O caricaturista Siné, de 79 anos, não imaginava o que o esperava quando escreveu na sua crônica do jornal satírico Charlie Hebdo um comentário sobre o futuro casamento e uma suposta conversão ao judaísmo do filho de Nicolas Sarkozy, Jean Sarkozy, de 21 anos.
Na semana seguinte, Siné foi acusado por um jornalista do Nouvel Observateur, Claude Askolovitch, de anti-semitismo. O affaire Siné virou uma polêmica que divide intelectuais e jornalistas franceses há mais de duas semanas. O diretor de Charlie Hebdo, Philippe Val, resolveu deixar de publicar o caricaturista, sem demiti-lo formalmente. Siné vai processar Claude Askolovitch por injúria e difamação.
No seu texto, Siné escreveu: “Jean Sarkozy, digno filho de seu pai e já conselheiro geral do (partido) UMP, saiu quase sob os aplaudos de seu processo por fuga em sua lambreta. A Justiça o declarou inocente! Diga-se de passagem que o acusador é árabe! E não é tudo: ele declarou que vai se converter ao judaísmo antes de casar-se com sua noiva, judia, e herdeira dos fundadores de Darty. Vai longe, esse menino!”
Obviamente, como o próprio Siné explicou, ele teria feito uma observação semelhante se o filho de Sarkozy fosse se casar com uma muçulmana e, para isso, se convertesse ao islã. Ou a qualquer outra religião de sua noiva. Anarquista e ateu convicto, o humorista defende a criação do Estado palestino e participa da Coordenação francesa da década de cultura da paz e da não-violência.
Por recomendação de seu advogado, Siné continua enviando sua colaboração semanal a Charlie Hebdo, que deixou de publicá-la. A última foi publicada pelo site do Nouvel Observateur. Siné escreveu o que pensa do diretor do jornal satírico, da origem das divergências entre eles e acrescenta:
“Quanto ao meu suposto anti-semitismo, junca fui anti-semita, não sou anti-semita, nunca serei anti-semita. Condeno radicalmente os que são anti-semitas, mas não tenho nenhum apreço pelos que, judeus ou não, jogam irresponsavelmente essa palavra abjeta na cara de seus adversários para desconsiderá-los, sabendo que esta acusação é o insulto supremo depois do Holocausto (Shoah). Isso está se tornando insuportável. No que me concerne, tenho tanta antipatia por todos os que, judeus ou não, defendem o regime israelense quanto pelos que defendiam o apartheid na África do Sul. Há mais de 60 anos luto contra todas as formas de racismo e se tivesse tido idade de esconder judeus durante a Ocupação o teria feito sem hesitar, como o fiz pelos Argelinos durante a guerra da Argélia. Estou do lado de todos os oprimidos !”
Esse affaire desencadeou uma polêmica entre intelectuais franceses sobre o tema do anti-semitismo. O filósofo Bernard-Henri Lévy analisou no Le Monde o caso Siné num artigo intitulado “De quoi Siné est-il le nom?” parodiando o livro de Alain Badiou, “De quoi Sarkozy est-il le nom?”, que ele cita. Lévy chega ao cúmulo de afirmar que o antisarkozysmo pode ser hoje uma deriva do anti-semitismo.
O filósofo Alain Badiou respondeu imediatamente no próprio Le Monde com um artigo irônico e de uma finesse extraordinária, para protestar contra a utilização para fins diversos da acusação de anti-semitismo na França atual. O título “Tout antisarkozyste est-il un chien?” remetia às metáforas zoológicas de seu livro, interpretadas por Pierre Assouline como anti-semitas. Sartre, citado por Lévy, também é invocado por Badiou no seu delicioso artigo.
Entre as vozes que se levantaram para defender Siné contra a absurda acusação, uma foi particularmente importante: a advogada Gisèle Halimi, que foi advogada de Jean-Paul Sartre, escreveu uma carta aberta a Philippe Val assegurando que se ele fizer um processo por anti-semitismo contra Siné não tem nenhuma chance de ganhar na Justiça.
Há poucos dias, o site do Nouvel Observateur pôs no ar uma petição de apoio a Siné que pode ser assinada online. Redigida por Eric Martin, Benoît Delépine e Lefred-Thouron, ela declara apoio “total e incondicional” ao desenhista anarquista e termina dizendo: “Siné não é anti-semita. Siné não gosta dos idiotas. Siné é um anarquista. Viva Siné”. Essa petição já foi assinada por filósofos como Michel Onfray e Daniel Bensaïd, por grande número de jornalistas, pelo dirigente da Liga Comunista Revolucionária Alain Krivine, pelo vice-presidente da União judaica francesa pela paz, Pierre Stambul, e pelo fundador de Médecins sans frontières, Rony Brauman, entre milhares de outros franceses.
*Publicado originalmente no Observatório da Imprensa
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