segunda-feira, 5 de abril de 2010

Et mes fesses?


« Et mes fesses, tu les aimes, mes fesses ? »


Quem não se lembra dessa cena do filme Le mépris, de Jean-Luc Godard, na qual Camille (Brigitte Bardot) pergunta a Paul (Michel Piccoli) se ele gosta de certas partes de seu corpo? A cena na cama, com a atriz nua, num ângulo em que seu charme arredondado é valorizado (ela é filmada de perfil, deitada de bruços) não constava do roteiro original. Foi imposta pelo produtor americano que achou que a primeira versão do filme não explorava suficientemente os atributos de BB. Produzido por Carlo Ponti, Joseph Levine e Georges de Beauregard, Godard teve que se curvar diante de Levine, que disse que pagava um salário fabuloso à atriz para que os espectadores a vissem como Deus a criou e não pudicamente vestida.

Godard revivia na vida real a situação do criador diante do poder do dinheiro, como Paul diante do produtor arrogante, vivido por Jack Palance.

Quem não viu o filme ou quer rever a cena é só ir no link :

http://www.youtube.com/watch?v=v_m85eoa-8s

A apresentação do filme é godardiana : não há letreiros mas a voz de Godard que diz a ficha técnica. Na biografia de Godard, recém-lançada, Antoine de Baecque conta que o diretor canalizou a atriz ao máximo para que seu personagem paire totalmente ausente, meio indiferente àquele set de filmagens no qual a história se desenrola na Cinecittà e em Capri, um filme dentro do filme. Le mépris é todo feito de sutileza, de finesse, o gênio de Godard adaptando um texto de Alberto Moravia. Para Antoine de Baecque, se não restasse nenhum filme de Brigitte Bardot, ficaria Le mépris, no qual Godard a dirige magistralmente, deixando-a pairar etérea, tirando da atriz toda coqueteria e artificialidade.

A biografia de Godard, que se chama apenas GODARD, as três primeiras letras separadas das três últimas, em linhas diferentes, é um deleite para os cinéfilos de todas as latitudes, de todas as gerações.

O caderno de Saramago

Reproduzo um trecho do carderno do maior escritor de língua portuguesa, em que ele fala da perseguição que sofre na Espanha o juiz Baltasar Garzón. O texto de Saramago serve de reflexão para nós que contestamos a lei de Anistia brasileira:

“Invoca-se aqui a Lei da Amnistia para justificar a perseguição a Baltasar Garzón, mas, em minha opinião de cidadão comum, a Lei da Amnistia foi uma maneira hipócrita de tentar virar a página, equiparando as vítimas aos seus verdugos, em nome de um igualmente hipócrita perdão geral. Mas a página, ao contrário do que pensam os inimigos de Baltasar Garzón, não se deixará virar. Faltando Baltasar Garzón, supondo que se chegará a esse ponto, será a consciência da parte mais sã da sociedade espanhola que exigirá a revogação da Lei da Amnistia e o prosseguimento das investigações que permitirão pôr a verdade no lugar onde ela tem faltado. Não com leis que são viciosamente desprezadas e mal interpretadas, não com uma justiça que é ofendida todos os dias”.(10-02-2010)

Carla B

Os blogs pulularam nas últimas semanas falando da primeira dama francesa e de seu marido. Ela e o presidente estariam vivendo aventuras extraconjugais. Jornais italianos e ingleses repercutiram os boatos. Nenhum jornal francês ousou reproduzir as fofocas mas o jornal Le Figaro aproveitou uma entrevista exclusiva com Carla Bruni para perguntar: “Como a senhora vê os boatos da internet sobre seu casamento?” Ela respondeu que boatos fazem parte da natureza humana, mesmo se a degradam. “Desprezo os falsos jornalistas que usam os blogs como se fossem uma fonte digna de crédito. Mas os fato de divulgarem notícias inventadas é um perigo para a democracia e põe em risco uma profissão que tem na integridade da informação sua principal razão de ser.”

Para quem quer conhecer melhor Carla B (como o jornal Le Canard Enchaîné a chama numa coluna fictícia que ele publica semanalmente, Le Journal de Carla B.) aconselho ir ao site do Figaro. No fim da entrevista, ela confirma que estará no filme que Woody Allen fará em Paris neste verão (junho).

No Sarkozy day

Um grupo de franceses antisarkozistas resolveu protestar no dia 27 de março instituindo um “dia sem Sarkozy”. Chamava-se No Sarkozy Day e esse nome do dia de protesto já mostra como o inglês invadiu o espaço público da França, mas isso é outra história. Pelo que li num jornal apenas mil pessoas responderam à convocação e foram protestar contra Sarko.

A maioria dos franceses preferiu dar outro recado. Nas eleições regionais de março, metade dos eleitores não foi votar. A outra metade que foi votou majoritariamente na esquerda.

Hoje, um grupo de deputados do partido do presidente numa ação inédita de rebelião contra Sarkozy publica no Le Monde um texto contra o famoso e controvertido “blouclier fiscal”, um presente aos ricos (menos impostos pagos mais dinheiro para os iates e jatos) e uma fonte a menos de receita para o Estado. Acusado de favorecer o mundo das finanças e governar para os ricos, o presidente nunca esteve tão baixo nas pesquisas. O primeiro ministro Fillon está 19 pontos acima dele. Já se fala em diversas candidaturas para 2012 dentro do UMP, partido que elegeu Sarkozy. Pelo jeito, ele já não é o candidato natural e vai haver engarrafamento de candidatos a candidato pelo UMP.

Ratos e camundongos


Estavámos no Le Select, Cecília B. e eu, quando passou um camundongo. Uma francesa deu um pequeno salto ao vê-lo passar. Nós seguimos com os olhos o bichinho fugindo, escapulindo aos olhares humanos.

Poucos dias antes, estava eu com Alcino L. no mesmo Select quando um pequeno camundongo nos surpreendeu muito perto dos nossos pés.

Cecília B. chamou o maître e contou o que vira. Ele se pôs a fazer piadas com a aparição, a dizer que Mickey, o famoso gato que mais parece um paxá e é um mito do Select, adora esses encontros com os bichinhos que, pelo visto, pululam por lá.

Agora, leio no Libération uma matéria incrível: Paris passa por uma uma explosão demográfica, tem 6 milhões de ratos e camundongos. Três para cada habitante. Sim, porque Paris intramuros tem apenas dois milhões de habitantes. Mas como esses bichinhos nojentos privilegiam os lugares sujos e insalubres, há muito mais ratos nos bairros pobres de Paris, oito a dez por habitante. Uma concentração de ratos para os habitantes mais desfavorecidos. Um especialista explica que com o inverno rigoroso que tivemos, eles procuram os lugares mais aquecidos e onde há alimentos.

Daí as aparições no Select.


“Que outros se vangloriem das frases que escreveram, eu me sinto orgulhoso das que li” (Jorge Luis Borges)


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