sexta-feira, 8 de fevereiro de 2008

Bilhetes de Paris

Leneide Duarte-Plon

Sarkozy em crise : “Onde foi que eu errei ?

Tão impopular quanto Chirac depois das greves que paralisaram a França em 1995, Sarkozy se pergunta, como uma mãe diante do filho que acaba de se suicidar: “Onde foi que eu errei?”
Os franceses reclamam principalmente do poder aquisitivo em queda constante: salários que não aumentam e preços que não param de subir depois da implantação do euro em 2002. Na semana passada, 87% dos franceses achavam que a ação do governo contra a alta dos preços não é eficaz.
O presidente que se apresentava durante a campanha como o candidato “do poder aquisitivo” não fez ainda nada que melhorasse a vida da classe média e dos que estão na base da pirâmide social. Em compensação, os ricos receberam um presente fiscal de 15 bilhões de euros de um presidente que não esconde sua opção preferencial pelos milionários. A “direita descomplexada” representada por Sarkozy não esconde seu prazer em desfrutar de iates, aviões privados e outros sinais exteriores de riqueza.
Mas os franceses também se mostram sensíveis à superexposição da vida privada do presidente. Falta a Sarkozy o senso da dignidade e a solenidade do cargo, dizem os que se chocam com as capas de revistas que exibiam a nova namorada do presidente na Disneyland de Paris, no Egito, na Jordânia. E o Eliseu não sabia o que fazer com o protocolo nas viagens presidenciais. Por isso, ela acabou não indo à India.
A resposta às críticas ao excesso de exposição e às dificuldades de conciliar o papel de namorada dentro do protocolo rígido foi um casamento em cerimônia íntima no Eliseu. Agora, Sarkozy poderá levar sua jovem e bela mulher à Inglaterra na visita oficial em março. Elizabeth II vai receber uma primeira-dama e não uma acompanhante que dorme com o presidente mas não tem função na etiqueta rígida das cerimônias e banquetes oficiais.
Carla Bruni é a Marilyn Monroe de Sarkozy, que pretendeu inaugurar uma era Kennedy na política francesa e chegou a dizer: “Vocês gostaram de Jackie Kennedy? Vão adorar Cécilia”, logo depois de sua eleição. Ele se colocava sem nenhuma auto-crítica na posição do casal Kennedy que deu um novo e charmoso sopro à Casa Branca na década de 60 do século passado. Cécilia foi embora e ele não ficou sozinho mais de dois meses. Desde que foi apresentado à ex-manequim e atual cantora num jantar entre amigos, descobriu a primeira-dama de seus sonhos : jovem, bela e pertencente a uma família de ricos burgueses de Turim, radicados na França na década de 70, época em que as Brigadas Vermelhas eram uma ameaça para ricos industriais e suas famílias. Na viagem desta semana à Romênia, um jornal romeno noticiou: “O marido de Carla Bruni chega a Bucareste”.
Agora, Sarkozy precisa começar a levar a sério as preocupações dos franceses com a inflação. Eles podem sancionar sua surdez às críticas com uma vitória esmagadora da oposição nas eleições municipais do mês de março.
De volta ao mundo da política, Sarkozy acaba de nomear uma comissão reunindo grandes nomes do mundo acadêmico mundial como o indiano Amartya Sen, Nobel de economia de 1998, e o americano Joseph Stiglitz, outro Nobel de economia. A comissão está encarregada de fazer propostas de uma nova maneira de medir a o crescimento.
Amartya Sen foi o inventor do IDH (índice de desenvolvimento humano, reconhecido pela ONU), mais realista que o PIB (Produto Interno Bruto) pois, além da riqueza nacional, integra o estado de saúde da população e a taxa de escolarização na avaliação dos países do mundo inteiro.

O guarda-roupa de Mitterrand

Um outro presidente, este morto e enterrado, agitou o noticiário nos últimos dias de janeiro.
Danielle Mitterrand resolveu vender em leilão, ternos, pantufas, chapéus, écharpes, camisas e até mesmo a toga de advogado com acabamento de um tipo de vison. O total do leilão atingiu a soma de 148.900 euros que vão para os cofres de France Libertés, a associação de Madame Mitterrand, uma mulher engajada nas lutas da esquerda no mundo inteiro.
O guarda-roupa, que ficou guardado mais de dez anos após a morte de Mitterrand, expôs ao público parte da intimidade do último dos grandes presidentes franceses, o socialista que governou a França por 14 anos seguidos. Por uma causa nobre. As peças de roupas, sapatos e chapéus foram adquiridas por diversos colecionadores e fãs.
Alguns preços: as pantufas Church’s foram vendidas a 1 mil euros. O famoso chapéu de feltro negro, marca registrada de Mitterrand, foi vendido por 7.800 euros a alguém que se apresentou como representante do Partido Socialista.
A toga de advogado, comprada por um advogado que sofreu um atentado no Boulevard Raspail no ano passado e escapou por pouco, atingiu o preço recorde de 8 mil euros. Um chapéu em vison escuro alcançou a soma de 2200 euros.
O guarda-roupa do ex-presidente vai permitir que Danielle Mitterrand continue seu combate à frente de France Libertés.


A morte em frascos

A Justiça francesa começou o julgamento dos acusados da morte de 111 jovens tratados com o hormônio do crescimento entre 1983 e 1985. Todos morreram vítimas da doença de Creutzfeldt-Jakob. O réu é a Associação France Hypophyse, que reunia pediatras e representantes do ministério da Saúde, além do Instituto Pasteur, Inserm e a Pharmacie Centrale des Hôpitaux. O hormônio fabricado partir de hipófises retiradas de cadáveres humanos estava contaminado e passou por todo o processo de fabricação sem que se detectasse a contaminação.
Os pais dos 111 menores que foram tratados apenas porque não cresciam suficientemente, deram testemunho do sofrimento terrível causado pela doença de Creutzfeldt-Jakob que em poucos anos matou os jovens.
Esse caso francês mostra que a ciência e os melhores institutos do chamado primeiro mundo não estão ao abrigo de terríveis erros.
Felizmente, enquanto France Hypophyse era responsável por essa catástrofe sanitária, três outros laboratórios fabricavam e vendiam o produto no mundo inteiro sem que houvesse qualquer acidente de contaminação pela doença de Creutzfeldt-Jakob.


A difícil renovação da velha Academia Francesa

A tradicional Academia Francesa, que serviu de modelo à nossa Academia Brasileira de Letras, sofreu um terrível desfalque no ano passado. Em dezoito meses morreram novo acadêmicos. Também, atualmente, a idade média é elevadíssima. O decano deles, Claude Lévi-Strauss, comemora seu centenário este ano. Um dos falecidos no ano passado foi o ex-cardeal de Paris, Jean-Marie Lustiger que tinha quase 80 anos.
Símbolo durante muito tempo da cultura francesa e do vigor da língua francesa, falada nas principais cortes européias, a Academia foi fundada pelo cardeal Richelieu no século XVII. Hoje, o mais jovem acadêmico é Erik Orsenna, com pouco mais de 60 anos.
O ex-presidente e acadêmico Giscard d’Estaing trabalha com seus pares na 9ª edição da enciclopédia da Academia. Um trabalho árduo e tedioso que ocupa a maior parte dos acadêmicos.
Mas muitos pensam que a casa de Richelieu precisa se renovar elegendo escritores mais jovens e tentando trazer os verdadeiros talentos da literatura francesa atual para não se tornar um “anexo do Collège de France”, como quer evitar Jean-Denis Bredin.
Hoje, ela quer trazer os nomes consagrados do romance francês mas Philippe Sollers, Patrick Modiano e J.M.G. Le Clézio nunca demonstraram interesse em apresentar uma candidatura. Elisabeth Badinter é outra que recusou um convite para se candidatar.
Hélène Carrère-d’Encausse, secretária perpétua da Academia, contou ao jornal Le Monde que Marguerite Yourcenar, a primeira mulher a entrar para a Academia Francesa, em 1980, não foi vista com bons olhos por Claude-Lévi-Strauss, acostumado ao convívio de um grupo masculino que ele “observava com olhar de antropólogo”.
Uma curiosidade: nem Balzac nem Emile Zola conseguiram se eleger para a Academia.

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