sábado, 15 de maio de 2010

Brasil no Le Point


Brésil, le nouvel eldorado. Com esse título a revista Le Point abre uma reportagem de capa de 21 páginas sobre o Brasil, mostrado como novo um Eldorado. A primeira matéria se intitula "O Brasil levanta voo", depois o presidente Lula ganha um longo perfil em “Lula, campeão do mundo dos presidentes”. O dossiê especial não deixa de falar do racismo, da conquista da Amazônia e “do homem que quer ser mais rico que Bill Gates” (Eike Batista). Os candidatos à presidência, Dilma e Serra têm direito a um perfil sucinto. O presidente Lula é descrito como "intuitivo, esperto e independente, com alma de negociador e inteligência política reconhecida até mesmo pelos que não gostam dele". O Brasil é “um gigante” no tamanho e nos números da economia, com previsão de crescimento de 6,8% para 2010, segundo o Morgan Stanley. A zona euro deve ter no máximo 1%, diz Le Point.
Na matéria que tem por título “No país do racismo cordial”, o historiador Joel Rufino é apresentado como um professor universitário que “fala um francês magnífico”, casado com uma psicanalista branca. Ele mora na Avenida Vieira Souto, “um dos endereços mais chiques do Rio”. Para concluir, a revista diz: “Eles são o único casal misto no prédio. Rufino conta que desde a infância compreendeu que para subir no mundo dos brancos tinha que ignorar os insultos e coisas desagradáveis. Ele mora há vinte anos nesse prédio e nunca nenhum morador lhe dirigiu uma palavra”.

Raoni com Chirac e Sarkozy

Vi o chef Raoni no Le Monde e, ao vivo, entrevistado na televisão. Estava em Paris para o lançamento do livro Les mémoires d’un chef indien, que tem prefácio de Jacques Chirac e foi escrito por um jornalista francês, Jean-Pierre Dutilleux. Raoni disse que veio “implorar a Jacques Chirac e a Nicolas Sarkozy para que impeçam o presidente brasileiro de construir a barragem sobre o rio Xingu”. Segundo ele, a barragem vai inundar uma região de 500 Km2 e será um desastre para os índios e a população da região.
No jornal do Canal Plus, Raoni pegou sua lança e começou a dançar para mostrar como os índios vão convocar a guerra se nada for feito. Todo mundo aplaudiu como se fosse um espetáculo. Mas Raoni não se exibia para gringo ver. Ele está muito preocupado e espera conseguir a intervenção de Sarkozy e de Chirac.
O problema é que os brancos franceses estão querendo vender Rafales aos brancos brasileiros. A diplomacia de branco passa pelos milhões de euros da venda de aviões e Sarkozy não vai querer sacrificar tudo por um “pequeno” problema ecológico.

Saint-Germain de Sartre, Beauvoir e Gréco

Há 30 anos o filósofo Jean-Paul Sartre morria em Paris. A revista Lire lançou um número fora de série sobre o filósofo existencialista para falar de sua filosofia mas também do homem que gostava dos cafés de Saint-Germain-des-Prés, que ele ajudou a tornar célebres. Hoje, a praça entre a igreja Saint-Germain-des-Prés e o café Les Deux Magots se chama Place Sartre-Beauvoir. Homenagem mais que merecida.
Na Lire, reencontramos seus cafés (Le Flore), seus restaurantes (La Coupole) e o Hôtel La Louisiane, na Rue de Seine, onde ele morou um tempo com Simone de Beauvoir (cada um no seu quarto, bien sûr). A revista fala também das namoradas de Sartre (muitas) e da filosofia sartreana, claro. No fim da leitura, estamos mais próximos do filósofo generoso com o dinheiro, com suas idéias e com seu tempo, que um dia escreveu: “Eu prefiro falar com uma mulher das coisas mais triviais do que de filosofia com Aron (Raymond)”.
Uma entrevista com a biógrafa inglesa Hazel Rowley, autora de Tête-à-tête. Beauvoir et Sartre, un pacte d’amour (Grasset, 2006) esclarece alguns ângulos desconhecidos da vida do casal. Ela diz: “Como sabemos, há uma coisa mais difícil que assumir o fardo de nossa própria liberdade : assumir a liberdade da pessoa que a gente ama”.
Para demonstrar como Sartre se tornara um mito universalmente respeitado e reconhecido desde os anos 50, Hazel Rowley comenta : “Nas fotos de sua visita ao Brasil, em 1960, uma multidão se comprimia num auditório para ouvi-lo: parecia mais um show de um Rolling Stones do que a conferência de um escritor”!
Juliette Gréco, que entrevistei para a Folha de São Paulo no ano passado, a musa dos existencialistas, começou a cantar incentivada por Sartre, que compôs para ela. Gréco conta que quando vai ao Café de Flore, do qual se sente “parte dos móveis”, costuma ouvir pessoas surpresas dizerem: “Olha, ela está viva”! E, segundo ela, os turistas japoneses se deliciam com a visão.

Godard em Cannes e nos USA

Jean-Paul Belmondo, 77 anos, foi aos Estados Unidos a convite do primeiro TCM Classic Film Festival para apresentar uma versão restaurada de A bout de souffle (Acossado), o primeiro longa-metragem de Jean-Luc Godard, que completa 50 anos este ano. Godard faz 80 anos em dezembro e tem sua nova obra, Film Socialisme, apresentada em Cannes esta semana. A bout de souffle, que marcou a história do cinema, foi rodado quando Godard tinha 29 anos. Gênio já nasce feito.
Belmondo, que a imprensa francesa chama carinhosamente de Bébel, comentou o prazer de trabalhar com Jean Seberg, contou como foi convidado por Godard para o filme cult da nouvelle vague e explicou por que nunca filmou em Hollywood: “Me sinto melhor em casa”. O mesmo festival apresentou uma versão nova de Pierrot le fou (de 1965), de Godard, com Belmondo e Anna Karina, que foi musa e mulher do cineasta. A atriz não pôde ir aos States por culpa do vulcão islandês.

A reação filosemita

“Hoje, as forças especiais israelenses são mais numerosas a combater no Iraque com uniforme americano, que na Cisjordânia e em Gaza com seu próprio uniforme” (Alexandre Adler, historiador e jornalista francês, de origem judaica, citado por Ivan Segré, doutor em filosofia, atualmente morando em Israel, em seu livro La réaction philosémite, ed. Lignes, Paris, 2009). O livro apresenta os novos intelectuais franceses judeus vindos da esquerda que se tornaram reacionários e defensores do “Ocidente” em nome do sionismo.
Adler, que defendeu publicamente o ataque de Israel a Gaza em 2008-2009, é partidário da “aliança total” dos Estados Unidos com Israel que, segundo ele, “limitará fatalmente a soberania do Estado judaico mas fará com que uma das fronteiras dos Estados Unidos se situe no Rio Jordão”.
Para mais informações sobre o livro e entrevista com o autor ir ao site :

http://www.editions-lignes.com/LA-REACTION-PHILOSEMITE.html


Publicado na Folha de São Paulo
Domingo, 09 de maio de 2010

O espectro do marxismo
Conferência sobre "a ideia de comunismo" proposta por Alain Badiou e Slavoj Zizek é reunida em livro


LENEIDE DUARTE-PLON
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA, DE PARIS
A luta de classes está de volta. O espectro de Marx reaparece para mostrar que a "ideia do comunismo" e sua utopia igualitária não morreram, apesar dos desvios e dos estragos feitos a elas pelo "socialismo real" e pelos totalitarismos que dele resultaram. Num momento em que o capitalismo triunfante parecia ter definitivamente enterrado Marx, 20 anos depois da queda do Muro de Berlim, 15 filósofos de horizontes distintos resolveram repensar o comunismo.
Esse "pequeno número de filósofos constitui, no mundo de hoje, o pequeno grupo dos que não se intimidam com a opinião dominante", escreve Alain Badiou na apresentação do novo livro "L'Idée du Communisme" (A Ideia do Comunismo, ed. Lignes). A obra traz as 15 exposições proferidas na Conferência de Londres, em maio do ano passado, por iniciativa de Alain Badiou e Slavoj Zizek.
Na apresentação, Badiou declara que tanto ele quando Zizek tinham certeza de que "repor em circulação esse velho vocábulo magnífico, não deixar os partidários do capitalismo liberal globalizado imporem um balanço pessoal de sua utilização, relançar a discussão sobre as etapas e os desvios inevitáveis da emancipação histórica da humanidade toda eram uma tarefa necessária para o que hoje se mostra dramaticamente ausente: uma independência total de pensamento diante do consenso ocidental "democrático" que apenas organiza universalmente sua própria e deletéria continuação desprovida de sentido".
O filósofo Jacques Rancière escreve: "A "crise" atual é de fato o freio da utopia capitalista que reinou sozinha durante os 20 anos que se seguiram à queda do império soviético: a utopia da autorregulação do mercado e da possibilidade de reorganizar o conjunto das instituições e das relações sociais, de reorganizar todas as formas de vida humana segundo a lógica do livre mercado".
Apresentadas em ordem alfabética, as conferências de Alain Badiou, Judith Balso, Bruno Bosteels, Susan Buck-Morss, Terry Eagleton, Peter Hallward, Michael Hardt, Minqi Li, Jean-Luc Nancy, Toni Negri, Jacques Rancière, Alessandro Russo, Alberto Toscano, Gianni Vattimo, Wang Hui e Slavoj Zizek abordam diferentes aspectos do pensamento comunista.
O filósofo e psicanalista esloveno Slavoj Zizek conta que, numa reunião de lacanianos em Buenos Aires, em 2008, encontrou um grupo de psicanalistas venezuelanos, ferrenhos opositores do regime de Hugo Chávez. Alegavam que o presidente venezuelano fosse "violento e criminoso".
Zizek escreve: "Eles esqueciam que o regime precedente, no qual milhões de pobres vivendo em favelas eram excluídos da riqueza gerada pelo petróleo, era, em todos os sentidos, mais violento e criminoso. Trata-se de um exemplo claro da maneira como a classe tangencia a visibilidade (invisível) da violência: a brutalidade policial cotidiana para com os pobres é invisível, enquanto a menor perturbação da rotina das classes médias é condenada como um ato de violência".

Polêmica
Inimigos de Badiou o acusaram, em fevereiro, de "terrorista de salão", "mestre perverso" e "velho perdedor", em texto no semanário francês "Marianne".
O filósofo francês mais lido e comentado no mundo enche mensalmente o enorme anfiteatro da École Normale Supérieure, em Paris. Pessoas de todas as idades se deslocam para ouvir seu seminário sobre Platão. Mas seus inimigos não perdoam o fato de fazer ressurgir o espectro de Marx. Ainda neste ano, uma conferência em Berlim prolongará a reflexão sobre a "ideia de comunismo".

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