domingo, 15 de junho de 2008

No Mafia

Como não se emocionar ao descer do avião no aeroporto Falcone-Borsellino? Como não lembrar com um nó na garganta da ação corajosa dos dois juízes, símbolos da luta do Estado italiano contra o crime organizado?
Falcone nasceu em Palermo, capital da Sicília, e morreu em 1992, assassinado pela Máfia siciliana, no caminho entre o aeroporto de Palermo e o centro da cidade. O aeroporto de Palermo tem seu nome acoplado ao de outro juiz anti-máfia, Paolo Borsellino, também assassinado pela Cosa Nostra, numa rua de Palermo, menos de dois meses depois do assassinato de Falcone.
No caminho entre o aeroporto e o centro, um marco relembra aos passantes a explosão na auto-estrada, que matou o juiz Falcone, sua mulher e alguns guarda-costas. O motorista do táxi nos mostra a pequena cabana branca no alto de uma colina, de onde um mafioso controlava a passagem da comitiva do juiz para detonar o explosivo. Pintadas em letras de forma, duas palavras mostram a indignação dos habitantes de Palermo: “No Mafia”.
Fotografo emocionada.
Giovanni Falcone foi o mais famoso juiz anti-máfia.
Charles Luciano, nascido Salvatore Lucania, era um mafioso siciliano. Em geral, os mafiosos da Cosa Nostra nascem em vilarejos isolados da ilha. Era o caso de Luciano, mais conhecido como “Lucky” Luciano.
Lucky Luciano morreu de um ataque cardíaco em 1962, quando ia tomar um avião, no aeroporto de Nápoles.
Falcone foi morto pela Máfia, a mando de Salvatore (Toto) Riina cujo processo foi baseado em longa investigação judiciária e mais particularmente nas revelações de Tommaso Buscetta (conhecido como Don Massimo), primeiro dos “arrependidos” da Cosa Nostra.
Falcone nunca encontrou Lucky Luciano.
Reúno os dois graças a uma viagem de férias pela Sicilia no mês passado. Explico: ficamos hospedados no hotel onde o “capo” fez uma reunião histórica, em 1957.
Nunca lera a biografia de Luciano. Mas depois da viagem a Palermo fui ler o que pude sobre o antigo chefe da Mafia americana, o verdadeiro criador do tráfico internacional de heroína.
O que descubro?
Em 1947, Washington faz pressão sobre o ditador cubano Batista para que ele expulse o mafioso que se encontrava em Cuba. Extraditado para Nápoles, Luciano se dedica oficialmente à sua empresa de importação-exportação. Na realidade, ele trata de aperfeiçoar o tráfico internacional de heroína, que tinha organizado em Havana, numa reunião dos principais “capi”, em 1947.
Exatamente dez anos depois, no majestoso “Grand Hôtel et des Palmes” (o nome parece estranho mas é esse mesmo) em uma nova conferência internacional, Lucky Luciano reúne em Palermo os mais importantes chefes sicilianos e novaiorquinos. Nessa ocasião, eles organizam o tráfico internacional de heroína que funcionou perfeitamente durante mais de vinte anos. Vinda do sudeste asiático, da Turquia ou da América do Sul, refinada na Itália e na França, a droga é depois vendida no mundo inteiro por uma rede controlada pelas diversas “famílias” aliadas. Na França, as Máfias siciliana e americana se aliam às máfias corsa e marselhesa. É a “French Connection”, desmantelada no início dos anos 1970.
Ir a Palermo e se hospedar num hotel moderno, sem história, não pode se comparar a se hospedar num hotel com mais de 150 anos, parte da história da cidade, onde Richard Wagner compôs sua última ópera. O Grand Hôtel et des Palmes guarda intacto o charme aristocrático da Sicilia, não dá para não pensar no filme de Visconti.
Aliás, o bar do Grand Hôtel et des Palmes não tem outro nome. Chama-se precisamente “Il Gattopardo”.

Paralelepípedos contra o tédio

Entre os textos republicados recentemente, um do jornalista Pierre Viansson-Ponté, publicado no Le Monde de 15 de março de 1968, não pode deixar de provocar um sorriso no leitor de 2008. Ele começa seu artigo dizendo:
"O que caracteriza atualmente nossa vida pública é o tédio. Os franceses se entediam. Eles não participam nem de perto nem de longe das grandes convulsões que sacodem o mundo, a guerra do Vietnã os comove, mas ela não lhes diz respeito verdadeiramente".
Um mês e meio depois, os franceses não podiam mais se queixar de tédio. Paris estava em chamas, o país parecia um vulcão em erupção.
Num documentário sobre maio de 68, recentemente mostrado num canal de TV, pode-se ver o primeiro efeito concreto da revolta nas ruas de Paris. O governo mandou asfaltar todas as ruas de paralelepípedos da capital.
Nunca mais os estudantes teriam essa arma ao alcance da mão para lançar na polícia. Nunca mais os paralelepípedos voariam como naquele início de primavera.

Maio de 68 pelo retrovisor do Le Monde

Era maio de 1968. A guerra do Vietnã dividia a primeira página do “Le Monde” com as manifestações dos estudantes no Quartier Latin. O movimento estudantil se associa ao movimento operário para desencadear a maior greve geral que a França já viveu. No maio de 68 francês, os trabalhadores fazem conquistas históricas: aumento do salário mínimo, redução do tempo de trabalho e diminuição da idade de aposentadoria.
O jornal Le Monde deu um presente inestimável aos leitores durante o mês de maio: numa página interna, editou todo dia a primeira página do mesmo dia de maio de 1968. Dia a dia, pudemos acompanhar a evolução daquele maio agitado e particularmente fecundo para o movimento social francês.
O Le Monde de 68 era outro jornal. Não no espírito, pois era o mesmo cotidiano de jornalistas, com texto analítico, fundado por Hubert Beuve-Méry, ainda vivo. Mas, na forma, era outro.
Do atual, tinha apenas o título em letras góticas. A forma gráfica era severa, não havia imagens. E, sobretudo, não tinha os graves problemas econômicos do grupo, que ameaçam o emprego de dezenas de jornalistas.

Um comentário:

Valéria Martins disse...

Leneide, que delícia essas férias que ainda trazem um conhecimento histórico, hein? Eu adoro a Itália!...
E essa idéia do Le Monde, de republicar as páginas de maio de 1968, é sensacional! Inestimável, como vc disse.
Um beijo, minha querida.