quarta-feira, 9 de junho de 2010

Ship to Gaza : a viagem de socorro humanitário que virou tragédia contada pelo escritor sueco Henning Mankell



O que acontecerá no ano que vem quando viermos com centenas de barcos ? Eles jogarão uma bomba atômica ?”
Henning Mankell, escritor sueco que fazia parte do grupo de militantes pacifistas da frota interceptada por Israel em águas internacionais dia 31/05/10

O grande escritor sueco Henning Mankell, de 62 anos, estava num dos seis navios atacados por Israel em águas internacionais no dia 31 de maio deste ano. O jornal Libération datado de 5 e 6 de junho publicou quatro páginas do relato do escritor, parte de seu diário escrito no navio e depois na prisão israelense. Mankell é apresentado por Libération como “um humanista, coerente e consequente, para quem a situação dos palestinos parece uma injustiça insuportável”.

Desde 1985, ele vive seis meses por ano na Suécia e seis meses em Moçambique, onde dirige um teatro financiado por seus livros, a maioria grandes sucessos de vendas. Mankell viveu na África do Sul do tempo do apartheid e dessa experiência vem a comparação com a situação palestina.

Frases escolhidas do diário do escritor:
“A operação Ship to Gaza tem um objetivo claro: furar o bloqueio ilegal que Israel impõe a Gaza. Desde a guerra do ano passado, a existência dos palestinos que vivem em Gaza ficou cada vez mais intolerável.” (...) Nós agimos baseados na não-violência, sem armas, sem vontade de confronto. Se formos impedidos de prosseguir, tudo deve ser resolvido sem que a vida dos participantes seja posta em perigo”.

“Os palestinos, obrigados pelos israelenses a viver na miséria, precisam saber que não estão sozinhos e que o mundo não os esqueceu. É preciso que a existência deles seja lembrada ao mundo. E aproveitamos esse momento para levar a eles alguns produtos básicos: medicamentos, material para a dessalinização da água e cimento”.
“Fomos atacados em pleno mar, em águas internacionais. Isso significa que os israelenses se comportaram como piratas, nem melhor nem pior que os que atacam ao largo da Somália. Desde o momento em que eles assumiram o comando dos navios e começaram a se dirigir para Israel, pode-se dizer que fomos sequestrados”.

“Entre os soldados há também soldadas. Elas parecem deslocadas, desapontadas. Quem sabe vão fazer parte daqueles e daquelas que fogem para Goa para se drogar até morrer, logo depois que o serviço militar termina. Isso acontece muito.”

“Um mito cai por terra : o do soldado israelense corajoso e sem mácula. Agora pode-se dizer que eles são desprezíveis ladrões. Não fui o único a ter tudo confiscado: dinheiro, cartão de crédito, roupas, telefone celular, computador. Nossos pertences foram confiscados de todos nós de madrugada por soldados encapuzados que não eram senão falsos piratas”.

“Vou fazer o possível para que meus livros não sejam mais traduzidos para o hebraico”.

Muitas das 682 pessoas que estavam nos seis navios testemunharam na Europa que seus pertences não foram devolvidos por Israel. Na frota de seis navios havia 380 turcos, 38 gregos, 31 britânicos, 30 jornanianos, 28 argelinos, 11 suecos, 9 franceses, 7 irlandeses, 6 italianos e 3 canadenses.
Para ler o relato integral de Mankell :
http://www.liberation.fr/monde/0101639686-henning-mankell-recit-de-l-ecrivain-embarque

Expulsar ou libertar?

Os leitores inundaram os jornais franceses de cartas defendendo Israel ou criticando o “ato de pirataria” do comando israelense. Numa das cartas, pude ler uma argumentação que nenhum jornal teve o cuidado de fazer : o vocabulário de propaganda tem que ser “traduzido” para fazer sentido.

O leitor François Demay escreveu ao Le Monde: Quando a mídia diz que “Israel acelera a expulsão dos ativistas estrangeiros capturados por seus comandos” precisamos fazer uma distinção. Em vez dessa frase os jornais do mundo inteiro deveriam ter escrito: “Israel acelera a libertação dos ativistas estrangeiros capturados por seus comandos militares”.

Como argumenta Demay, não se trata de expulsão. As pessoas em questão não pediram para entrar no território de Israel mas foram sequestradas em águas internacionais. Israel apenas deixou partir as pessoas presas ilegalmente por suas forças armadas nos barcos da frota.

Todos sabemos que a primeira providência de um governo para buscar um consenso é adaptar a língua e a semântica a seus objetivos de propaganda. Isso foi feito pelos nazistas, pelos militares brasileiros e por todos os governantes que pretendem controlar as mentes de seus governados.

Lembremos da frase de Chomsky : “Nas sociedades mais democráticas, o recurso à força deve ser substituído por uma propaganda eficaz na “batalha eterna para controlar o cérebro dos homens” e para “fabricar o consenso” graças a “ilusões necessárias” e por uma “simplificação extrema, poderosa emocionalmente”.

David Grossman, uma consciência crítica

Na revista Le Nouvel Observateur, o escritor israelense David Grossman escreveu:

“O embargo de Gaza fracassou. Faz mais de quatro anos que ele não funciona. Ele não se tornou simplesmente imoral mas também impraticável. Ele só faz piorar a situação e ainda por cima vai contra os interesses vitais de Israel”. (...)

Sobre a operação do exército israelense que resultou na morte de pacifistas, Grossman escreve:

“Mais que tudo, essa operação insensata dá a medida do declínio de Israel. Nem é preciso demonstrar. Todos podem ver com seus próprios olhos. Alguns entre nós tentam justificar o injustificável e fazer com que o resto do mundo endosse a culpa de Israel. Por esse motivo, nossa vergonha será mais pesada ainda”.

Quem pode dizer que ele exagera?





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