de uma notícia no site da revista Le Nouvel Observateur desencadeou um debate novo em torno da ética na internet. Uma pequena matéria informava que o presidente Nicolas Sarkozy teria enviado uma mensagem por celular (um SMS, abreviatura de short message service) à sua ex-mulher Cécilia uma semana antes do seu casamento com Carla Bruni. O texto da mensagem: "Si tu reviens, j’annule tout" (Se você voltar, anulo tudo). Assinatura da matéria: A. R. (iniciais do jornalista Airy Routier).

Essa notícia suscitou a ira presidencial e um processo penal foi imediatamente instaurado por seu advogado Thierry Herzog, por "alteração fraudulenta da verdade, com conseqüente prejuízo". A organização Repórteres sem Fronteiras, publicou um comunicado condenando o processo e assinalando que "nos últimos trinta anos nenhum chefe de Estado em exercício processou um órgão de imprensa".

Popularidade em queda

Sarkozy, que trata com familiaridade alguns jornalistas com quem conviveu mais assiduamente durante o tempo em que foi ministro, e durante a campanha presidencial, inaugurou uma proximidade nunca antes vista entre os presidentes da República e os profissionais da imprensa. Além disso, ele é amigo de quase todos os grandes patrões da imprensa francesa.

O presidente já foi acusado de pedir a cabeça de Alain Genestar, ex-diretor-geral da Paris Match, por ter a revista publicado a foto de Cécilia com seu namorado, quando esteve separada por uns meses do marido, então ministro do Interior. Acontece que o dono da Paris Match é Arnaud Lagardère, apresentado em um comício como um "irmão" do então candidato a presidente.

Um jornal ou revista sério deve tratar da vida privada dos políticos? Essa discussão tomou conta das redações e de programas de debates no rádio e na televisão.

"Se esse gênero de sites existisse durante a guerra, o que não teria sido a campanha de denúncias contra os judeus", observou a senhora Sarkozy na entrevista, afirmando que o processo de seu marido contra o site do Nouvel Observateur "é justo pois não é feito contra um órgão de imprensa mas contra `os novos meios de desinformação´".

O jornalista político Alain Duhamel escreveu em artigo no jornal Libération que se instala um mal-estar no fato de se saber que Nicolas Sarkozy goza de imunidade total civil e penal enquanto exerce o mandato de presidente, mas ao mesmo tempo pode processar um órgão de imprensa.

Essa mesma contradição entre imunidade de um lado e capacidade de fazer um processo contra órgãos de imprensa foi lembrada por Guillaume Malaurie, co-diretor da redação do Nouvel Observateur, em entrevista à agência France Presse. "As dificuldades de Nicolas Sarkozy o levam a buscar bodes expiatórios", acrescentou o jornalista.

O último número da revista tinha dedicado uma capa à vertiginosa queda de popularidade do presidente. Malaurie atribui a responsabilidade da mistura de gêneros – privado e público – ao próprio presidente.

Esfera privada

O advogado Richard Malka, especializado no direito da imprensa, qualificou esse processo de "gravíssimo". Segundo ele, somente nas sociedades ditatoriais se aplicam os delitos de direito comum aos jornalistas.

O chefe da redação de Libération, Didier Pourquery, publicou uma pequena nota em que dizia que tanto os jornalistas quanto os leitores passaram a semana a debater sobre a conveniência de publicar esse tipo de notícia com base em short message service. Ele escreveu:

"No Libération, nós não investigamos a vida íntima dos indivíduos, sejam eles celebridades [people] ou mesmo presidente da República. Existe uma esfera da intimidade da vida privada que não cobrimos, da qual faz parte a correspondência privada. Logo, Libération não teria publicado uma notícia sobre esse SMS".

O observador da mídia Daniel Schneidermann escreveu em sua coluna "Médiatiques" no Libération:

"E se esse SMS fosse mesmo verdade? Ele não dá uma informação importante sobre a psicologia do presidente que deve ser levada ao conhecimento dos cidadãos"?

Paris exibe inéditos de Francis Picabia

Publicado na Folha de São Paulo - 05-02-08
Filha de André Breton descobriu 26 ilustrações do artista em envelope guardado pelo pai desde os anos 1920

LENEIDE DUARTE-PLON
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA, DE PARIS

Aube Elléouët, a filha de André Breton com a artista plástica Jacqueline Lamba, descobriu um tesouro: num envelope guardado desde os anos 20, seu pai possuía 26 desenhos de Francis Picabia. Durante alguns anos, os dois artistas foram muito próximos e, com Tristan Tzara, fundaram o movimento dadaísta, que agitou Paris em 1920 e 1921.
Os extraordinários desenhos de Picabia em preto-e-branco, feitos a lápis e a tinta, em papel ou papelão, estão expostos em Paris, na galeria 1900-2000, em Saint-Germain-des-Prés, até sábado, 16/2. Objetivo da mostra, a aquisição por um museu francês do lote está quase certa.
"Madame Elléouët não quer que a coleção seja dispersa nem que saia da França", informa o dono da galeria, Marcel Fleiss, que já morou em São Paulo e expôs vários artistas brasileiros em sua galeria de Paris.
Ele diz que vários museus franceses se mostraram interessados na aquisição dos desenhos, que vale 80 mil euros cada um. O total da venda - 2 milhões de euros brutos, dos quais será descontado o custo da exposição - será doado a uma instituição de pesquisa do câncer.
Dos desenhos, todos feitos para a revista "Littérature", de Breton, apenas nove tinham sido publicados. Todos os outros são inéditos e nenhum deles tinha sido exposto. No catálogo da exposição, o crítico americano William Camfield, um especialista da obra de Picabia, analisa os desenhos, que ele considera "imagens audaciosas, simples e provocadoras, sem equivalente entre os jornais de arte e de literatura da época e que constituem até hoje um desafio quanto à sua interpretação".
Segundo Fleiss, o Museu de Arte Moderna de Paris deverá comprar os desenhos, garantindo a permanência do acervo na cidade. Se não fosse a determinação da filha de Breton, museus e colecionadores americanos já teriam adquirido o lote raro do artista cuja aquarela "Caoutchouc", de 1909, é considerada uma das fundadoras da arte abstrata.
Poeta e artista plástico, Picabia criou em Barcelona, em 1916, a revista dadaísta "391"; foi apaixonado pelo cinema e colecionador de automóveis. A colaboração com Breton durou poucos anos. Na ocasião do manifesto surrealista, redigido por Breton em 1924, os dois artistas já haviam se distanciado.

quinta-feira, 14 de fevereiro de 2008

Bilhetes de Paris

Henri Salvador: “Sou apenas um pequeno compositor comparado a Jobim”

Leneide Duarte-Plon

Morreu Henri Salvador. O cantor e compositor francês tinha 90 anos. Era um artista talentosíssimo, tinha grande presença no palco e ocupou um espaço importante por 60 anos na história da música francesa.
Entrevistei-o no ano passado. Foi uma espécie de obrigação que me impus para desmascarar a grande impostura do artista, responsável pelo mito que toda a imprensa francesa divulga de que ele foi o “criador da bossa nova brasileira”.
A primeira vez que vi essa história ligando seu nome à Bossa Nova foi quando Henri Salvador foi apresentado no ano passado num especial ao vivo da TV sobre a canção francesa (direto do Zenith ) como o "inventor da bossa nova brasileira". Ao chegar ao palco e conversar com a apresentadora ele disse que sua música Dans mon île, de 1957, foi usada num filme e "serviu de inspiração para Tom Jobim, que foi ver o filme, para criar a bossa nova". Salvador esqueceu de contar ao João Gilberto, o verdadeiro criador da batida da bossa nova, ao Ruy Castro e a todos os historiadores do movimento.
Na hora de cantar uma música no mesmo programa "especial sobre a canção francesa", Salvador canta em francês "Eu sei que vou te amar". Mas nem ele nem a apresentadora dizem que é de Tom Jobim e Vinícius de Moraes. Aplaudido de pé pelo auditório francês do Zenith, Salvador cantou Tom e Vinicius sem mencionar que ia cantar uma música que não era sua. Noventa e nove por cento daquele público, que desconhece nossa música como quase todos os franceses, devia jurar que ouvia o mais puro Henri Salvador um autêntico representante da "canção francesa". Ele aliás gravou no Brasil seu último disco, “Révérence”, lançado no ano passado em Paris.
Em outra reportagem no Le Monde há alguns meses ele já dissera que Dans mon île fora "a inspiração do Tom para ele desacelerar o tempo do samba."
Não é de admirar que na Wikipédia (enciclopédia virtual em que qualquer pessoa pode escrever) a informação persista. Ainda que no condicional.
Seu amigo Moustaki, que traduziu "Águas de Março" para o francês, com Tom Jobim, me disse: "Acho que Salvador acredita sinceramente nisso, mas não estou de acordo".
Com a morte do cantor e compositor, esse folclore de que ele foi o inventor da bossa nova voltou a ser repetido nos telejornais, nas rádios e nos jornais. Todos louvam o grande artista, “inventor da bossa nova brasileira”.
Abaixo um trecho da longa entrevista publicada na Folha de São Paulo em 16 de março de 2007. No diálogo que travamos consegui levá-lo a admitir o absurdo que é essa história que todos contam em Paris de que ele foi o “criador da bossa nova”.
Pena que os jornalistas franceses não lêem a Folha de São Paulo.

Folha - No especial de televisão para lembrar cem anos de canção francesa, você só cantou uma música, e foi "Eu Sei que Vou te Amar", de Tom Jobim e Vinicius de Moraes, em versão de Georges Moustaki. Por que você escolheu esta canção num especial sobre a canção francesa?
Henri Salvador - Foi uma feliz coincidência. Quando eu fui ao Brasil, descobri essa canção, que eu não conhecia. Perguntei a Moustaki e ele me disse que ela é um enorme sucesso no Brasil. É uma bela composição que tem uma lógica musical muito linda.
Folha - E foi você quem a escolheu para a festa da canção francesa?
Henri Salvador - Sim. Eu escutei um disco de Jobim maravilhoso, super de vanguarda, com uma grande orquestra, quase sinfônico, formidável. Mas eu não sabia que ele tinha ido tão longe. Era realmente um maravilhoso compositor, lamento não tê-lo conhecido. Eu moro perto do Olympia e eles vieram aqui, Jobim, Vinicius e um grupo. E eu não pude ir.
Folha - Você não conheceu Tom nem Vinicius?
Henri Salvador – Não.
Folha - Mas você conhece João Gilberto?
Henri Salvador – Sim, fui vê-lo em Paris.
Folha - Você conhece também Caetano Veloso, que canta "Dans Mon Île" sempre que vem a Paris.
Henri Salvador - Sim, foi ele quem quis a canção "Eu Sei que Vou te Amar" no meu novo disco.
Folha - Numa longa matéria sobre a bossa nova, "Bossa nova, une passion française", o "Le Monde" escreveu: "Henri Salvador foi, como ele diz, o inventor da bossa nova com sua canção 'Dans Mon Île'? Tom Jobim teria tido a idéia de desacelerar o 'tempo' do samba depois de ter visto o filme italiano para o qual foi composto este bolero". O que você pensa dessa história e como você explica a batida da guitarra de João Gilberto e a harmonia ultra-sofisticada da bossa-nova, que Tom Jobim atribuía a uma mistura do samba-canção com o jazz?
Henri Salvador - Foi um grande músico brasileiro, cujo nome não lembro, quem me disse: "Você sabe que você está na origem da bossa nova?" Eu disse: "Não é possível". Ele me disse: "O Tom Jobim ouviu sua música 'Dans Mon Île' num filme italiano e disse: "É isso que tenho que fazer, desacelerar o “tempo” do samba".
Folha - Não seria um exagero dizer que você é o “inventor” da bossa nova?
Henri Salvador - Não sou o inventor. Foi Jobim quem inventou a bossa nova.
Folha - No início, foi João Gilberto quem inventou a batida do violão e uma nova maneira de cantar que foi batizada de bossa nova. Ele gravou um disco com Elizeth Cardoso e Tom Jobim, no qual tocava violão em duas faixas, de maneira totalmente nova.
Henri Salvador – Verdade? Eu não sabia.
Folha - A imprensa francesa repete muito essa história que atribui a você a invenção da bossa nova. Isso o incomoda?
Henri Salvador - Eles estão errados. Não posso me atribuir esse fato, não fui eu. Não gosto que digam que sou o inventor da bossa nova. Não sou capaz, sou apenas um pequeno compositor comparado a Jobim. É um exagero, sou um pequeno melodista da canção francesa. Jobim é um gigante. Fiquei contente quando fui ao Brasil no ano passado, ao ver que o aeroporto do Rio se chama Jobim. Nunca isso aconteceria na França... Mas tive um choque ao ouvir um saxofonista que tocava mas era uma ... merda. O aeroporto se chama Jobim e não se põe alguém que saiba tocar bem para executar as belas músicas de Jobim. Isso me deixou triste.

sexta-feira, 8 de fevereiro de 2008

Bilhetes de Paris

Leneide Duarte-Plon

Sarkozy em crise : “Onde foi que eu errei ?

Tão impopular quanto Chirac depois das greves que paralisaram a França em 1995, Sarkozy se pergunta, como uma mãe diante do filho que acaba de se suicidar: “Onde foi que eu errei?”
Os franceses reclamam principalmente do poder aquisitivo em queda constante: salários que não aumentam e preços que não param de subir depois da implantação do euro em 2002. Na semana passada, 87% dos franceses achavam que a ação do governo contra a alta dos preços não é eficaz.
O presidente que se apresentava durante a campanha como o candidato “do poder aquisitivo” não fez ainda nada que melhorasse a vida da classe média e dos que estão na base da pirâmide social. Em compensação, os ricos receberam um presente fiscal de 15 bilhões de euros de um presidente que não esconde sua opção preferencial pelos milionários. A “direita descomplexada” representada por Sarkozy não esconde seu prazer em desfrutar de iates, aviões privados e outros sinais exteriores de riqueza.
Mas os franceses também se mostram sensíveis à superexposição da vida privada do presidente. Falta a Sarkozy o senso da dignidade e a solenidade do cargo, dizem os que se chocam com as capas de revistas que exibiam a nova namorada do presidente na Disneyland de Paris, no Egito, na Jordânia. E o Eliseu não sabia o que fazer com o protocolo nas viagens presidenciais. Por isso, ela acabou não indo à India.
A resposta às críticas ao excesso de exposição e às dificuldades de conciliar o papel de namorada dentro do protocolo rígido foi um casamento em cerimônia íntima no Eliseu. Agora, Sarkozy poderá levar sua jovem e bela mulher à Inglaterra na visita oficial em março. Elizabeth II vai receber uma primeira-dama e não uma acompanhante que dorme com o presidente mas não tem função na etiqueta rígida das cerimônias e banquetes oficiais.
Carla Bruni é a Marilyn Monroe de Sarkozy, que pretendeu inaugurar uma era Kennedy na política francesa e chegou a dizer: “Vocês gostaram de Jackie Kennedy? Vão adorar Cécilia”, logo depois de sua eleição. Ele se colocava sem nenhuma auto-crítica na posição do casal Kennedy que deu um novo e charmoso sopro à Casa Branca na década de 60 do século passado. Cécilia foi embora e ele não ficou sozinho mais de dois meses. Desde que foi apresentado à ex-manequim e atual cantora num jantar entre amigos, descobriu a primeira-dama de seus sonhos : jovem, bela e pertencente a uma família de ricos burgueses de Turim, radicados na França na década de 70, época em que as Brigadas Vermelhas eram uma ameaça para ricos industriais e suas famílias. Na viagem desta semana à Romênia, um jornal romeno noticiou: “O marido de Carla Bruni chega a Bucareste”.
Agora, Sarkozy precisa começar a levar a sério as preocupações dos franceses com a inflação. Eles podem sancionar sua surdez às críticas com uma vitória esmagadora da oposição nas eleições municipais do mês de março.
De volta ao mundo da política, Sarkozy acaba de nomear uma comissão reunindo grandes nomes do mundo acadêmico mundial como o indiano Amartya Sen, Nobel de economia de 1998, e o americano Joseph Stiglitz, outro Nobel de economia. A comissão está encarregada de fazer propostas de uma nova maneira de medir a o crescimento.
Amartya Sen foi o inventor do IDH (índice de desenvolvimento humano, reconhecido pela ONU), mais realista que o PIB (Produto Interno Bruto) pois, além da riqueza nacional, integra o estado de saúde da população e a taxa de escolarização na avaliação dos países do mundo inteiro.

O guarda-roupa de Mitterrand

Um outro presidente, este morto e enterrado, agitou o noticiário nos últimos dias de janeiro.
Danielle Mitterrand resolveu vender em leilão, ternos, pantufas, chapéus, écharpes, camisas e até mesmo a toga de advogado com acabamento de um tipo de vison. O total do leilão atingiu a soma de 148.900 euros que vão para os cofres de France Libertés, a associação de Madame Mitterrand, uma mulher engajada nas lutas da esquerda no mundo inteiro.
O guarda-roupa, que ficou guardado mais de dez anos após a morte de Mitterrand, expôs ao público parte da intimidade do último dos grandes presidentes franceses, o socialista que governou a França por 14 anos seguidos. Por uma causa nobre. As peças de roupas, sapatos e chapéus foram adquiridas por diversos colecionadores e fãs.
Alguns preços: as pantufas Church’s foram vendidas a 1 mil euros. O famoso chapéu de feltro negro, marca registrada de Mitterrand, foi vendido por 7.800 euros a alguém que se apresentou como representante do Partido Socialista.
A toga de advogado, comprada por um advogado que sofreu um atentado no Boulevard Raspail no ano passado e escapou por pouco, atingiu o preço recorde de 8 mil euros. Um chapéu em vison escuro alcançou a soma de 2200 euros.
O guarda-roupa do ex-presidente vai permitir que Danielle Mitterrand continue seu combate à frente de France Libertés.


A morte em frascos

A Justiça francesa começou o julgamento dos acusados da morte de 111 jovens tratados com o hormônio do crescimento entre 1983 e 1985. Todos morreram vítimas da doença de Creutzfeldt-Jakob. O réu é a Associação France Hypophyse, que reunia pediatras e representantes do ministério da Saúde, além do Instituto Pasteur, Inserm e a Pharmacie Centrale des Hôpitaux. O hormônio fabricado partir de hipófises retiradas de cadáveres humanos estava contaminado e passou por todo o processo de fabricação sem que se detectasse a contaminação.
Os pais dos 111 menores que foram tratados apenas porque não cresciam suficientemente, deram testemunho do sofrimento terrível causado pela doença de Creutzfeldt-Jakob que em poucos anos matou os jovens.
Esse caso francês mostra que a ciência e os melhores institutos do chamado primeiro mundo não estão ao abrigo de terríveis erros.
Felizmente, enquanto France Hypophyse era responsável por essa catástrofe sanitária, três outros laboratórios fabricavam e vendiam o produto no mundo inteiro sem que houvesse qualquer acidente de contaminação pela doença de Creutzfeldt-Jakob.


A difícil renovação da velha Academia Francesa

A tradicional Academia Francesa, que serviu de modelo à nossa Academia Brasileira de Letras, sofreu um terrível desfalque no ano passado. Em dezoito meses morreram novo acadêmicos. Também, atualmente, a idade média é elevadíssima. O decano deles, Claude Lévi-Strauss, comemora seu centenário este ano. Um dos falecidos no ano passado foi o ex-cardeal de Paris, Jean-Marie Lustiger que tinha quase 80 anos.
Símbolo durante muito tempo da cultura francesa e do vigor da língua francesa, falada nas principais cortes européias, a Academia foi fundada pelo cardeal Richelieu no século XVII. Hoje, o mais jovem acadêmico é Erik Orsenna, com pouco mais de 60 anos.
O ex-presidente e acadêmico Giscard d’Estaing trabalha com seus pares na 9ª edição da enciclopédia da Academia. Um trabalho árduo e tedioso que ocupa a maior parte dos acadêmicos.
Mas muitos pensam que a casa de Richelieu precisa se renovar elegendo escritores mais jovens e tentando trazer os verdadeiros talentos da literatura francesa atual para não se tornar um “anexo do Collège de France”, como quer evitar Jean-Denis Bredin.
Hoje, ela quer trazer os nomes consagrados do romance francês mas Philippe Sollers, Patrick Modiano e J.M.G. Le Clézio nunca demonstraram interesse em apresentar uma candidatura. Elisabeth Badinter é outra que recusou um convite para se candidatar.
Hélène Carrère-d’Encausse, secretária perpétua da Academia, contou ao jornal Le Monde que Marguerite Yourcenar, a primeira mulher a entrar para a Academia Francesa, em 1980, não foi vista com bons olhos por Claude-Lévi-Strauss, acostumado ao convívio de um grupo masculino que ele “observava com olhar de antropólogo”.
Uma curiosidade: nem Balzac nem Emile Zola conseguiram se eleger para a Academia.

sexta-feira, 1 de fevereiro de 2008

Bilhetes de Paris

Um Nobel para Augusto Boal

Até o fim de janeiro o comitê norueguês que atribui o Prêmio Nobel da Paz recebeu cartas de personalidades do mundo inteiro apoiando a candidatura de Augusto Boal.
O diretor de teatro reconhecido no mundo inteiro foi indicado por sua criação maior, o teatro do oprimido. A partir de agora, o comitê do Nobel da Paz vai reunir todas as manifestações de apoio e escolher os nomes que concorrem oficialmente ao prêmio de 2008.
Os grupos de Teatro do Oprimido ajudam milhões de pessoas em todos os continentes a afirmarem sua cidadania nas lutas contra o racismo, o sexismo, o trabalho escravo e todas as formas de desrespeito aos Direitos Humanos.
Abaixo, um trecho da entrevista que fiz com Boal em Paris, no ano passado, publicada na revista online Tropico e no jornal francês L’Humanité :
Augusto Boal é um monstro sagrado do teatro brasileiro mas tem a simplicidade dos sábios e o sorriso franco das crianças. Nascido em 1931 no Rio de Janeiro, Boal, trabalhou com o Teatro de Arena até 1971, quando foi preso e torturado pela ditadura que tomou o poder com o golpe militar de 1964. Depois de libertado, se exilou na Argentina e depois na França. Durante o exilio, trabalhou em todo o continente sul-americano, em Portugal, na França e na Alemanha. Hoje, o Teatro do Oprimido, criado por Boal, é praticado em mais de 70 países. Esse teatro engajado se inspira na pedagogia do oprimido, de Paulo Freire, e no pensamento da extrema-esquerda brasileira.
Através de diversas formas de expressão (teatro-imagem, teatro invisível, teatro-forum), o Teatro do Oprimido tem como objetivo romper com a passividade do espectador, semelhante à do cidadão. Nesse sentido, é um teatro subversivo.
Entre os diversos prêmios que Boal recebeu, dois têm grande importância para ele: o prêmio Pablo Picasso, atribuído pela Unesco a artistas que deram contribuições excepcionais à arte e o prêmio da Association for Theatre in Higher Education, nunca antes concedido a um não-americano. Na área teatral, nenhum brasileiro teve tanto reconhecimento internacional quanto Augusto Boal.
“Todo teatro é uma forma de ação política. A gente vê peças que fogem dos problemas centrais da sociedade e pegam problemas puramente circunstanciais, de entretenimento. Isso é uma ação política. E no nosso caso, é uma ação política consciente. Sabemos que existem opressões que queremos combater. É uma forma de fazer política, mesmo que não seja política partidária”, teoriza Boal,
“Digo que o teatro do oprimido é uma chave. A chave não abre a porta, quem abre a porta é quem segura a chave e a torce. Todo e qualquer teatro mostra um segmento da sociedade em movimento. No teatro, você mostra conflitos humanos sociais e políticos em movimento. O espectador entrando em cena aprende primeiro a entender como é a opressão ao vivo. Ele aprende a detectar as armas do opressor. E treina para uma transformação. Não é no teatro que ele vai transformar. No teatro, ele se transforma transformando a situação fictícia. Mas ele não é ficção, ele se transforma. A idéia é fazer com que o teatro seja um trampolim para ir para fora e transformar a realidade. O teatro é um treino onde ele entende quem é o adversário e treina táticas e estratégias de luta para aplicar na realidade”.

Oprimidos de Gaza

O presidente da ONG Médecins du Monde (França), Pierre Micheletti e a responsável pelos programas dessa ONG nos territórios palestinos, Marie Rjablat, assinaram um artigo no jornal Le Monde de 30 de janeiro que começa com uma metáfora provocativa:
“Vários milhares de detentos conseguiram fugir, quarta-feira, 23 de janeiro, de uma prisão palestina. Os fugitivos, homens, mulheres e crianças, precipitaram-se por brechas abertas com explosivo no muro da ala sul. A maior parte deles são “prisioneiros políticos” residentes no que constitui hoje o maior centro penitenciário do mundo pois uma área de 40km por 10km acolhe 1 milhão e 400 mil pessoas. Esse território se caracteriza por um ambiente onde as armas são onipresentes, onde o Fatah e o Hamas disputam o poder, enquanto grande número de seus líderes estão na prisão. A questão religiosa se radicaliza ao mesmo tempo em que o mundo árabe-muçulmano sacraliza a questão palestina para fazer dela um teatro emblemático de seus conflitos com o Ocidente. É a grande prisão a céu aberto de Gaza, onde a população paga uma punição coletiva por ter levado ao poder o Hamas nas eleições legislativas de fevereiro de 2006”.
O texto continua relatando a passagem forçada por milhares de pessoas para irem fazer compras de primeira necessidade no Egito, sobretudo alimentos e remédios. Depois, relata com números espantosos o estado de calamidade de Gaza, transformada pelo embargo israelense em gueto insalubre onde pessoas de todas as idades morrem por falta de remédios básicos, falta de água e de eletricidade nos hospitais. A água e a eletricidade de Gaza são controladas totalmente por Israel. E o embargo significa o estrangulamento até a morte de toda a população da Faixa de Gaza.
O texto dos dois responsáveis de Médecins du Monde pede à União Européia que negocie com Israel a volta à normalidade para a população palestina de Gaza, considerada a maior prisão do mundo.
Depois de terem incensado o Hamas para enfraquecer o Fatah de Arafat, Estados Unidos e Israel declararam guerra ao partido islâmico que cresceu e se radicalizou graças ao jogo político-diplomático dos dois países, que empurram para as calendas a criação de um Estado palestino, previsto pelo mesmo ato da ONU que criou o Estado de Israel, em 1947.