sábado, 25 de setembro de 2010

Balanço dos anos Lula - Os jornalistas (franceses) adoram nosso presidente

Leneide Duarte-Plon, de Paris*

O momento não poderia ser melhor para a imprensa francesa dedicar números especiais ao Brasil: o segundo mandato do presidente Lula chega ao fim. Um balanço dos últimos oito anos serviu de pretexto para três revistas importantes produzirem especiais que estampam na capa títulos que jamais poderiam ser lidos nos jornaleiros brasileiros:
Le Monde Diplomatique-Manière de voir : “Là où le Brésil va… » (Para onde o Brasil for…) ;
Les Inrockuptibles : « Brésil, le pays où la gauche a réussi » (Brasil, o país onde a esquerda deu certo)
Le Monde-hors série : « Brésil, un géant s’impose » (Brasil, um gigante se impõe).

Os jornalistas e intelectuais franceses se mostram cada vez mais interessados por um país de dimensões continentais que aparece como uma potência emergente do século XXI. Sem angelismos, com análises críticas sobre violência urbana, desigualdades abissais e outras mazelas, as revistas são unânimes em apontar o legado positivo.

Para explicar o país e sua história aos leitores, Le Monde Diplomatique dedicou ao Brasil um especial da série “Manière de voir”, de outubro-novembro, com o título « Là où le Brésil va… » (Para onde o Brasil for…), parte da frase atribuída a Nixon que dizia : « Para onde for o Brasil irá a América Latina ». Os artigos são uma seleção de textos publicados no Le Monde Diplomatique de 1975 a setembro de 2010 por jornalistas, economistas e professores universitários, além de uma cronologia da história recente e resumo biográfico dos principais candidatos à presidência e outros personagens da história recente.

Os textos analisam o país sob diversos ângulos. Quem conseguir ler todos terá aprendido muito sobre o Brasil. O penúltimo texto, do jornalista Lamia Oualalou, publicado originalmente em janeiro de 2010, chama-se Brasília oublie le “complexe du chien bâtard » (Brasília esquece o « compexo de vira-latas ») e resume seu conteúdo na abertura : « Tendo sofrido muito tempo do “complexo de vira-latas – caracterizado pelo fato de pensar que não tem importância – o Brasil se torna uma potência econômica e política que deve ser levada em conta. Mantendo laços estreitos com os presidentes radicais da América Latina ou defendendo o Irã, o Brasil de Lula não deixou de conservar boas relações com os Estados Unidos ».

Na apresentação do número especial, o artigo de Renaud Lambert é francamente favorável ao balanço do governo Lula. Ele informa que os magos do Banco Mundial predizem que até 2014 a economia brasileira será a quinta do mundo (lugar atualmente ocupado pela França). E lembra que em pleno desastre da crise financeira o Brasil emprestou 14 bilhões de dólares ao FMI.

Depois de citar todos os grandes prêmios internacionais recebidos por Lula, entre eles o « Homem do ano de 2009 », do Le Monde, o prêmio do Programa Alimentar Mundial (da ONU) que proclamou o brasileiro « Campeão mundial da luta contra a fome » e « Estadista mundial de 2010 » em Davos, Lambert informa ao leitor francês que o presidente brasileiro deixa o poder com quase 80% de aprovação. Enquanto isso, Sarkozy, pena em passar dos 30% de aprovação...

Elogios não impedem, contudo, uma análise objetiva. No texto intitulado « Os anos Lula » a revista diz que apesar de ter criado fontes de renda para um grande número de pobres, « o governo Lula não afetou as vinte mil famílias que dirigem o Brasil, que continuam ricas, e nem descontentou o famoso mercado que soube festejar sua conversão ao « realismo ».

Outro especial, o do Le Monde hors série vai mais ou menos na mesma direção mostrando a emergência do gigante que se impõe na cena internacional. A capa é verde e amarela, numa explosão de imagens do país com o título : « Brésil, un géant s’impose » (Brasil, um gigante se impõe).

O editorial fala de « Uma irresistível ascensão » e três entrevistas « explicam » o país aos leitores : uma com o historiador Luiz Felipe de Alencastro, professor em Paris, outra com o ex-embaixador Alain Rouquié, que critica o nepotismo e o clientelismo da política brasileira, e a terceira com o franco-brasileiro Carlos Ghosn, presidente-diretor-geral da Renault-Nissan, nascido em Porto Velho, no Estado de Rondônia, que diz que o país está longe de ter explorado todo seu potencial.

« Como diz um poderoso homem de negócios visivelmente satisfeito : Lula sabe conciliar gregos e troianos ». A frase é citada pelo correspondente do Le Monde Jean-Pierre Langellier no artigo intitulado « Lula, consagração de um homem do povo ». O jornalista constata que o presidente fez uma política otimista e pragmática e deixa o poder mais popular que quando foi eleito, « mesmo que não tenha cumprido todas as promessas ».

Mas nem tudo é louvação. Langellier dedica um outro artigo às tiradas infelizes do presidente, que ele apresenta como um orador de talento mas que derrapa quando compara « a uma rivalidade entre Flamento e Vasco » as manifestações de rua em Teerã contra uma suposta fraude nas eleições de 2009. Fraude que Lula considerou « impossível ».

Finalmente, a última das três revistas que se rendeu ao charme discreto da esquerda brasileira foi Les Inrockuptibles. No número datado de 15 a 21 de setembro, a revista cultural inaugura novo projeto gráfico e nova proposta de mais informação e política. A capa é um Lula sorridente e o título não podia ser mais irritante para a imprensa brasileira que tenta a todo custo ocultar ou anular totalmente o legado de Lula : « Brésil, le pays où la gauche a réussi » (Brasil, o país onde a esquerda deu certo).

No texto em que analisa os anos Lula, Serge Kaganski diz no final : « O chefe de Estado oriundo da esquerda radical soube evitar as duas armadilhas habituais do poder : a dissolução no consenso sem tônus ou a deriva populista-ditatorial. Melhor ainda, ele soube ser eficaz economicamente, socialmente equitável e democraticamente impecável ».

Dedicidamente, o presidente Lula empolga os jornalistas.

Os franceses, claro, esses atrasados patológicos que ainda falam de direita e esquerda.
*Publicado originalmente no site www.observatoriodaimprensa.com.br

Greve e passeatas contra a reforma da previdência

A brasileira Eyleen Marenco, que mora em Lisboa, ia chegar a Paris na quinta-feira, dia 23 de setembro para uns dias de férias. Não contava com a greve geral que perturbou todos os serviços de transportes, fechou escolas e diminuiu o ritmo do país, para que milhões de pessoas fossem às ruas em diversas cidades francesas protestar contra a reforma da previdência, votada sob tensão pelos deputados, na semana passada. Eyleen recebeu um aviso de que seu voo fora cancelado. Chegou a Paris dois dias depois. Como ela, milhares de pessoas tiveram que se organizar para enfrentar a greve geral. Cenas da passeata parisiense aqui

A reforma passa de 60 para 62 anos a idade legal de aposentadoria. Mas quem exerce profissões que exigem esforço repetitivo, quem carrega peso acarretando graves problemas de coluna, quem trabalha em diversas atividades insalubres viverá até 62 anos para desfrutar de uma justa aposentadoria ? Os franceses acham que o governo pode ir buscar dinheiro para financiar as aposentadorias taxando mais o capital e os ricos. Estes receberam um presente de Sarkozy, o famoso « bouclier fiscal » (escudo fiscal), que os protege de pagarem mais que 50% de seus rendimentos em impostos.

Somente um exemplo : a dona da L’Oréal, Liliane Bettencourt, de 87 anos, ganha por dia (eu disse por dia !) 750 mil euros (quase um milhão de euros) de dividendos de sua fortuna. Ela não poderia pagar um pouco mais de 50% de impostos ? Sarkozy acha que não. Antes da era Sarkozy, os ricos franceses pagavam mais impostos, contribuindo para o que se chama « justiça fiscal », isto é, quem tem mais paga mais. Mas Sarkozy lhes deu de presente o « bouclier » que estabaleceu em 50% o limite da carga de impostos. Graças ao « bouclier fiscal », no ano passado, o fisco devolveu a madame Bettencourt 30 milhões de euros descontados a mais.

Todo mundo sabe que as aposentadorias precisam ser pagas e o rombo da previdência é enorme. Mas quem vai arcar com as consequências mais uma vez são os trabalhadores. É o mundo do liberalismo desenfreado que o presidente francês quer implantar no país sob o slogan de « modernisation ».


No final da passeata da quinta-feira, 23 de setembro, um dos sindicatos organizadores da greve e das « manifs », a CNT (Confederação Nacional do Trabalho) decidiu descer o Boulevard Raspail, saindo de Denfert Rochereau e ir até a sede do Medef (o sindicato dos patrões franceses) protestar contra a reforma, feita sob medida para agradar ao Medef.
A manif tomou o Boulevard du Montparnasse passando em frente da divisão de CRS, esses simpáticos cavalheiros das fotos, a tropa de choque da polícia francesa, que fechara o Boulevard Raspail a partir de Vavin.


Apesar da aparência de guerreiros da idade média, os CRS estão lá apenas para intervir em casos extremos, quando casseurs se infiltram nas passeatas para provocar confrontos e tumultos. Mas quando resolvem intervir, não é com diplomacia, digamos assim. Como na maioria das vezes, os CRS se desmobilizaram logo depois da passagem da passeata e tudo voltou ao normal.

Um americano entrevistado pela televisão em Paris, ao deixar o filho na escola americana, mostrava sua perplexidade com esse povo tão politizado: "Não sei por que hoje tem greve mas os franceses fazem uma greve e uma manif todo mês".


As fotos são de quinta-feira, às 17horas, em frente à estátua de Balzac, de Rodin, no cruzamento do Boulevard Raspail com o Boulevard du Montparnasse, e em frente ao restaurante La Rotonde.


Isabelle Huppert come “bio”

Domingo, como faço regularmente, fui à feira de produtos orgânicos do Boulevard Raspail (marché bio) que comemorou 20 anos no ano passado. Os produtos são mais caros que nas feiras tradicionais mas são « bio », isto é, foram cultivados sem agrotóxicos. Essa feira « bio » é um charme total, cheia de novidades e produtos mais saudáveis. Tem até vinho « bio ».

Neste domingo, quem estava a meu lado, fazendo suas compras como uma francesa comum era Isabelle Huppert. De jeans, trench coat, óculos escuros, a atriz que é baixa e magrinha, passa por « madame tout le monde ». Ninguém a reconhece.

Na última entrevista que vi de Claude Chabrol na televisão, o cineasta falecido este mês comentou sua admiração por Isabelle Huppert que fez com ele alguns grandes filmes (entre eles « Madame Bovary »). Em um momento, ele virou para a câmera e disse : « Isabelle, você está muito magrinha, precisa engordar uns quilinhos ».

Descobri o segredo de Isabelle Huppert. Ela come « bio ».

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