segunda-feira, 14 de novembro de 2011

LACANIANAS


M.D., um psicanalista que conheço, filho de um filósofo célébre e respeitado, autor de uma obra estudada no mundo todo, teve, como todo jovem (segundo a teoria freudiana), que se construir em oposição ao pai para se emancipar e se afirmar. Uma psicanalista próxima de M.D. me contou duas histórias incríveis que presenciou. Numa reunião de psicanalistas, o filho do filósofo teve uma reação incompreensível porque não havia água Perrier. « Ouça bem, ele ficou furioso porque não havia água Perrier », conta minha amiga. « Le père y est », era a causa da bronca. Ou seja, o pai estava lá.
Em outra ocasião, esse mesmo psicanalista não conseguiu terminar de ler o texto de uma conferência que fazia para um grupo de colegas, num encontro de psicanalistas. Em determinado momento, perdeu completamente a visão. Alguém continuou a ler. Ele parou na frase que dizia : « Tu es le père ». Segundo a teoria lacaniana, essa mesma frase pode ser ouvida como « Tu hais le père » ou « Tuer le père ».  Nada mais revelador do inconsciente do filho, que, freudianamente, se construiu em revolta contra seu próprio pai. « Matar” ou “odiar” o pai era necessário e, ao mesmo tempo, insuportável. Daí a cegueira passageira de que foi acometido.

Contra a violência feita às mulheres
No sábado, ao sair da exposição Pompéï (Pompeia), no musée Maillol, me deparei com a passeata contra a violência feita às mulheres. Ela passava pela Rue de Grenelle, cercada de policiais que costumam proteger toda passeata parisiense. E, dependendo da época, elas são mais de uma por semana.
O estupro é o único crime em que a vítima se sente culpada, diz um slogan feminista. Na França, 200 mulheres são estupradas por dia e somente uma pequena parte dessas mulheres tem coragem de dar queixa. « Ao contar que fui estuprada, não estou violando minha integridade física ou psíquica. Falo apenas para dizer às mulheres que é possível retomar uma vida normal e não apenas sobreviver », diz a feminista Clémentine Autain, 38 anos, diretora da revista Regards.
Ao ver um documentário sobre a vida de Serge Gainsbourg que passou na televisão esta semana fiquei sabendo por um dos entrevistados que Jane Birkin deixou-o porque ele bebia muito. E batia nela. Os agressores podem ser gênios e simpáticos. Mas merecem ser punidos.
Entrevistada para o documentário, Jane Birkin falou de Serge como um homem engraçado, um grande compositor e um pai disponível para as brincadeiras com a filha de ambos, Charlotte, e com a filha de Jane, Kate. Jane nunca contou que Serge Gainsbourg batia nela. Um silêncio discreto que pode ser visto como uma forma de proteger a memória de Serge mas também como uma forma de evitar a imagem de vítima. Jane is so cool. Ela prefere ser vista como a companheira dos anos felizes do artista torturado que foi Gainsbourg.     


Sarkozy : Netaniahu é mentiroso

No Brasil, aconteceu o mesmo em escala infinitamente menor, envolvendo o ex-ministro Rubens Ricupero e um jornalista. Quem ainda lembra ? O ministro dizia ao jornalista : «Eu não tenho escrúpulos. O que é bom a gente divulga. O que é ruim esconde ». As imagens foram gravadas sem que nem o jornalista nem o ministro soubessem que a gravação continuava, encerrada a entrevista. O escândalo ficou em imagens, impossível de desmentir. O ministro, flagrado dizendo frase tão cínica, renunciou ao cargo.
No G-20 de Cannes, dia 3 de novembro, foi mais grave pois quando os microfones ligados traem Barack Obama e Nicolas Sarkozy o buraco é mais embaixo. Tanto, que as redes de televisão francesa não comentaram o fato, provavelmente para diminuir o impacto do incidente diplomatico. O diálogo entre Obama foi contado com destaque no jornal Le Figaro, atribuindo a informação a jornalistas da AFP e da Reuters, que enviaram a notícia ao mundo inteiro. Sarkozy disse a Obama que “não podia mais ver Netaniahu, aquele mentiroso”. Obama respondeu : « Você está cansado dele ? Pior sou eu que devo falar com ele todo dia ! ». Em seguida, Obama pede a Sarkozy para acalmar a pretensão dos palestinos de se tornarem membros da FAO e da AIEA,  agências internacionais da ONU para a alimentação e agricultura e para a energia atômica.
Obama lembra a Sarkozy que 25% do orçamento da ONU vem dos EUA que podem fazer um estrago ao cortar a verba se a Palestina for reconhecida, hipótese pouco provável, no seio da Organização das Nações Unidas. Segundo um jornal francês, os judeus americanos não gostaram nada de ler a notícia e saber que Obama não defendeu o primeiro-ministro israelense. 

Na mesma conversa que vazou, ao falar da Grécia, Sarkozy disse a Obama que Georges Papandreu, em equilíbrio instável naquele G-20, era « louco e deprimido ».

A conversa entre os dois presidentes pôde ser ouvida por um erro técnico atribuído aos funcionários do Palácio do Eliseu, encarregados de controlar o som das entrevistas coletivas que os dois presidentes deram. Se pudéssemos saber tudo o que os donos do mundo dizem longe dos microfones, quanto trabalho para os diplomatas !


 « Affaire » Kadhafi : mais revelações

O jornal satírico Le Canard enchaîné, uma leitura obrigatória na França, contou com detalhes o acordo entre responsáveis militares franceses e americanos para que Khadafi não saísse vivo da operação de caça e não se pusesse a falar demais diante da Corte Penal Internacional. Vendas de armas e acordos escusos poderiam macular a reputação de certos governantes ocidentais que se vendem como inatacáveis.
No Libération li uma análise do jornalista Marc Semo em que ele dizia que, com a morte do ditador, o Ocidente evitou revelações embaraçosas. « Nenhuma das capitais envolvidas no conflito para derrubar Kadhafi, a começar por Paris e Londres, tinha vontade de ver o ditador diante da justiça internacional nem mesmo da justiça líbia, correndo o risco de ver um desenrolar de revelações sobre quarenta anos de relações complexas com os dirigentes ocidentais ».
Em outro artigo, publicado logo após a divulgação da morte de Kadhafi, o ministro das relações exteriores da Rússia, Serguei Lavrov dizia a Libération ter certeza de que as convenções de Genebra foram desrespeitadas: « Quando um participante de um conflito é capturado, deve receber assitência se está ferido. Matar alguém nessas condições vai de encontro ao que està estabelecido nas convenções de Genebra. Visivelmente, Kadhafi foi ferido e depois foi morto ».

François Hollande, a ascensão de um homem « normal »

(íntegra do texto publicado na Carta Capital)

Depois de três derrotas consecutivas (1995-2002-2007), a esquerda francesa tem grandes chances de eleger um socialista para presidente, em 2012. François Hollande, 57 anos, sucederia, assim, a outro François que não deixou no Partido Socialista um herdeiro carismático à altura do mito Mitterrand.
No domingo, com a indicação de Hollande, a vitória sobre Sarkozy ficou mais tangível.  Ao ganhar da prefeita de Lille e primeira-secretária do PS, Martine Aubry, a indicação de seu partido, o deputado Hollande se viu investido do dever de « reencantar a França », de reabilitar a presença do Estado, depois de um mandato de Nicolas Sarkozy e  dois de Jacques Chirac. Discursando na sede do PS, Hollande declarou que a vitória lhe deu « a força e a legitimidade para preparar o grande encontro da eleição presidencial de 2012 ». Mas a tarefa não é simples. Ele precisa primeiramente pacificar o PS, dividido em clãs rivais que se opõem e se detestam.
Para começar a esculpir sua imagem internacional de presidenciável, o candidato voou para Madri, já na terça-feira, 18, para encontrar-se com o primeiro-ministro José Luiz Zapatero, com o ex-presidente Lula e com outros líderes da esquerda europeia, reunida num congresso do Partido Socialista Espanhol. No encontro com Lula, Hollande saudou o homem que « soube combinar uma extrema fidelidade à esquerda com um sucesso excepcional, tendo deixado o poder com 80% de aprovação popular ». Lula é para Hollande « a esquerda eficaz, a única que interessa ».
A vitória dos socialistas na eleição de setembro para o Senado, que pela primeira vez na Quinta República (1958 até hoje) tem maioria de esquerda, pode ser o primeiro passo da volta dos socialistas ao poder. Se a eleição para presidente fosse hoje, e no segundo turno Hollande enfrentasse Sarkozy, o candidato socialista _ político hábil, inteligente, mas sem grande carisma _  ganharia de 62% a 38%, de acordo com a pesquisa CSA para BFM TV/RMC/20 minutes, feita quarta-feira, 19 de outubro. Antes da primária, pesquisas indicavam que Aubry também venceria Sarkozy num hipotético segundo turno, por margem um pouco menor que a de Hollande.
Vencer Sarkozy é a obsessão dos socialistas hoje. Estigmatizado pela esquerda como « presidente dos ricos », Sarkozy reivindica a « direita descomplexada ». A França de Sarkozy expulsa estrangeiros irregulares, crianças e adultos, numa negação da divisa do país que fala de liberdade mas também de igualdade e fraternidade. O empobrecimento das classes mais desfavorecidas, o aumento das taxas de desemprego e a degradação dos serviços públicos de saúde e educação são problemas agudos que foram desgastando a popularidade do presidente. O anti-sarkozismo tornou-se uma verdadeira doutrina política que vai determinar o voto de muitos eleitores.
Se vencer em 2012, François Hollande contará duas vitórias sobre o atual presidente. A primeira foi em 1999, quando o socialista ganhou a eleição para o Parlamento europeu, deixando seu concorrente Sarkozy a ver navios. Logo depois, o deputado europeu renunciou a seu mandato para assumir a vice-presidência da Internacional Socialista. Hollande tem hoje um mandato na Assembleia Legislativa da França.
« Para derrotar Sarkozy é preciso um PS unido em torno do vencedor da primária », martelava Hollande, que se apresentou como o mais apto a criar a união. Melhor que ninguém, ele sabe que a campanha de Lionel Jospin em 2002 foi entravada por falta de coordenação candidato-partido e sabe também o quanto faltou a Ségolène Royal o apoio do partido e de todos os grandes líderes socialistas na  campanha de 2007 contra Sarkozy. Nas duas campanhas, Hollande era o primeiro-secretário do PS e vivia com Ségolène Royal.
Ao vencer Dominique Strauss-Kahn e Laurent Fabius na primária de 2006, Royal não somente não teve o apoio claro dos vencidos como não pôde contar com François Hollande, que recusou-se a assumir a direção da campanha da mãe de seus filhos, de quem já se distanciara. E, no entanto, a vitória de Royal sobre DSK e Fabius não podia ter sido mais clara: ela teve 60,65% dos votos dos militantes contra  20,69% para DSK e 18,66% para Fabius. O casal Hollande-Royal, que tem quatro filhos, já era uma união de fachada. Logo após a derrota de Ségolène para Sarkozy veio a separação, através de um comunicado divulgado pela AFP, em que ela informava que pedira ao companheiro para deixar o domicílio conjugal. Soube-se depois que ela tinha tomado conhecimento da relação dele com a jornalista Valérie Trierweiler, que hoje vive com o deputado.
“Aprendemos a lição de 2007, não vai haver uma campanha com duplo comando”, declarou François Hollande depois da vitória, obtida graças ao apoio de todos os candidatos eliminados no primeiro turno, inclusive de Ségolène Royal, que superando qualquer ressentimento pessoal colocou em primeiro plano o projeto da esquerda.
O deputado e presidente do conselho regional da Corrèze, no centro da França, começou a se preparar para uma candidatura presidencial desde que deixou a direção do partido em 2008 e foi substituído por Martine Aubry. Hollande, um « bon vivant » conhecido por suas « boutades » engraçadas e rápidas, emagreceu 10 quilos, mudou o penteado e assumiu uma seriedade de circunstância.
Mas quem é exatamente o candidato socialista que numa frase infeliz  se apresentou como um « candidato normal » para marcar sua oposição ao atual presidente ? Sarkozy sempre foi criticado pela esquerda por sua vontade de controlar tudo, um hiper-presidente que quer ocupar todos os espaços. Além do mais, no início do mandato não soube separar sua vida privada da vida pública,  imperdoável na política francesa.
O simpático e conciliador Hollande quer ser visto como um político preocupado com os problemas dos franceses. Nos debates televisivos da campanha da eleição primária, o ex-professor de economia do Instituto de Estudos Politicos de Paris (Sciences Po) defendeu o programa do partido, comum a todos os candidatos, e apresentou uma visão pessoal sobre a dívida colossal da França, a mundialização, a transição energética, o protecionismo, a desindustrialização, entre outros temas. Nos últimos debates, no entanto, a principal oponente de Hollande, Martine Aubry, espécie de dama de ferro, enviou uma lança envenenada : apresentou-se como a « esquerda dura, firme » em oposição a uma « esquerda frouxa, mole ». O « Le Monde » diz que Aubry entre os íntimos não hesita em dizer o que Hollande tem de mole : parte da anatomia masculina, « les couilles », que na língua francesa denota falta de coragem.
No dia seguinte à vitória de Hollande, a imprensa estrangeira apresentou o candidato como « normal, ao ponto de parecer sem particularidades ». Alguns jornais o definiram como « inteligente », « simpático », « modesto », mas « inexperiente ». O inglês « The Guardian » foi cruel : « Ele provavelmente jamais teria emergido da semi-obscuridade se não tivesse havido o escândalo Strauss-Kahn ». O espanhol « El País » destacou « o homem da mudança tranquila e da unidade, com perfil de um homem responsável, apropriado para um chefe de Estado ». Quem o definiu com mais propriedade talvez tenha sido o alemão « Der Spiegel » : « Por trás de aparente modéstia, ele alia forte determinação e grande ambição ». 
            Entrevistado ao vivo no Grand Journal de Canal Plus, o ex-candidato do PS em 1995 e 2002, Lionel Jospin, que se manteve silencioso durante a campanha primária, enfatizou sua admiração por Hollande : « Ele é o que tem mais talento político no Partido Socialista ». Ao deixar a direção do PS para se tornar primeiro-ministro, em 1997, depois da vitória socialista nas eleições legislativas, Jospin apoiou a candidatura de Hollande, que dirigiu o PS  por 11 anos (de 1997 a 2008). Quanto ao fato sempre mencionado de que o deputado não ocupou nenhum ministério no governo Jospin e, por isso, lhe falta experiência, o ex-primeiro-ministro disse que sempre consultava François Hollande, com quem se reunia semanalmente, para tomar decisões. « Como primeiro-secretário do PS, Hollande acompanhava todo o funcionamento do governo », assegurou Jospin, declarando total apoio ao candidato de 2012.  
            Filho de um médico e de uma assistente social, o jovem François estudou na prestigiosa Sciences Po, além de se formar posteriormente na École Nationale d’Administration (ENA), uma das « grandes écoles » por onde passa a nata dos politicos franceses. Na sua turma, além de Ségolène Royal, ele teve como colega o ex-primeiro-ministro Dominique de Villepin.
O temperamento conciliador de Hollande é muitas vezes apresentado como fraqueza por seus adversários de direita. Chirac, ao contrário, sempre manteve relações cordiais com seu adversário de esquerda. Há poucos meses, na abertura de uma exposição na Corrèze, região onde ambos têm raízes eleitorais, o velho presidente disse intempestivamente que ia votar em Hollande. A imagem de TV não podia ser desmentida. O hóspede do Eliseu ficou chocado. Claude Chirac e sua mãe Bernadette, preocupadas com o futuro político do jovem marido de Claude, genro de Chirac, trataram de pôr panos quentes. Foram ao palácio explicar a Sarkozy que o ex-presidente está visivelmente afetado pela doença de Alzheimer. Publicamente, a história foi explicada em comunicado divulgado pela família como sinal de um particular « humor correziano », mas para os jornalistas políticos que sabem que Chirac e Sarkozy se detestavam, foi apenas uma prova de que a autocensura do velho presidente já começou a ser afetada pela doença. 
Quanto a Dominique Strauss-Kahn, com quem Martine Aubry tinha um pacto de não se candidatar para apoiar o amigo, sua relação com Hollande sempre foi de distância. Ao confirmar esse pacto na única entrevista que deu depois de sua libertação, DSK pode ter afastado muitos eleitores de Aubry. E ao revelar poucos dias antes da eleição primária as conversas em « off » de DSK com jornalistas parisienses pouco antes do « affaire » de Nova York, a revista « Le Nouvel Observateur » expôs a soberba com que Strauss-Kahn, apontado pelas pesquisas como imbatível na primária, falava de Hollande. DSK discorria sobre a necessidade de Hollande « retirar sua candidatura à primária se quiser ter alguma chance de ser ministro » no futuro governo de Strauss-Kahn, que àquela altura já se via no Eliseu. 
Mas no meio do caminho havia uma camareira. Num hipotético governo Hollande imagina-se que o ex-presidente do FMI não terá vez. Provavelmente não será nem convidado para a festa.
Depois da indicação de Hollande, um dos canais de TV mostrou uma entrevista da mãe do candidato, falecida há dois anos. Madame Hollande contou que desde pequeno seu filho dizia que seria presidente da República. « Nós não acreditávamos. E continuamos sem acreditar », disse sorrindo.
François vai mover céu e terra para provar a sua mãe que ela deveria ter acreditado.

A não-comunicação, nova estratégia de comunicação
(Publicado no Observatório da Imprensa)

Madame Sarkozy, née Carla Bruni, « Carlita » para seu marido a quem ela chama de « chouchou », sempre gostou dos refletores, das passarelas, do palco. Era seu mundo.
Mas a ex-manequim e cantora teve que assumir com o casamento um novo papel : o de primeira-dama da França. Antes disso, contudo, o casal de namorados se exibiu seguido de fotógrafos em viagem à cidade jordaniana de Petra, em passeio pela Disney parisiense com o filho da cantora e em outras situações pouco convencionais em que o presidente em exercício recém-divorciado apareceu de óculos Ray-Ban com o filho da namorada nos ombros. Imagens que chocaram a maioria dos franceses para quem a presidência deve ser exercida com a liturgia e a sobriedade exigida pela função. A pretendida ruptura de Sarkozy em relação a seus predecessores não funcionou como ele esperava.  
O desgaste para a imagem presidencial foi enorme. Ele, que já fora visto se exibindo em iates de luxo logo depois de eleito, viu sua cota de popularidade declinar a olhos vistos. « Presidente bling-bling » passou a ser o epíteto preferido dos críticos de Sarkozy, chocados com seu gosto pela ostentação e pelo luxo.
Os marketeiros que analisam cada passo e cada gesto do presidente de olho nas pesquisas de opinião decidiram que a vida privada do hóspede do Eliseu passaria a ser assunto sigiloso. A não-comunicação foi teorizada no Eliseu como um novo conceito de comunicação. Nunca mais o presidente ousou falar de sua vida com Carla diante dos jornalistas. A primeira dama sumiu e passou a ser vista apenas em ocasiões muito formais e cerimônias oficiais.
Até que surgiu a gravidez. A notícia nem foi dada pelo Palácio do Eliseu. O boato foi confirmado pelo pai do presidente a um jornal alemão. . Era a estratégia de comunicação mais enviesada e complicada que já se vira. Os jornais franceses suitaram a notícia muito discretamente, em notas. “Trata-se da vida privada do presidente”, alegou-se. Os grandes jornalistas e os grandes jornais na França só tratam da vida pessoal dos políticos quando essa tem alguma repercussão no jogo político, como foi o caso do « affaire » Dominique Strauss-Kahn, amplamente comentado e analisado por ter implicações políticas que alteraram totalmente o quadro da sucessão presidencial.
Um dia, a primeira-dama deixou-se fotografar com uma barriga bem pronunciada num encontro do G-20. E voltou a desaparecer das câmeras e viagens oficiais.
A gravidez da primeira-dama é um assunto privado e não interessa os franceses, pensa a maioria esmagadora dos eleitores de direita e de esquerda. Em setembro, ela deu uma entrevista a um canal de televisão e disse que as aparições anteriores (Petra e Disney) foram « um grande erro ». Nessa entrevista ela disse que não ia mostrar seu bebê (ela não quis saber o sexo antecipadamente) à imprensa. Ela pensa que a exposição à vida pública é uma escolha de adulto.
Este mês, Carla Bruni-Sarkozy deu à luz uma menina numa clínica privada de Paris. Nenhum comunicado veio do Palácio. Tudo se comunica em « off ». Foi no blog da mãe que os jornalistas ficaram sabendo que a menina se chama Giulia.
A revista italiana « Grazia », que tem versão em francês, fez uma pesquisa. « Você se interessa em saber com que peso e com que tamanho nasceu a filha dos Sarkozy ? » « Quer ver foto da criança ? » 86% dos ouvidos disseram « não ». « Quer que o pai fale sobre o acontecimento ? » 87% disseram « não ».
Os franceses acham que um bebê é um assunto da vida privada e não querem que a filha do casal seja usada para fins político-eleitorais. O Palácio do Eliseu nem sequer ousou dar a notícia do nascimento oficialmente.
A comunicação do nascimento da pequena Giulia é toda extra-oficial e indireta. Os leitores do jornal de referência, como é chamado o  “Le Monde”, puderam ver uma foto em que, em pleno tumulto das reuniões de cúpula em Bruxelas para salvar  a Grécia da falência e garantir a sobrevivência do euro, Sarkozy abre uma caixa com um ursinho de pelúcia que lhe entrega Angela Merkel. Era um momento de pausa nas negociações. Uma forma discreta e indireta de falar  do nascimento da criança já que o fato não interessa aos leitores do jornal de referência, preocupados com os destinos da Europa e do mundo. 
A discrição francesa contrasta com o mundo anglo-saxão, onde ninguém ficou chocado em ver no ano passado o novo bebê dos Cameron nos braços da mãe, com o pai ao lado, posando à saída da maternidade.

Maison Européenne de la Photographie dá espaço ao olhar brasileiro
Leneide Duarte-Plon, de Paris (íntegra do texto publicado na Folha Ilustrada)
 Uma das principais instituições dedicadas à fotografia no mundo, a Maison Européenne de la Photographie cedeu parte de seu belo edifício do Marais, em Paris, a três fotógrafos brasileiros. A excelente exposição « Trois photographes de FotoRio », que pode ser vista até 8 de Janeiro de 2012, tem fotos do carioca Rogério Reis, do paulista Edu Simões e da paranaense Fernanda Magalhães.
A mostra dá visibilidade a três temas universais de maneira autoral e contemporânea: o corpo, no trabalho de Fernanda Magalhães (A representação da mulher gorda nua na fotografia), o alimento, no de Edu Simões (Gastronomia para um dia de trabalho duro), e a imagem, no trabalho de Rogério Reis (Ninguém é de ninguém).
Para falar da dificuldade de trabalhar hoje com o instantâneo do fotojornalista, Reis mostra pessoas nas praias cariocas, parcialmente escondidas por tarjas nos olhos ou círculos no rosto. Uma forma original de tratar a restrição imposta pela lei ao direito de imagem. Já Edu Simões, fez um trabalho próximo da sociologia : a partir de um único aspecto da vida de operários da construção (a marmita), o observador se envolve emocionalmente, passa a imaginar quem são esses homens ausentes da imagem, o que comem, como vivem. 
« Gostaria que o espectador se perguntasse quem acordou e a que horas acordou para fazer essa comida, qual a relação de amor que é transmitida nessa comunicação diária, qual a condição financeira da família nesse dia: tem carne para comer. Ou, com o fim do dinheiro, só deu para comprar ovo e, amanhã talvez, nem ele », diz Edu Simões à Ilustrada.
Ainda que o trabalho de Edu Simões pareça mais distante do tema, os três fotógrafos tratam, em última instância, do corpo. Mas o alimento que sustenta os operários da construção civil em São Paulo é, do ponto de vista estético, próximo da natureza morta tão cara aos pintores. O alimento na marmita se torna quase abstrato, um elemento estético nas cores variadas e na forma retangular do exíguo espaço da marmita. Nessas fotos existe também um olhar político-sociológico, e os  alimentos denotam uma hierarquia da condição dos operários, a presença da carne como o luxo supremo.
« Ao fotografar com apurado rigor técnico e estético as marmitas, que se tornam bonitas e apetitosas,  não estou proponho o esquecimento ou alienação de uma vida difícil. Minha intenção é provocar uma reversão na expectativa  pré-concebida que temos da comida e da vida dos operários em geral », diz Simões.
As fotos da paranaense Fernanda Magalhães, que expõe pela primeira vez em Paris, lançam um desafio ao espectador « acostumado à visão de corpos idealizados, muitas vezes resultantes de mutilações plásticas ». Ao mostrar uma mulher gorda nua, em fotos associadas a colagens de textos, Fernanda quis « discutir a busca insana por corpos perfeitos, eternamente jovens, numa tentativa de paralisar o tempo ». A fotógrafa, que tem um doutorado em Arte pela Universidade de Campinas, se define como artista e fotógrafa que se interessa por corpos que não querem se mostrar por vergonha de suas formas. « Era preciso rejeitar a rejeição », diz Fernanda Magalhães.
O carioca Rogério Reis, que trabalhou muitos anos como fotojornalista, já expôs anteriormente em Paris. Suas fotos da exposição « Microondas » mostraram aos franceses em 2007, durante a exposição Photoquai, 1ère Biennale des Images du Monde, como a violência urbana carioca se funde na barbárie. Reis vê suas fotos de personagens nas praias da zona sul do Rio  como uma discussão do uso e do controle da imagem no mundo atual.
 « Propus uma reflexão sobre a identidade e a propriedade da imagem. Meu desejo de voltar a fotografar com o quadro cheio e próximo da cena sem freios e longe das ameaças dos processos judiciais foi determinante”. Para frisar a impossibilidade de fazer fotos de pessoas reais como nos bons tempos da fotografia dos grandes mestres como Cartier-Bresson, Reis utiliza tarjas nos olhos ou círculos nos rostos. Esses artifícios acabam eliminando os rostos deixando apenas corpos em total liberdade.
Essa liberdade de corpos que se bronzeiam nas praias de Ipanema, Arpoador e Urca é o que provoca maior impacto ao olhar francês. Os namorados se pegam, se abraçam, se beijam, muitas vezes deitados um sobre o outro, na areia ou sobre uma cadeira de praia. Cenas de proximidade totalmente ausentes das praias francesas, mesmo na Côte d’Azur, onde o topless é frequente mas onde os corpos raramente se tocam em público.



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