segunda-feira, 10 de maio de 2010

Debilidade garantida


Na faixa etária de 4 a 14 anos os italianos são os europeus que mais veem televisão: 2h36m por dia. No país de Berlusconi _ o primeiro-ministro bufão, que deve fazer Dante, Da Vinci, Verdi, Antonioni e Visconti se virarem na tumba _ onde a televisão só não é mais vulgar que a brasileira, as redes do atual primeiro-ministro não vão ter problema de audiência quando esses jovens se tornarem adultos. A formatação de cérebros está funcionando a todo vapor.
A pesquisa dizia que depois dos italianos vêm os espanhóis com 2h29m por dia diante da televisão, na faixa de 4 a 14 anos. Em seguida, os franceses, 2h10m. Os alemães dessa faixa etária veem apenas 1h28m de televisão por dia. Sorte deles.

Pál Sarkozy e os quadros que despencam

Entrevistei o pai de Nicolas Sarkozy para a Folha de São Paulo no mês passado e a matéria foi publicada dia 30 de abril. Nesta quarta-feira, dia 5 de maio, resolvi dar um pulo com minha filha Viviana no Espace Cardin, na rua da embaixada americana, para ver a exposição de Monsieur Sarkozy. O estilo dele foi definido por um crítico como “Dalí kitsch” ou “pop art cafona”. A estética dos quadros é duvidosa, sem dúvida. Mas o que eu não poderia supor é que chegaria ao Espace Cardin para dar de cara com a exposição fechada. Os quadros caíram da parede, nos disse a recepcionista. Nem as paredes do Espace Cardin suportaram tanta cafonice.
Pál Sarkozy, um homem gentil e bem educado, mora num apartamento deslumbrante na Ile de la Jatte, bairro chique entre Neuilly, onde seu filho começou a carreira política como vereador e prefeito, e Levallois, as duas cidades mais ricas da banlieue parisiense. Neuilly, paraíso de milionários, tem o maior PIB da França.
Enquanto prepara um café expresso, Monsieur Sarkozy conta sua viagem ao Brasil, há duas décadas. Fala do réveillon em Copacabana, das pessoas vestidas de branco, dos fogos, das luzes e de uma lembrança mais faceira: as mais belas nádegas que ele já viu foram as das brasileiras, sobretudo da Bahia.
O pai do presidente casou quatro vezes e teve cinco filhos. Pál foi descrito por um jornal francês como um gêmeo de seu filho Nicolas: ambos são hiperativos, trabalhadores, exigentes, coléricos e gostam do vil metal. Depois da eleição do filho, o pai contabilizou 214 livros sobre o rebento no qual seu retrato não era dos mais edificantes: pai negligente, ausente, distante. Para retificar o que considera como inverdades, Pál Sarkozy pegou a pluma e lançou este ano “Tant de vie”. Aos 82 anos, o elegante e esbelto senhor se tornou escritor. Ele garante que o filho leu as provas e não pediu nenhuma modificação. Sua ex-mulher, mãe do presidente, tem a intimidade indiscretamente revelada: não era virgem na noite de núpcias. Segundo ele, ela se divertiu ao tomar conhecimento, 60 anos depois, da decepção do jovem marido húngaro.
« Recebi impressões muito positivas, inclusive da minha ex-mulher, a primeira, de quem conto coisas íntimas que guardei durante 60 anos. Falei com ela e ela riu muito. Durante 60 anos não fiz nenhum comentário nem crítica”.
No interfone, onde todos os moradores colocam seus sobrenomes, apenas as iniciais PSNB (Pál Sarkozy Nagy-Bócsai) indicam o apartamento do ex-publicitário. Há 5 anos, Pál Sarkozy resolveu começar a fazer telas com uma técnica mista. Ele concebe o quadro com o amigo Werner Hornung, ex-publicitário como ele, desenha um esboço e depois Hornung trabalha as imagens num computador. Há dois anos, os dois amigos começaram a expor em diversos países da Europa.
O quadro principal da exposição é um retrato de Pierre Cardin, em tiragem única. Todos os outros quadros têm tiragens de até seis cópias e são vendidos em torno de 10 mil euros, como o retrato que o pai fez do filho.
A pintura de Pál Sarkozy é nula, o livro de Pál Sarkozy é nulo, o filho de Pál Sarkozy é nulo. Se não fosse “pai de”, Monsieur Sarkozy não exporia nunca seus quadros que até as paredes rejeitam.

Publicado originalmente no Observatório da Imprensa (www.observatoriodaimprensa.com.br )
SEQUESTRO DE JORNALISTAS
O debate sobre a cobertura de conflitos

Por Leneide Duarte-Plon, de Paris em 4/5/2010

To go or not to go? Os jornais têm o direito de mandar correspondentes para zonas de guerra pondo em risco a vida de profissionais? O sequestro de um jornalista é um acidente de trabalho ou culpa de "imprudentes"? Quanto vale a vida de um jornalista? E quanto vale a vida de um jornalista refém?
A última pergunta tem resposta objetiva. Quanto os talibãs estão cobrando à França para libertarem os jornalistas Hervé Ghesquière, de 47 anos, e Stéphane Taponier, de 46 anos, sequestrados no Afeganistão no dia 30 de dezembro, juntamente com dois acompanhantes afegãos, quando realizavam uma reportagem para o canal estatal de France Télévisions, France 3?
Depois de qualificar os dois jornalistas de "irresponsáveis" por terem ido buscar informações "espetaculares e inúteis" no Afeganistão, o general Georgelin, chefe do Estado-Maior das três armas, chegou a mencionar, numa entrevista em fevereiro, a cifra de "mais de 10 milhões de euros" exigida pelos talibãs para libertar os prisioneiros. E, segundo ele, quem vai pagar, se houver acordo nesse sentido, é o Estado francês, ou seja, o contribuinte. Além do mais, os "imprudentes" mobilizam homens armados e recursos que deveriam estar dirigidos para o combate contra os terroristas (que são vistos por parte da população como resistentes).
Jornalistas inconscientes?
Dia 11 de abril, os talibãs difundiram num site islâmico um vídeo dos dois jornalistas em que eles declaram correr risco de vida se Paris não conseguir que Cabul e Washington libertem os prisioneiros afegãos para efetuar uma troca proposta pelos talibãs. Um vídeo já tinha sido divulgado em fevereiro como prova de vida e garantia de que os dois reféns estavam sendo bem tratados.
A grande polêmica começou quando, em janeiro, poucos dias depois do sequestro, guardado em sigilo pelas autoridades francesas, saiu na imprensa a controvérsia: os jornalistas devem ir ou não trabalhar em zonas de guerra, consideradas de altíssimo risco? Debatia-se em tese, uma vez que os nomes dos jornalistas e as circunstâncias do sequestro não podiam ser divulgadas pela a imprensa para não atrapalhar as negociações.
O secretário-geral do Eliseu, Claude Guéant, criticou os dois jornalistas como "inconscientes, agindo em contradição com as normas de segurança, com imprudência indesculpável". A reação dos jornalistas parisienses não demorou a aparecer em artigos e reportagens na imprensa. "Cinismo chocante, indigno de uma autoridade", reagiu a Société des journalistes de France 3, considerando que não se pode criticar os colegas "sequestrados no exercício da profissão". "Fala-se de liberdade de informação e nos dizem que a conta será salgada. Ora, ela é salgada primeiramente para eles, que foram sequestrados!", indigna-se Florence Aubenas, ex-jornalista do Libération, sequestrada no Iraque com seu tradutor e fixeur, e mantida em cativeiro por cinco meses, de janeiro a junho de 2005. Seu sequestro mobilizou toda a mídia francesa numa campanha permanente por sua libertação. O governo francês não quis comentar o preço de sua libertação.
Testemunhas de realidades
Alain Genestar, fundador do site Polka Magazine (que se tornou uma revista impressa no ano passado), escreveu um vibrante artigo no Le Monde defendendo a tradição dos repórteres de guerra, começando por relembrar a brilhante carreira de um deles, Robert Capa, responsável pela cobertura da guerra da Espanha, do desembarque dos aliados na Normandia, em 6 de junho de 1944, além da guerra da Indochina, na qual perdeu a vida. Seria Capa um imprudente indesculpável? Ele não foi sequestrado, os contribuintes não pagaram sua libertação, mas ele deixou fotos que marcaram a história do fotojornalismo e pagou sua coragem com a própria vida.
Antes de Florence Aubenas, os jornalistas Christian Chesnot et Georges Malbrunot foram capturados em 20 de agosto de 2004, também no Iraque, pelo Exército islâmico no Iraque juntamente com o chofer sírio Mohamed Al-Joundi. Os sequestradores deram um ultimato ao governo francês: anular a lei sobre a laicidade em 48 horas para que eles fossem libertados. O país se mobilizou para pedir às autoridades que as negociações fossem rapidamente concluídas. Eles foram libertados depois de 124 dias de captura. Mais uma vez, silêncio sobre eventual custo da libertação dos jornalistas.
Desses dois outros sequestros até o atual, mudou a estratégia do governo. Durante quase cem dias, a mídia ficou proibida de divulgar os nomes dos jornalistas a pedido do Quai d´Orsay (Ministério das Relações Exteriores), para não prejudicar as negociações e evitar por em risco a vida dos reféns. E uma autoridade chegou a criticar o alto preço que um sequestro representa para o país!
Importantes testemunhas de realidades que ficariam desconhecidas sem a coragem deles, encobertas muitas vezes por enganosa propaganda oficial, os repórteres de guerra e os fotojornalistas são indispensáveis veículos das atrocidades da guerra. Muitos deixaram suas vidas nessas coberturas. Não é justo que sejam acusados de sua própria morte ou sequestro.

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