terça-feira, 25 de maio de 2010

Nossos torturadores serão julgados? Cidadão Boilesen em Paris



Leio no Le Monde de 5 de maio: O ex-ditador Videla será julgado pelo desaparecimento de um alemão em 1978.
A notícia era curta e dizia que a graça da qual se beneficiava Jorge Videla seria anulada para que o ex-ditador argentino pudesse ser julgado por sequestros, tortura e quarenta homicídios, entre eles de um cidadão alemão. A maioria das quarenta vítimas, encontradas enterradas com as iniciais “N. N.” nos cemitérios de Buenos Aires, foram identificadas recentemente por uma equipe de legistas. Entre elas estava o corpo do alemão Rolf Stawowiok, desaparecido em 1978.
A Justiça tarda mas chega para o povo argentino que se reconcilia com seu passado através do julgamento de crimes até hoje impunes. Tortura e eliminação de dissidentes políticos são crimes imprescritíveis. Ou não?

Fui ver o premiado e excelente filme argentino “O segredo dos teus olhos”, que passa em Paris com o título “Dans ses yeux” e logo depois li a notícia do julgamento de Videla. Faz bem ver o esforço da Argentina em passar a limpo o passado.

Quando o Brasil vai julgar Bilhante Ustra e seus colegas torturadores?
Pude rever em Paris esta semana o filme Cidadão Boilesen, no qual Ustra responde às perguntas do autor do filme, Chaim Litewski, lendo um texto em que nega em bloco todas as verdades conhecidas. No final da projeção, pudemos dialogar com o ex-guerrilheiro e participante do filme, Carlos Eugênio Paz, que veio a Paris a convite dos organizadores do Festival do Cinema Brasileiro, que terminou na terça-feira, 18 de maio.
Quem se interessar pela história recente do Brasil deve ler o excelente livro de Carlos Eugênio Paz, Viagem à luta armada-Memórias da guerrilha, Editora Best-Seller. O livro tem um ótimo prefácio de Franklin Martins.

O grande Yves no Petit Palais

Chego para ver a exposição de Saint Laurent com minha filha Viviana uma hora antes de fechar. Vieram nos avisar no fim da fila para comprar os ingressos que o museu ia parar de vender. Eram quatro horas. Me despedi de minha filha, que foi fazer outro programa, e entrei no museu usando minha carteira de jornalista, passando na frente de todos os que esperavam na longa fila, que se desfez rapidamente.

Como jornalista não preciso fazer fila, além de entrar sem pagar em qualquer museu francês, com a carteira de imprensa estrangeira, renovada anualmente pelo Ministério das Relações Exteriores. São privilégios que julgo perfeitamente normais, afinal os jornalistas estão sempre apressados, correndo de uma entrevista à redação, de uma exposição a um encontro de trabalho. E a gratuidade em museus é um pequeno privilégio para profissionais que não ganham salários fantásticos (com pequenas exceções) e precisam se informar, conhecer o que se passa no mundo das artes e adquirir uma bagagem cultural razoável. Meu amigo Ricardo Boechat é contra esse tipo de privilégio e já tivemos uma discussão acalorada sobre isso. Acho perfeitamente defensável jornalistas não pagarem museus, mas sou contra qualquer tipo de vantagem fiscal para jornalistas, como já foi o caso no Brasil.

Até 29 de agosto, quem vier a Paris não pode perder a exposição do Petit Palais que homenageia o maior artista da moda do século XX. A exposição tem 300 modelos de alta costura de Yves Saint Laurent, além de croquis, vídeos de desfiles e fotos. A obra do artista pode ser vista em ordem cronológica numa profusão de cores e estilos. São 40 anos de criação de um dos maiores artistas do século, o homem que tirou o smoking dos armários masculinos, feminizou-o e vestiu mulheres como Laetitia Casta e Catherine Deneuve, além de baronesas e burguesas de diversos continentes. A divina Deneuve, que foi musa e amiga de Yves, tem uma sala com vestidos exclusivamente criados para alguns de seus filmes que passam em vídeo.

A exposição é uma iniciativa da fundação Pierre Bergé-Yves Saint Laurent “sous le haut patronage de Madame Carla Bruni-Sarkozy”. Juntamente com a abertura da mostra, houve o lançamento simultâneo de vários livros sobre Saint Laurent, entre eles o livro de Pirre Bergé, “Lettres à Yves”. E em breve sai nos cinemas o filme de Pierre Thoretton, “Yves Saint Laurent-Pierre Bergé, l’amour fou”.

Beaubourg-Metz

O Beaubourg (Centre Georges Pompidou) ganhou uma sucursal na cidade de Metz. Mais um motivo para visitar essa charmosa cidade do Leste da França, ligada a Paris pelo TGV em menos de duas horas de uma viagem confortável, com a paisagem da Champagne e da Lorraine como bônus.

Amigos de Metz que estiveram na inauguração nos falaram da beleza do museu que vimos na televisão, de arquitetura ousada e do nível extraordinário da primeira exposição que reúne 700 das melhores obras do acervo do Beaubourg de Paris. A mostra se chama “Chefs-d’oeuvre?”, como uma interrogação sobre o significado de uma obra-prima. O Beaubourg-Metz vai rivalizar com a magnífica catedral da cidade, duas boas razões para visitar essa charmosa cidade da Lorraine. O museu deve funcionar para Metz como o Museu Guggenheim funciona para a cidade de Bilbao desde que foi fundado : um polo de atração turística que dinamiza toda a economia da cidade.

Na inauguração do Beaubourg-Metz uma senhora contava sua emoção de ver um Picasso pela primeira vez. As obras-primas saem de Paris para emocionar quem não pode viajar à capital.

Latune, o papel de Van Gogh e de Jules Verne


Claude Hordern é psicanalista. Depois de morar muitos anos no sul da França, comprou uma casa na região da Drôme e hoje trabalha na cidade de Valence. A Drôme é uma região belíssima, banhada pelo rio Drôme, afluente do Ródano.

Claude é neta de um antigo fabricante de papel, Charles Latune, que deu nome ao papel que fabricava. Na sua casa, ela guarda uma espécie de parafuso gigante que hoje decora sua sala. Esse parafuso era uma das peças da máquina que fabricava o papel no qual escrevia Jules Verne e no qual desenhava Van Gogh. Os cartões de visita da presidência da República também eram fabricados pela fábrica Latune, que teve de fechar as portas em 1973, pois os processos de fabricação do papel tinham sido superados por métodos mais modernos e rentáveis.

Hoje, os prédios que abrigaram a fábrica de papel e as casas dos patrões e empregados formam um belo conjunto de edifícios de pedra da pequena cidade de Blacons. Um deles é a sede da prefeitura.

Deixei a casa de Claude depois de ter ouvido muitas histórias da guerra. Procurando um parente dela que pertencia à Resistência, os soldados alemães prenderam na adega a menina com seu avô e duas outras pessoas. Diariamente os ameaçavam de morte e quebravam parte das garrafas de vinho da adega. “Nem mesmo tinham o bom gosto de beber o vinho. Destruíam as garrafas para nos chocar e ameaçar”, lembra Claude Hordern. A sorte da família é que logo depois os aliados libertaram a França.

Harry Connick Jr. em Paris: o cantor e a first lady

Finalmente. Depois de tentar duas vezes comprar ingressos para shows de Harry Connick Jr. (em Nova York e em Paris), vi e ouvi o maior cantor americano na Salle Pleyel, dia 13 de maio. Ele é um misto de Frank Sinatra e Chet Baker, músico de jazz, pianista e cantor de primeira linha.

Na sala Pleyel, minha filha Viviana, a jornalista Anna Lee e eu vivemos um momento musical inesquecível e descobrimos um americano com um senso de humor britânico. Entre uma canção e outra Harry conta histórias e faz comentários. Ele fez um número de imitação do mau humor francês para dar informações que é uma pequena obra-prima. Apesar de serem o alvo, os franceses aplaudiram e riram muito das piadas do cantor.

Ele também brincou com o fato de ter cantado uma canção com a “first lady” Carla Bruni-Sarkozy. O cantor e a first lady se apresentaram na televisão ao vivo cantando em inglês. Harry fez piadas com um hipotético e-mail convidando-a para o show.
Até agora, ninguém teve a ideia de inventar um romance entre os dois.

Nenhum comentário: