sábado, 23 de janeiro de 2010

Haiti : colonialismo e neocolonialismo

A história da miséria do Haiti é a ilustração perfeita da mistura de colonialismo praticado pelo “país dos direitos humanos”, a pátria de Voltaire e Sartre, com as distorções da política dos grandes organismos internacionais (FMI e Banco Mundial) responsáveis pelo controle da economia dos países do que se convencionou chamar Terceiro Mundo.
Pouca gente lembra que ao deixar o poder em 1986, derrubado por uma rebelião popular, o ditador haitiano conhecido como Baby Doc veio se refugiar na França, antiga potência colonial, onde vive até hoje com o estatuto de “refugiado político”. Ao fugir com 900 milhões de dólares, soma maior que a díivida total do Haiti naquele momento, o ditador tinha essa fortuna bem guardada em bancos suíços. Segundo o site Mondialisation.ca um processo na Suíça tenta restituir ao Haiti os bens depositados em nome dos Duvalier. O banco UBS congelou o dinheiro e dificulta como pode a restituição dos 900 milhões de dólares ao verdadeiro dono, o povo haitiano.
O cinismo de Baby Doc, apelido de Jean-Claude Duvalier, atualmente com 58 anos, é chocante. Esse senhor, que mora na Côte d’Azur com todo o luxo que o dinheiro (do povo haitiano) pode pagar, divulgou esta semana num site em inglês chamado Daily Beast que “fez uma doação de 5 milhões de dólares ao povo do Haiti através da Cruz Vermelha americana”. Esse dinheiro estaria na Suíça em nome de uma fundação que leva o nome de sua mãe, Simone Ovide-Duvalier. Mas há um pequeno detalhe: essa conta está bloqueada pelas autoridades suíças e o dinheiro não pertence mais ao ex-ditador, filho do velho Papa Doc que governou de 1957 a 1971, quando começou o (des)governo de Baby Doc. De 1957 a 1986, quando Baby Doc fugiu do país, a dívida externa do Haiti foi multiplicada por 17,5.
Na França existe um “Comitê para julgar Duvalier” cujo presidente, Gerald Bloncourt, se declarou escandalizado com o cinismo de Baby Doc.
Mas por que a França abriga Baby Doc? Por que os Estados Unidos apoiaram o governo de seu pai e o seu até o fim?
Logo depois de declarar sua independência da França em 1804, numa luta ao mesmo tempo antiescravagista e anticolonial, o Haiti tornou-se a segunda república independente das três Américas e a primeira república negra do continente. Mas o país foi obrigado a pagar à França uma espécie de resgate, correspondente a 150 milhões de francos ouro (o orçamento anual da França na época). Em 1825, a mesma França decidiu que a ex-colônia teria que pagar por cinco anos a soma equivalente hoje a 21 bilhões de dólares como indenização aos ex-colonos. Essa dívida era uma garantia do acesso da antiga metrópole aos recursos naturais do país.
A França, antiga potência colonial, e os Estados Unidos, que ocuparam o país em 1915, são plenamente responsáveis pelo atual estado do Haiti. Mas a Comissão Régis Debray, instituída em 2004, preferiu afastar a idéia de restituir a soma fabulosa paga pelos haitianos a partir de 1825. A Comissão argumentou que “isso não tinha fundamento jurídico e poderia abrir uma caixa de Pandora”.
A França até hoje não reconheceu seu erro ao dar de presente ao ditador Baby Doc o status de refugiado político garantindo, portanto, sua imunidade. Não li em nenhum jornal francês uma crítica ao país dos direitos humanos por abrigar como refugiado político o ex-ditador que deixou o país em ruínas.
Segundo Sophie Perchellet et Éric Toussaint, autores do texto do site mondialisation.ca os planos de ajuste estrutural impostos pelo FMI e pelo Banco Mundial são os responsáveis pela atual miséria do país. “A agricultura camponesa do Haiti sofreu o dumping dos produtos agrícolas dos Estados Unidos. As políticas macro-econômicas sustentadas por Washington, pela ONU, FMI e pelo Banco Mundial não se preocupam nem um pouco com a necessidade de desenvolvimento nem com a proteção do mercado nacional. A única preocupação dessas políticas é produzir a preços baixos para a exportação para o mercado mundial.”

Cuba, o reverso da medalha



Ao lado do Haiti, outra ilha, outra realidade.
Voltei de Cuba entusiasmada pelo (pouco) que vi durante os (poucos) dias que passamos em Havana. Na semana em que voltei, a revista Le Monde Magazine fez uma matéria sobre a blogueira cubana que se tornou célebre no mundo inteiro. Leia aqui um comentário que fiz para o Observatório da Imprensa, do qual sou correspondente na França.

Como não tenho competência nem argumentos suficientes para defender Cuba e a revolução que completou 51 anos em 1° de janeiro, usei como contraponto às críticas da blogueira algumas informações de uma excelente entrevista de Frei Betto dada a Andrea Duffour, membro da Associação ATTAC e coordenadora da Associação Suíça-Cuba.
O socialismo em Cuba tem partido único, economia socializada, Fidel Castro eleito e reeleito. Mas o povo se alimenta, tem um sistema de saúde de excelente nível e educação obrigatória, gratuita e universal. O povo do Haiti tem, em tese, direito de sair do país, viajar, votar, eleger seus governantes. Mas viajam apenas os poucos privilegiados e os governantes impuseram ao povo a miséria do FMI e do Banco Mundial.
A seguir, um trecho da entrevista com Frei Betto a Andrea Duffour. A íntegra se encontra neste link

O senhor lembra num artigo que a fome mata cerca de mil pessoas por hora. Como o senhor explica que um país pobre como Cuba não tenha tais estatísticas e que depois de meio século não haja uma só criança morrendo de fome ou de doença curável?
Frei Betto: Em Cuba garantiu-se ao conjunto da população os três direitos fundamentais do homem que são o alimento, a saúde e a educação. Em Cuba há pobreza mas não há miséria e os cubanos podem se dar ao luxo de dizer o que está num cartaz no aeroporto de Havana: “Esta noite 200 milhões de crianças vão dormir na rua, nenhuma delas é cubana”.
Os cubanos dizem que têm um partido único mas que ele defende os interesses da maioria das pessoas e que na Europa temos muitos partidos com nomes diferentes mas que não representam senão um partido, o do capital...
Frei Betto: Exatamente. No mundo capitalista, há vários partidos com nomes diferentes mas um único modelo, o capitalismo liberal. Em Cuba, temos uma democracia participativa na qual o povo não somente partilha os direitos políticos mas também os direitos econômicos. Os cubanos participam das decisões governamentais e fizeram uma escolha pelo sistema socialista com um partido que defende os interesses da maioria. A escolha deles é soberana. Por isso Cuba é diabolizada pela imprensa internacional.


Lula “Homme de l’année”


Ao chegar em Paris no início de janeiro encontrei a revista Le Monde Magazine com data de 25 de dezembro com um Lula sorridente na capa, em big close. Uma grande reportagem repleta de fotos traça o perfil de Lula. As fotos mostram o presidente com Obama e Angela Merkel, com Pelé festejando a escolha do Rio para sediar os Jogos Olímpicos de 2016, com populares saudando uma criança que se joga sobre ele e com o vice-presidente subindo a rampa em janeiro de 2007. O excelente texto do perfil é do correspondente Jean-Pierre Langellier, do Rio de Janeiro, e abre com a foto de Lula no nordeste em outubro de 2009, no meio da barragem do Rio São Francisco.
“Lula, homme de l’année” é o título do perfil que explica como epígrafe: “Ele colocou decididamente seu país numa dinâmica de desenvolvimento. Soube se manter um democrata, lutando contra a pobreza sem descuidar de um crescimento mais respeitoso do equilíbrio natural. Presidente do Brasil desde o dia 1° de janeiro de 2003, no final de seus dois mandatos ele terá dado um novo rosto à América Latina. Razões suficientes para que a redação do Le Monde o escolha como a personalidade do ano 2009”.
Além disso, Lula receberá o prêmio de Estadista Global do Fórum Econômico Mundial, em Davos (Suíça), no dia 29 de janeiro. Esta é a primeira edição da homenagem, criada para marcar o aniversário de 40 anos do Fórum.
Em 2008, a A UNESCO - Organização das Nações Unidas para a Ciência, Educação e Cultura - outorgou ao presidente Lula o Prêmio de Fomento da Paz Félix Houphouët-Boigny. Já receberam esse prêmio, entre outros: Nelson Mandela, Yitzhak Rabin, Shimon Peres, Yasser Arafat, Jimmy Carter e o rei Juan Carlos I da Espanha.
Só falta o Nobel da Paz pelo combate à fome no Brasil...

Juliette Gréco amou um brasileiro

A Folha de São Paulo publicou uma entrevista feita por mim com Juliette Gréco, a cantora que tem 82 anos e foi musa dos existencialistas franceses. Saiu em dezembro de 2009 e pode ser lida no link (apenas para assinantes Folha ou Uol)





2 comentários:

Amanda disse...

Otimo post sobre o Haiti. Voltarei!

Leneide Duarte-Plon disse...

Volte sempre.
Leneide